domingo, 30 de janeiro de 2011

Com anúncios destes...

         A situação é crítica, a possibilidade de emprego é um atractivo, a selecção é um imperativo.

      Como pode alguém pedir, como requisito (de candidatura) para emprego, um bom domínio da língua portuguesa e uma excelente capacidade de comunicação em Português, quando o anúncio que faz publicitar é uma pérola desta qualidade:

in secção de "Emprego", do Jornal de Notícias
(publicado hoje)

        Ou o conceito de bom domínio e excelente comunicação está muito mal ou, então, "não bate a cara com a careta".

      Talvez fosse bom, antes de tudo, que a empresa contratasse alguém para cuidar da sua "imagem linguística" e pública, antes que algum possível candidato recuse apresentar a sua candidatura a este emprego.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Um homem no tempo, no espaço, nas origens...

       Vergílio Ferreira: há 95 anos nascia para uma biografia mais tardia.

      Esta pelo menos é a ideia das palavras do autor de Aparição, num excerto de um documentário realizado por Lauro António, intitulado "Prefácio a Vergílio Ferreira".



     Lembro-me de me ter cruzado com o escritor, de sentir a sua imponência física quando, a propósito do centenário de Eça e Os Maias (1988) e no auditório da velhinha Faculdade de Letras (junto ao Palacete Burmester), o ouvi falar sobre uma das questões essenciais ao romance e à narrativa em geral. Em "Os Maias - que tema?" (artigo publicado no livro de Actas do I Encontro Internacional de Queirosianos, editado em 1990, pelas Edições Asa), surgia então a questão do tempo que, nas palavras do criador de Para Sempre e Até ao fim, é um problema que se coloca ao homem ocidental desde que este se questionou sobre si mesmo.
      Questionação e consciência das condições da existência, percursos de solidão, história do sentir são eixos filosóficos e estruturantes nas letras e na escrita romanesca e diarística de Vergílio Ferreira.
      Na busca de sentido do universo; no confronto com o vazio de valores; no percurso de descoberta que se impõe ao 'eu' diante de um mundo, da vida e da morte, surgem as reflexões sobre as motivações e limitações humanas para os actos e para o pensar, sobre o mistério, sobre a arte:

 "... são muito complexas 
as relações do «real» e do «imaginário». 
Mas (...), se uma personagem se nos impõe como tal, 
ela existiu mesmo. 
E com efeito: que pessoas existiram, 
se alguém as não fez existir? 
E que diferença fazem no seu real 
das que nunca de facto existiram?"

      Na revelação a / de si mesmo, na aparição da(s) verdade(s) que compõe(m) a existência, Vergílio Ferreira impõe-se como um dos grandes escritores nacionais do século XX, um problematizador da vida e da sua finitude. 

     Funda-se assim a grandeza de um homem no reconhecimento de todas as perdas (de Deus, do amor, das suas personagens, do sentido para a existência) e na constatação do absurdo da condição humana, rumando à aceitação do que (nos) é acidental e da grandeza cósmica que a / nos transcende.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Canção bela para letra triste... com queixa e esperança

      Tentar de novo... para a vida.

     O fogo que une pode ser também o que separa, qual "fogo que arde sem se ver" feito de "contentamento descontente", como lembrou Camões.


          TRY AGAIN

One look
You know that you've fallen
She knocks you over
You say this is it


Perfect
Straight from a movie
He says all the right things
You know he's the one

Next time around
Try again

Weeks pass
Still kind of perfect
My heart's removed now
I gave it to you

Passion
You constantly move me
Further and further
Reaching my soul

Next time around
Try again

Tonight
Plans for a movie
You call me to cancel
Girls going dancing

Sundays
Our romantic picnics
Turn into football
Boys will be boys

Now months pass
Knowing you love me
I've taken you forever
Together for granted

Next time around
Try again

Home late
You won't even kiss me
The eyes of my angel
Accuse me I'm guilty

Follow me
To my friends' house
Hide 'cause we're dying
Jealousy is cancer

Next time around
Try again


You never give me any space
or time to breed
Try again

Sometimes I wish you'd leave alone
and get away from me
Try again

I can't believe you'd say these things
If you're in love with me
Try again
I never thought you'd ever say
Those awful things to me
Try again

