sexta-feira, 29 de junho de 2012

"... o São Pedro está-se a acabar"

        Assim o diz a canção popular, para, de seguida, se anunciar e chamar o S. João.

     A ordem dos três santos é, contudo, outra, com o S. Pedro a fechar a sequência dos três santos populares juninos. Como último dos três, não quer dizer que seja o menor ('the last but not the least'), até pelo papel que desempenhou (primeiro Papa) na igreja católica - a "pedra", a "rocha" escolhida por Cristo para fundação de uma fé que sobreviveu aos próprios supliciados (de que Cristo, Pedro e Paulo não deixaram de ser exemplo).
     Pescador e apóstolo, considerado protetor das viúvas e dos pescadores, Simão (ou Simeão) Pedro - como era chamado na Bíblia - é celebrado nas zonas piscatórias com grandes procissões animadas com motivos marítimos (como, por exemplo, barcos no areal como palco de missa aberta à comunidade, a relembrar o episódio bíblico no qual Cristo pede um barco para falar às gentes que chegavam à costa.).
      Outros costumes marcam a homenagem: os que têm o seu nome acendem fogueiras à porta de casa; quem agarrar uma fita no braço de um Pedro deve receber deste um presente (por exemplo, ter paga uma bebida).

Trono de Pedro na Basílica de S. Pedro (Vaticano)

       Na Basílica de S. Pedro, em Roma, a homenagem maior é a dos turistas que, passando pelo trono, colocam a mão direita no pé do santo, formulando o voto de reconhecimento e esperando a graça do reencontro no domínio dos céus.
       Em tempo e lugar mais hodiernos, a homenagem é feita com as luzes da noite, as farturas, os churros e as pequenas vendas de rua; há palco para os artistas, há música popular, para o povo cantar e dançar até às tantas. Há de chegar a procissão.


     A festa foi animada, com o domínio religioso e o pagão em consenso, sem a bênção da chuva, aquela que também se diz que é controlada pelo Santo (o mesmo a quem se atribui também as chaves da porta dos céus).

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Ensino, aprendizagens, estratégias, interações

     Começa hoje mais uma ação de formação, de âmbito transversal e orientada para o Agrupamento de Escolas de Gondomar nº 1.

        Vinte profissionais para partilharem comigo, em cerca de quinze horas e na Escola Secundária com 3º Ciclo de Gondomar, experiências, reflexões, práticas, numa orientação que passa pela abordagem dos seguintes tópicos:

. representação da a(tua)ção docente e padrões de desem-penho;
. modelos de intera-ção e comunicação;
. modelos e formas de ensino com reflexos nas aprendizagens;
. esquemas, estratégias, expedientes (cenários de ação);
. percursos formativos, valores e desenvolvimento profissional docente;
. supervisão pedagógica (dos conceitos às práticas).

    A iniciativa, desencadeada pela Escola Secundária de Gondomar e (a)creditada pelo Centro de Formação Júlio Resende, a levar a cabo entre 27 e 29 deste mês, é a primeira a arrancar para um conjunto de formações dedicado a três domínios: o da gestão pedagógica (intermédia); o da supervisão docente e o do recurso das novas tecnologias nos desempenhos docentes.
       O pressuposto de base será sempre o de que as pedagogias ativas e não diretivas não anulam, antes promovem, o papel docente, no que este tem de gestor de comunicação, de interação; de planificador; de facultador (mais do que facilitador) de uma imagem de ensino orientada para aprendizagens associadas a múltiplos sucessos. A orientação será sempre a de fazer caminho numa profissão que se assume como desafiante pelo jogo e pelo entrecruzamento de imagens e representações feitas entre os quais prioritariamente se implicam (ou não) no processo de ensino-aprendizagem.

