Uma simples frase para um texto de uma profundidade e humanidade inquestionáveis. Assim se ouviu em plena representação, hoje, no Teatro Nacional de S. João (e até ao dia 31 deste mês).
O Ano do Pensamento Mágico: título para uma peça de teatro, baseada num romance homónimo da escritora americana Joan Didion. Melhor seria dizer baseada numa experiência de vida, autobiográfica; registo de memória tornado monólogo teatral. Este mesmo, em solo, é construído por Eunice Muñoz de uma forma tocante, em termos de representação; o mesmo que Diogo Infante encenou de forma muito sugestiva e com a qualidade também dos grandes.
Os poucos adereços de palco, o fundo musical (da autoria de João Gil e interpretada ao piano por Rúben Alves), a imagem projectada no final são os ingredientes necessários para se reflectir sobre as grandes relações pessoais, sobre a vida e a morte, sobre o acaso e o inesperado que esta última tem : "A vida modifica-se rapidamente... A vida muda num instante... Sentamo-nos para jantar e a vida, como a conhecemos, acaba."
A dor trágica da perda (duplamente experienciada), a mágoa, a tristeza, a auto-piedade são discursiva e simbolicamente sugeridas, evoluindo numa progressiva redução de teias, emaranhados e espinhos, partilhados numa conversa exorcizadora com o público espectador; substituídas pela resignação, pela libertação dos mortos, pelo apaziguamento com as ondas finais, a evocar a passagem de um tempo, de um estado de espírito.
O aviso impõe-se: "vai acontecer-vos"; o pedido acontece: "Deixa..." O valor da vida afirma-se pelo amor que a habita, inclusive nas molduras dos retratos, que não há como aceitar como isso mesmo: registos de memória, por mais que se diga ‘amo-te mais do que apenas mais um dia!' E tudo fica tão belo, quando tão bem representado, por mais doloroso que se apresente.
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