Oh no
The roses I gave you
Are suddenly fading
Along with our love

Who cares
The credits are rolling
Love's just a movie
There's always an end

Love is what it is
It just is


     Fosse o amor tão simples quanto um "Love is what it is / It just is". Sê-lo-á, no caso de não estar em cada um de nós, o que faz com que o tornemos "something different always in hope to try again".

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Acordo e acentuação (das paroxítonas... ou graves)

     Retomo um comentário anterior, na sequência de novos dados encarados como dúbios.

     Q: Tenho uma dúvida,relativamente ao acordo ortográfico, que é a seguinte:
       segundo a base IX - da acentuação gráfica das palavras paroxítonas, a propósito da acentuação das formas verbais de pretérito perfeito do indicativo 1ª pessoa, plural, (ex.: amámos) -, «é facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais...para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo já que o timbre da vogal tónica é aberto naquele caso em certas variantes do português». Pelo que eu entendo, esse carácter facultativo tanto se aplica à variante do Português Europeu como à do Brasil; o mesmo acontecerá com o acento circunflexo (facultativamente) para 'dêmos' (1ª pessoa do plural no presente do conjuntivo), ainda que se distinga da correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo: Demos». É ou não é esta a interpretação?

     Acontece que já vi, em duas publicações, o assunto tratado de duas formas diferentes; isto é, numa diz que em Portugal mantém-se o acento em «louvámos» e «dêmos»; na outra diz que só acentua quem quiser. Afinal, qual é a versão correcta?

    R:  Pelo texto do acordo, de facto, fica a noção de facultatividade nos casos associados a ‘falamos / falámos’, numa primeira leitura. Todavia, há a considerar o facto de o normativo ser para aplicação nas diferentes variedades (europeia e não europeia) do Português.
    Ora, nesta medida, o carácter facultativo da acentuação prende-se com o facto de o acordo respeitar, genericamente, as várias normas cultas da língua (nomeadamente a lusoafricana e a brasileira), particularmente o que se relaciona com a dimensão fonética. Assim, no Acordo Ortográfico, o caso de acentuação em apreço é facultativo para a generalidade dos países e das respectivas línguas, na medida em que coexistem formas diferentes de pronunciar e/ou grafar as palavras nessas variedades, perspectivadas em conjunto; na medida em que não há oposição distintiva na realização fonética dos dois tempos verbais (recorrendo-se sempre ao som aberto). Focalizando apenas o caso do Português na sua variedade europeia, a situação é diferente. Isto porque há distintividade entre 'falámos / falamos' e 'dêmos / demos' na chamada norma culta ou padrão. 
     Assim, e de novo remetendo para o comentário já produzido, há uma observação na edição aí publicitada (da responsabilidade da Imprensa Nacional Casa da Moeda e da Associação de Professores de Português), a qual sustenta esta leitura do acordo. Essa mesma observação vai ao encontro de uma outra publicação, da autoria do Professor João Malaca Casteleiro e Pedro Dinis Correia, na qual se pode ler o seguinte, na página 31:

    “O Novo Acordo prevê que se assinale, na norma culta lusoafricana, com acento agudo, nos verbos regulares da primeira conjugação, a terminação da primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, de modo a distingui-la das correspondentes formas do presente do indicativo, e que, na norma culta brasileira, não haja distinção dessas formas. 
      Deste modo, coexistem para as formas do pretérito perfeito na primeira pessoa do plural: 
    andámos , cantámos, lavámos, na norma culta lusoafricana; 
    andamos, cantamos, lavamos, na norma culta brasileira.” 