       Em período de final do presente ano letivo e de preparação do seguinte, em contexto de correção de exames, em tempos de mudança (constantes) na educação, espero que esta seja uma oportunidade de formação e desenvolvimento profissional, de formação reflexiva apoiada em dinâmicas cooperativas.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Verão... com 'Chuva'

    Até podia ser a condição do dia; é mais um dia na condição da chuva.

    Da janela, vejo as poças de água que se formaram na noite. A chuva voltou para molhar o verão.
    O ar cheira a fresco; está lavado o chão. Sujo só o céu, com as nuvens que ameaçam a luz do dia com borrões de um cinza que só o sol consegue fazer esquecer.
     Vem, então, a lembrança... de uma canção... na letra e no som.

"Chuva", fado de Jorge Fernando, interpretado por Mariza

            CHUVA

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob a chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade 


   Numa composição (letra e música) de Jorge Fernando, a voz de Mariza compõe o choro que surge numa cidade cujo mar lembra o salgado.

   Do choro do tempo ao choro da alma, a luz do dia fica claramente ofuscada, na ânsia de um clima melhor ("Há dias que marcam a alma!"), para condizer, no mínimo, com o verão já entrado no calendário.

domingo, 24 de junho de 2012

Lá se foi a primavera (que há de chegar).

     É cíclico. Foi-se a primavera; vive-se o verão, que terá outono e inverno.

     E há de passar o tempo quente, o da queda da folha, o do cortante frio...
     E depois...


     Quando tornar a vir a primavera 
   Talvez já não me encontre no mundo. 
   Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente 
   Para poder supor que ela choraria, 
   Vendo que perdera o seu único amigo. 
   Mas a primavera nem sequer é uma coisa: 
   É uma maneira de dizer. 
   Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes. 
   Há novas flores, novas folhas verdes. 
   Há outros dias suaves. 
   Nada torna, nada se repete, porque tudo é real. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 

Caeiro, por Lívio de Morais (1998)
   Versos do heterónimo pessoano que se entrega à natureza e se assume numa aparente (só aparente) espontaneidade: a da consciência de que passamos, vamos ao sabor do vento, na possibilidade de o ser não ter futuro. Procurando ver o tempo como ele é (na repetição de instantes), sublima-se o real - numa atitude panteísta (divinização da natureza) compaginada com a objectividade e a naturalidade próprias dos mais simples. Assim se cria uma filosofia e um pensamento próprios: os que, paradoxalmente, na ou pela negação se constroem.
    O "guardador de rebanhos" toma-se pelo ser pousado sobre a terra, sobre a natureza intuitiva e sensorialmente apreendida. Na constante novidade e no (a)firmado propósito de viver o instante, constrói-se um pensamento (o do "poder supor"), uma expressão de sentimento ("gostava") e a dimensão de um futuro feito de hipótese, de condição e ficcionalidade ("Quando vier") com a virtualidade e a possibilidade criativas ("choraria"). Presente-se, ainda, a memória de um sentimento, instaurado no exercício criativo e imaginativo que o pensamento propicia ("Vendo que perdera o seu único amigo").
    Depreende-se a pressuposição de uma certeza (futura e receada), perante a dúvida formulada num "agora": a da morte como um dado (mesmo que noutros poemas essa situação seja encarada como algo que o deixa inalterável, que não o "move").

      Na vivência cíclica do tempo-natureza, Caeiro desagua num pseudo-tempo, multiplicado numa sucessão de presentes (talvez um tempo-nada, que se quer sem a consciencialização de um antes ou um depois, para poder dar apenas lugar ao que é ser, existencial). No tudo que Caeiro nega, como princípio, o texto (re)compõe e (re)afirma, na prática.


sábado, 23 de junho de 2012

São João... sem feriado.

        Mais uma noite de S. João..., mas sem dia feriado.

       Na mais festiva das noites de verão, cumpre-se, no Porto, a celebração do S. João.
       Em fim de semana, a noite de folia dará lugar a dia de descanso, sem feriado.