    O mesmo critério se aplica ao contraste 'demos / dêmos' (não realizado na norma culta brasileira, mas distintivo na norma lusoafricana), conforme também se pode ler na sequência da última publicação citada. 

    Um caso em que se motiva dizer que o acordo não é absoluto (alguma vez o terá sido?), caminhando apenas na convenção do possível, segundo critérios que, por vezes, têm muito pouco de domínio gráfico e muito mais de fonético.

domingo, 23 de janeiro de 2011

É de fugir! Antes que chegue o choque.

     Estes são os verdadeiros sentimentos de quem se sente ameaçado.

     Quando actualmente se ouve um dirigente político a falar, tem que se escutar tudo muito bem (pelo que se diz, pelo que fica por dizer e pelo que, definitivamente, não foi dito). Agradados ou não, há depois que tomar posição (simpatizante ou não) pelas reais ou possíveis consequências dos discursos e dos actos.
     Ora, ter hoje, em contexto de eleições presidenciais e perante uma crise generalizada no país, um dirigente político a dizer que pretende "ir de encontro às necessidades dos portugueses" (e elas começam a ser tantas!) é caso para gritar "Fujamos, porque não há esperança. O choque vem mesmo aí, seja com quem for!" (como se não o soubéssemos já).
     Há uma tendência para indiferenciar as expressões "ir de encontro a" e "ir ao encontro de"; todavia, a troca de lugar nas preposições aponta decididamente para vectores de orientação significativa distinta: no primeiro caso, há choque (porque se trata de "ir contra qualquer coisa ou alguém"); no segundo, há aproximação (no sentido da companhia, da afinidade, da conjugação de esforços).
    Assim, não se trata de ver na primeira expressão uma questão de elegância, de simples registo, como forma selectiva do "falar bem". Em qualquer situação, nomeadamente nas formais, chega a desdizer-se o que realmente se quer.
    Em suma, como português, gostaria que viessem AO ENCONTRO Das minhas necessidades; não DE ENCONTRO A elas - pelo menos, quando quero descansar, buscando o mar ou as árvores. Neste último caso prefiro ir ao encontro destas; não de encontro a elas, porque certamente sou eu que me aleijo.

    Caso para dizer, como na velhinha cantiga, "p'ra melhor está bem, está bem! P'ra pior já basta assim".

sábado, 22 de janeiro de 2011

Simplesmente excelente!

     Hoje recebi uma prenda: novo vídeo da "minha música".

     Não sou certamente o único na apreciação desta canção e desta interpretação. É "minha" porque a tenho sempre comigo e porque a ouço sempre que alguém me procura. É como se nos tornássemos... ONE:


    
     Quando, há tempos, me referi a um toque inspirador foi a propósito, entre outras coisas, da música e da letra desta canção, que recebeu duas vozes de ouro. Ficou divinal esta combinação de U2 com Mary J. Blige.
     É um gosto ouvi-la de novo, e vê-la numa nova versão de vídeo, mesmo que o original seja sempre de considerar.

           ONE

Is it getting better?

Or do you feel the same?
Will it make it easier on you now?
You got someone to blame.

You say one love, one life
It's one need in the night
One love, we get to share it
Leaves you, darling, if you don't care for it.

Did I disappoint you?
Or leave a bad taste in your mouth?
You act like you never had love
And you want me to go without.

Well, it's too late, tonight,
To drag the past out into the light
We're one, but we're not the same
We get to carry each other, carry each other
One

Have you come here for forgiveness?
Have you come to raise the dead?
Have you come here to play Jesus
to the lepers in your head?


Well, did I ask too much, more than a lot?
You gave me nothing, now it's all I got
We're one, but we're not the same.
Well, we hurt each other, then we do it again.


You say:
Love is a temple, love is a higher law
Love is a temple, love is the higher law
You've asked me to enter, but then you make me crawl
And I can't keep holding on to what you got
When all you got is hurt.


One love, one blood
One life you got to do what you should.
One life with each other: sisters and my brothers.
One life, but we're not the same.
We get to carry each other, carry each other.
One! One! One! One! One!



     De 2005 (só para me ficar por esta interpretação, em dueto) até hoje... e para sempre. ONE!

     Grato, pela partilha (inclusive pelos comentários), à Tokas, num sinal da(s) proximidade(s) que vamos tendo.
         

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Paraíso(s): momentos, espaços, pessoas

    Há momentos, há espaços, há pessoas que nos (re)lembram que existem paraísos.

    Não são definitivos, mas há que os aproveitar quando surgem. Só é pena não nos sentirmos libertos para os vivermos ao máximo. É como se não coubéssemos neles; não pudéssemos vivê-los senão em sonhos ou breves sonos; não os merecêssemos plenamente.


    Um instante, um olhar...
    ... e a foto captou uma ilha rodeada de chão feito de alcatrão areado.
    Na cidade que me anima, há mar, areia, sabor a viagem em companhia desejada.


    Depois,...


... já longe, do instante e do lugar, ...
... ontem houve quem me oferecesse a música, num intervalo que prolongou o que o  largo tempo não dava.

Ilha em chão
(Janeiro, 2011)
VO

      No pensamento inventou-se, então, o som da imagem ou a visão timbrada pela melodia.
      Pode não ser a minha preferida, mas na companhia de Adam, Larry, Edge e Bono há sempre o ritmo, a voz que fazem esquecer algumas agruras.


BEAUTIFUL DAY


The heart is a bloom

Shoots up through the stony ground
There's no room
No space to rent in this town

You're out of luck
And the reason that you had to care 
The traffic is stuck 
And you're not moving anywhere

You thought you'd found a friend
To take you out of this place 
Someone you could lend a hand 
In return for grace

It's a beautiful day
Sky falls, you feel like 
It's a beautiful day 
Don't let it get away

You're on the road
But you've got no destination 
You're in the mud 
In the maze of her imagination

You love this town
Even if that doesn't ring true 
You've been all over 
And it's been all over you

It's a beautiful day
Don't let it get away
It's a beautiful day

Touch me
Take me to that other place
Teach me
I know I'm not a hopeless case

See the world in green and blue
See China right in front of you
See the canyons broken by cloud
See the tuna fleets clearing the sea out
See the Bedouin fires at night
See the oil fields at first light
And see the bird with a leaf in her mouth
After the flood all the colors came out

What you don't have you don't need it now
What you don't know you can feel it somehow
What you don't have you don't need it now

Don't need it now
Was a beautiful day


        E, assim, surgiu o filme no qual gostava de ter vivido em longa metragem (with U2).

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Há 457 anos "Desejado"; hoje "Encoberto"

       De tão "Desejado" que foi transformou-se num mito alimentado por crenças messiânicas.