   Do padroeiro Pantaleão
   à padroeira Vandôma,

   o Porto vive hoje a noite 
   do seu santo de coração: 
   em tempo de estio ou verão,
   sem ódio,luxo, açoite,
   não há raça, credo, idioma
   nesta festa de São João.
 
     Em período de crise e com a sardinha em carestia, é caso para dizer que este santo está a ficar pouco popular, quando, ainda por cima, coincide em tempo que não nos livra de trabalho(s).

   Venha outro ano, cumpra-se novo ciclo, com S.João mais folião e alguma dose mais de compaixão.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Promoção... ou Crise!

   Há cerca de uma semana, estava em véspera de partida para São Martinho de Anta.

   Pelas terras de Miguel Torga, encontrei uma rua de homenagem ao poeta (assim chamada após um ano do seu falecimento):

 
   Mesmo ao lado da casa, aparecia uma outra indicação:


   É este um verdadeiro caso de evolução, de progressão: um caso de quelha que se tornou rua.

    Ou será este mais um sinal da crise e de corte nos 'ratings', desta feita aplicado à rua?

Com a maior das doenças

   No Teatro Nacional de S. João há um hipocondríaco em cena, provocando a gargalhada necessária a alguma crise destes tempos.

   Para todos os que se sentam na posição de espectador, a gargalhada é frequente nesta comédia de Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido por Molière (séc. XVII). Num texto traduzido por Alexandra Moreira da Silva e numa encenação de Rogério de Carvalho, 'O Doente Imaginário' coloca o público perante a última produção dramática do escritor francês, numa representação em que o egocentrismo obsessivo e patético de Argão (Jorge Pinto) deixa ver na comédia o registo trágico do que é ter medo da morte, fazendo da medicina uma religião; da atenção e do cuidado, a tirania na sobrevivência.


   Há uma estatística risível em todo este raciocínio, evidenciando a doença de todos aqueles que querem reduzir a vida a um número, a um medicamento para evitar o mal pior, a uma estratégia preventiva para o inevitável.
    Só Tonieta (Emília Silvestre) com o seu "Pulmão!" parece trazer a reposição da ordem, mesmo quando esse "pulmão" se inspira nalguma desonestidade, numa máscara ou mentira com objetivos salutares, tentando oxigenar ou curar o patrão da sua fixação em doenças, boticários e médicos. Com a cumplicidade do irmão de Argão, a criada convence o amo a fingir-se de morto, para que se possa descobrir quem realmente gosta dele. Assim, prova-se que Belina, a segunda esposa de Argão, está apenas interessada no dinheiro do marido, enquanto a filha Angélica mostra que realmente o ama. Na "ressureição" do suposto morto, Angélica conquista a liberdade, para se casar com quem quer escolher (não um Diaforético, mas Beraldo).
   Entre Flatêncios, Diaforéticos e Purgários; remédios, deslocações à privada e lavagens, também este mundo se vê dominado por múltiplas doenças, nomeadamente as da repetição, do egoísmo, do utilitarismo, dos interesses próprios, dos pretensos e acumulados problemas que se transformam na pior das problemáticas (impossibilitadora das vivências de felicidade a que qualquer ser humano tem direito).


     São estas imagens de um ensaio que deu lugar a animada representação, com os ingredientes necessários a uma boa comédia: um texto com muita "inclinação", uma criada com grande "Pulmão!", um Beraldo espertalhão, mais um Diaforético, filho, que lembra como "Água mole em pedra dura tanto dá que lá tirou a licenciatura". Uma diversão.

    Uma comédia, um protesto da inteligência contra as maleitas do corpo e da alma - um texto em que o riso não deve fazer esquecer a racionalidade, a reflexão acerca dos limites da vida.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

No cruzamento da ciência e da literatura

    Em São Leonardo de Galafura, localidade plasmada em poema de Torga, a geografia motiva a criação poética.

    Na mesma localidade, outros exemplos literários de cruzamento com a ciência podem ser lidos nos pontos de informação turística disponíveis no alto do Miradouro.
    Geologia e Literatura - Geoliteratura - na versão que Miguel Torga constrói, nessa senda da beleza (natural) absoluta.

Azulejo em S. Leonardo de Galafura (Foto - VO)

    A poesia feita da Terra ou a Terra que se revê na prosa poética - ei-la azulejada e fixada na rocha, para que persista na vida (Bio) e no conhecimento (Logia) com a magia do ritmo, a existência sublimada, mais a transfiguração emotiva, sugestiva e misteriosamente transportada pelas palavras.

   
No maior dos mistérios (o da Vida) tem que haver poesia.



terça-feira, 19 de junho de 2012

Dicas da semana (via Lidl)

    Na caixa do correio, hoje, havia um jornal intitulado Dicas da semana, para divulgação dos produtos com desconto à venda no Lidl.

     Logo à cabeça, o anúncio de uma entrevista a propósito do novo número da coleção 'Uma aventura' (o quinquagésimo quarto livro, divulgado em março deste ano). Além da imagem das autoras, a capa do mais recente livro dá a conhecer a publicação.
    Mal li o título, pensei logo num sítio errado, um que se ajusta à condição de fonte de inspiração e ao conhecimento de quem lá esteve - ainda que, à hora de lá entrar, tenha dito que não havia sido convidado(a) para tal.
   Impede a expectativa narrativa que se identifique tal sítio. Pode assim o leitor imaginar o enquadramento. Por mim, acho que nesse sítio ficava bem uma festa, muita animação, com direito a corta-fitas e figuras importantes; muita tecnologia, muito material novo, mais tudo aquilo que interessa para o futuro (pelo menos, até que alguém se lembre de que no presente está mais do que endividado). Para adensar a intriga, sempre podia chegar um mau da fita: o cobrador, a pedir de volta os ingredientes dos comes-e-bebes, as roupinhas, os adereços, mais os figurantes vindos para a animação.
     Acabada a ilusão, falta saber como tudo acaba.
      Não quero avançar o final, para não comprometer o exercício imaginativo de quem ainda queira ver, na e pela sugestão do título deste livro, uma saída airosa. Talvez haja para ali um tesour(inh)o, umas moeditas... uma pequena contribuição para solucionar a crise, talvez.

     Enfim: entre 'no sítio errado' ou 'na festa errada', aposto que as personagens principais e o espaço da narrativa não seriam muito diferentes. Haja paciência! Mais vale ir às compras, no Lidl ou noutro (sítio menos errado do que aquele que possa estar a ser pensado).

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Da(s) Pessoa(s) que Fernando foi...

    Em dia de Santo António - do lisboeta Fernando Martins de Bolhões (séc. XII-XIII) -, não vou fazer sermão (qual Padre António Vieira, com Sermão de Santo António); faço antes advertência, para ou por causa de um outro Fernando.

    A 13 de Junho nasceu Fernando Pessoa (no ano de 1888). O homem veio para a vida, aquela que o poeta viu como demasiado real, sensível, corpórea. Na materialidade que o confinava a uma existência "baça", procurou a luz na poesia.
     No ato criativo e do fingimento poético conclui que “fingir é conhecer-se”. Enquanto expressão de ficção, "fingir" é sinónimo de um exercício de intelectualização, de criação; mas só conjugado com o "simplesmente sinto / Com a imaginação" (in "Isto") pode ser porta para a dimensão do inteligível, do espiritual. É a oportunidade de libertar o 'eu poético' dos enleios da realidade. 
      A teoria poética pessoana, visível em "Autopsicografia", é aquela que finge ser dor "a dor que deveras sente"; a que sublinha o poder da representação como diferente da realidade vivida / sentida (“Continuamente me estranho”, Não sei quantas almas tenho"); a que toma a inconsciência como virtude, como passado que desembaraça o sujeito de um presente feito de tristeza, consciência e/ou dor de pensar. 
     Sem deixar de ser um (ortónimo), Pessoa procura descentrar-se e, através da fragmentação do eu, atingir a finalidade da Arte: criar o múltiplo, o indefinido, o vago, o abstrato, o ideal, a libertação ou a passagem para um infinito que a realidade (finita) não dá.

Passam as nuvens, murmura o vento
Passam as nuvens, vão devagar.
Demoro em mim o meu pensamento
E só encontro não encontrar…

Passam as nuvens, os ventos vão,
Levam as nuvens a um vago além
Mas nunca a dor em meu coração
Ou a ânsia vaga de que provém.

Passam as nuvens, não têm destino
Salvo passar, não ficar aqui…
Assim meu ser tivesse um divino
Nenhum-destino, não ser de si.

Passam as nuvens, eu fico e tenho
Por meu destino pior, ficar…
Sem saber donde, nuvem, provenho
Ou qual o vento que me há-de levar…

30 - 4 - 1917 

in Poesia 1902-1917, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine
Editora Assírio & Alvim , 2005

    Fingimento e mentira são formas de expressão, de linguagem na arte pessoana, pelo que têm de declaração e de construção interessadas numa alternativa ao real presente.

    Neste contexto, espero que os meus alunos finjam e mintam muito, pelo que de virtude e criação pessoanas há. Que sejam o corpo de gavetas onde colocarão, organizadamente, o que precisam para a grande prova que se aproxima. Caso contrário, valha-lhes Santo António (que, antes de ser santo, foi homem, intelectual, religioso e, acima de tudo, pessoa com nome de Fernando). 


domingo, 10 de junho de 2012

Tudo muda...

    Em dia de Camões, de Portugal e das Comunidades, poderia centrar-me no Português e mostrar esta singularidade que o nosso país tem de apresentar um feriado para o seu dia e o do seu poeta universal.

    Ora, o condicional já tudo disse: não vou restringir-me à nossa língua, à nossa cultura nem ao nosso poeta, apesar de o feriado assim o indicar.
   Tempos houve em que Camões, hoje celebrado como símbolo de uma língua, de um país e de uma comunidade, era conhecido como o príncipe dos poetas da "Hispânia", numa referência clara à Península Ibérica e ao que na época quinhentista era mais proximidade do que distância. Na corte portuguesa conviviam as duas línguas (português e castelhano), em tempos que havia bons ventos e bons casamentos.
    Neste sentido, e relembrando o soneto camoniano "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", revisito o espanhol e o poeta chileno Julio Numhauser, mais o poema "Todo cambia" (1982) na voz da argentina Mercedes Sosa ("La Negra").


        
    TODO CAMBIA

Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño

Cambia el más fino brillante
De mano en mano su brillo
Cambia el nido el pajarillo
Cambia el sentir un amante

Cambia el rumbo el caminante
Aunque esto le cause daño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño

Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia

Cambia el sol en su carrera
Cuando la noche subsiste
Cambia la planta y se viste
De verde en la primavera

Cambia el pelaje la fiera
Cambia el cabello el anciano
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño

Pero no cambia mi amor
Por mas lejos que me encuentre
Ni el recuerdo ni el dolor
De mi tierra y de mi gente

Y lo que cambió ayer
Tendrá que cambiar mañana
Así como cambio yo
En esta tierra lejana. 


Vídeo com a interpretação de Mercedes Sosa

   A mudança de um regime ditatorial, a mudança de um tempo que subsiste a desgosto de muitos (os que assistem à passagem dos dias, os que se apartam, os que dão paz em troca de tormento, os que desistem para viver de lembranças).

   Porque o tema camoniano é tópoi da literatura universal; porque este se faz de música e poesia; porque o desejo da mudança é uma constante, porque a mudança na terra e no país se impõem, porque o que muda também pode ficar...
    

terça-feira, 5 de junho de 2012

Inerências... para quem as quiser.

    É o que faz responder a dúvidas / questões com conceitos tomados como pressupostos.

    Felizmente, há possibilidade de os esclarecer (assim espero) a quem se revela interessado(a).
    Houve já oportunidade de falar sobre alguns 'se' da língua portuguesa. Também já se tocou na questão do 'se inerente', mas agora é tempo de o tratar em exclusividade.

    Q: É possível explicar o que entende por um 'se' inerente?

    R: Diz-se inerente o pronome que, não sendo reflexo, recíproco nem impessoal, surge tipicamente a seguir a uma forma verbal,
a) podendo ser retirado (cf. 'A jovem riu-se ou sorriu-se?'   >  'A jovem riu ou sorriu?') no caso de alguns verbos;
b) não admitindo as paráfrases 'a si mesmo / próprio' ou 'um(a) ao(à) outro(a)' (cf. 'Os amigos zangaram-se'   > * 'Os amigos zangaram a si mesmos' OU *'Os amigos zangaram um ao outro');
c) não apresentando valor impessoal ou indeterminado, pelo que não é parafraseável por 'Há quem...' (cf. 'O gelado derreteu-se com o calor'   >  *'Há quem o gelado derreteu com o calor');
d) não tendo valor passivo (cf. 'Ele atreveu-se a sair'   >  * 'Ele foi atrevido a sair').
    Exemplifica-se também o caso dos 'se inerentes' com as realizações que dão conta de uma construção sintática marcada pela redução de transitividade. Estes últimos são cenários em que o 'se' revela uma marca de construção transitiva de base (anterior, implicada e/ou pressuposta), a qual é objeto de transformação, redução, a ponto de eliminar elementos sintáticos implicados na estrutura argumental. É o que se pode verificar com as progressões seguintes:
e) O temporal afundou o barco  >    O barco afundou(-se).
f) O vento fechou a porta    >  A porta fechou(-se).

     Casos de redução de transitividade são ainda os que se designam de realização inacusativa (sem complemento direto) do que foi inicialmente uma construção transitiva acusativa (com complemento direto).

domingo, 3 de junho de 2012

Por uma boa razão...

     O que faz mover é muitas vezes uma força espiritual, capaz de nos afirmar como humanos (melhores e maiores).

     Assim se constrói a humanidade pelo que de melhor tem.
   A ideia surgida (qual pensamento, sonho ou espírito) materializou-se, sem que o físico (motivado pela vontade) se deixasse vencer. Muitas pessoas, muitas vontades, unidas num só objetivo: a luta por uma causa, pela solidariedade, pela fraternidade para com um ser humano.


     Em Gondomar (terra tantas vezes falada e conhecida - nem sempre pelos bons motivos) há razões para acreditar em sucessos que não precisam de ser traduzidos nem reduzidos a números. E, se o forem, será pelo propósito que faz da união força, ideia, mensagem; luta por uma condição humana melhor, ânimo para uma lutadora que deve saber que há quem nela deposita fé, coragem, vontade, esperança.
     Está aqui um bom motivo para lembrar Gondomar, para agradecer a quem teve a ideia e a concretizou. Nisto, acontecido num tempo e num espaço, não deveria haver datas nem distâncias; se as há, que se saiba que também há quem as consegue contornar com o melhor dos intentos.
   Este apontamento é para elas (as entidades, as pessoas, as caras que deram cara à causa) que muitos dias trabalharam para que a manhã de hoje fosse mais brilhante, independentemente da presença do sol; e, especialmente, para quem à distância de longos quilómetros tem de saber, ver e ter - nesta força viva - a consciência de que "os homens são anjos nascidos sem asas" (e que, por vezes, as sabem construir com o que de melhor têm, para ver e voar mais alto); de que "É portanto a vontade dos homens que segura as estrelas" (no que estas possam abrilhantar, mesmo no que há de mais escuro nesta vida).
    Cumpram-se a vontade e a luta, pelo que de mais educativo e maior compromisso revelam num projeto que teve o maior dos sucessos e se quer repetido a quem foi destinado.

    Uma boa causa para ser notícia, reportagem, crónica de qualquer meio de comunicação social. Contudo, se não o for, fica esta nota para um acontecimento feito de afetos, de realização e cumprimento, de reconhecimento, de satisfação pelo conseguido - prémios tão imateriais quanto a ideia que lhes esteve/está na origem. O resto será o tempo a dizer...

sábado, 2 de junho de 2012

Tudo para ser mais fácil...

   Há já algum tempo, tive a oportunidade de rever um pequeno sketch dos Gato Fedorento.

   Tudo porque algo me parece familiar (nem sei bem por que motivo):

Um apontamento cómico inspirado no meu nome é sempre digno de registo

    Algo me dizia que o nome não era grande coisa. Mas haver quem o queira transformar numa forma comum de tratamento (um genérico, a bem dizer) é abuso!

    Por estas e por outras já disse que passo a ser o Oliveira... Oliveirinha para os amigos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Estruturas transitivas predicativas

    Na sequência de uma explicação, um comentário com nova dúvida.

    Em tempo de cerejas, é caso para dizer que as dúvidas são como as primeiras, no momento em que as comemos (as cerejas, não as dúvidas... claro está!)

   Q: Seguindo o exemplo com o verbo "tornar", apresentado como transitivo predicativo, (re)coloca-se-me uma dúvida que o Dicionário Terminológico criou. Neste, "tornar-se" é apresentado como verbo copulativo. A mim parece-me ser transitivo predicativo, sendo o "se" complemento directo...

   R: Tipificar verbos segundo uma classificação sintática levanta, naturalmente, questões que não podem ser tratadas senão em contexto. Aliás, este é um dado tão válido para a abordagem da gramática, em múltiplos domínios, que não pode deixar de ser considerado na criteriação sintática.
    Também no Dicionário Terminológico surge o verbo 'continuar' como copulativo, quando todos sabemos que também pode ser um verbo principal transitivo (direto), bastando comparar a distintividade de i) e de ii):

i) 'continuar' como copulativo
     Ele continua interessado na matéria.
ii) 'continuar' como principal (transitivo)
     Os alunos continuam o estudo da matéria. (cf. > Os alunos continuam-no)

     O caso do verbo 'tornar' é outro exemplo rico em termos de classificação sintática, segundo os contextos da sua realização. Assim, o verbo é copulativo em frases como 'Os amigos tornaram-se inseparáveis', 'O clima tornou-se insuportável' ou 'A situação tornou-se crítica' - verbo de ligação entre sujeito e uma propriedade desse sujeito, tipicamente concordante em termos sintáticos. Nestes casos, os 'se' são casos de pronome inerente.
     O mesmo não sucede com 'tornar X Y':

iii) "A professora tornou o assunto (X) interessante (Y)"
iv) "O Homem tornou a vida terrena (X) insustentável (Y)".

    Estes são dois exemplos de frases nos quais 'tornar' é configurado como um verbo principal transitivo-predicativo: com complemento direto ('o assunto', 'a vida terrena') e predicativo do complemento direto ('interessante', 'insustentável').
   Subjaz a estes casos uma construção transitiva predicativa pautada por causatividade com situação resultativa. Ou seja, à causa é associado um objeto (complemento direto) que não é separável de um resultado encarado como termo predicativo. Nestas situações, o verbo 'tornar' é um verbo principal transitivo predicativo.

     A propósito desta última classificação, recomendo a leitura do artigo "Predicação do complemento directo em português", de Joaquim da Fonseca (consultável na obra Estudos de Sintaxe-Semântica e Pragmática do Português, publicada pela Porto Editora, em 1993).