    Assumida como data do dia do seu nascimento (ainda que o dia 19 seja também apontado em alguns documentos), 20 de Janeiro de 1557 foi a concretização de um "Desejo", depositado por toda uma nação no herdeiro do infante D. João (filho de D. João III, rei português) e da princesa D. Juana (filha de Carlos V, rei de Espanha).
     Entre o regozijo e as graças pelo nascimento do futuro rei, não se apagava o perigo que viria a colocar o ceptro de oiro nas mãos de uma criança (assim que cumpriu catorze anos). A morte, sem descendência, na perseguição de um sonho em Alcácer-Quibir, deixava então Portugal na condição de uma mais que previsível união ibérica (apenas adiada pelo breve reinado do Cardeal D. Henrique).
     O princípio de monarquia dualista assumido por Filipe II de Espanha (I de Portugal), num compromisso de respeitar a autonomia de Portugal, não eliminou a crença no regresso de D. Sebastião, plasmada por D. João de Castro na Paraphrase et concordancia de alguas propheçias de Bandarra, çapateiro de Trancoso (1603). O mistério da morte do rei português, a incerteza do seu paradeiro e do seu destino, o desencontro entre rumores de sobrevivência, junto com o fundo messiânico judaico já existente em Portugal, geraram o mito do Sebastianismo, visível inclusive pelo aparecimento de quatro falsos D. Sebastião.
     Entretanto, a divulgação da lenda do rei encoberto (proveniente possivelmente do reinado de Carlos V) cruza-se com o mito sebastianista, particularmente com o período da restauração da independência e a entronização de D. João IV (o Restaurador). O novo rei independentista concilia os dois conceitos (sebastianismo e encoberto), mas será o último a vingar enquanto fenómeno literário e cultural. O mito do rei que "há-de voltar numa manhã de nevoeiro" ainda hoje é um lugar comum. Ninguém o diz pensando num regresso efectivo, que o tempo há muito impossibilita. Contudo, serve para aludir a um intraduzível estado de espírito apoiado na crença de que, numa situação crítica, acontecerá aquilo que profundamente se deseja (sem o nosso esforço e sem a implicação da nossa responsabilidade).
     Fernando Pessoa, com a sua Mensagem, muito contribuiu para a reconstrução cultural do mito. De um D. Sebastião - Rei de Portugal - encarado como uma das muitas peças do 'Brasão' (dessa componente basilar da História de Portugal) à sua condição de crescente espiritualidade no poema "A Última Nau" de 'Mar Português' ("A que ilha indescoberta / Aportou?"), chega-se à parte do 'Encoberto' com múltiplos sinais de como D. Sebastião assume a sua falha. O corpo ficou no areal; contudo, é desejado e anunciado o regresso, num plano divinizado, espiritual, cultural (enquanto mito e sinal de esperança). Assim permanecerá até à última composição poética da obra ("Nevoeiro"), que sugere o "encobrimento" a desvelar. "
      É a hora!"
  
D. Sebastião, segundo representação de Lima de Freitas

      Desejo, sonho, vontade, acção, derrota, ilusão, encoberto... É tanto o nevoeiro destes tempos... (será que estou a ficar sebastianista?!).

Lição poética

        José Fontinhas, no Fundão, em 1923, nascia para o mundo.

      Eugénio de Andrade seria o sucedâneo literário, um pseudónimo no curso da eugenia poética, do labor depurado da palavra.

Excerto do Programa 'Introdução aos  Estudos Literários',
da Universidade Aberta, transmitido na RTP2.

        Na lição poética e na obra de autoridade que deixou - "Só as tuas mãos trazem os frutos" -, pressente-se o momento do encontro, a oportunidade feliz que não deixa de merecer a espera... o(s) instante(s) que compõe(m) a maturidade. 

          Sê paciente; espera
          que a palavra amadureça
          e se desprenda como um fruto
          ao passar o vento que a mereça.



          Fica o convite, o conselho, o aviso do poeta à Humanidade.

          A fugacidade, a passagem, o fluxo de vida favorecido com o prémio nascido da flor.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Modo sem '-mente'; '-mente' sem modo

    Questões, dúvidas, saber(es) que o tempo não deixou resolver...

    Q: Antes da TLEBS, dizia que 'felizmente' era um advérbio de modo. Porque é que agora tem de ser um advérbio de predicado? Ou é de frase?

    R: A dúvida que coloca é bastante complexa, por vários pontos que estão e/ou parecem estar implicados na formulação. Neste sentido, procurarei abordá-los de modo faseado (ou faseadamente).
    Para começar, tenho a indicar que não é a TLEBS que pode estar na base do referencial terminológico para a prática lectiva, mas, sim, um sucedâneo decorrente da revisão científica produzida pelos Professores João Costa e Vítor Aguiar e Silva (doravante designado Dicionário Terminológico ou DT).
   De seguida, temo que possa estar associada à questão uma generalização que interessa desfazer: nem todos os advérbios terminados em '-mente' são de modo (o caso de 'recentemente', 'frequentemente' que são advérbios de natureza temporal-aspectual; 'somente', 'unicamente', para advérbios de focalização / restrição; 'possivelmente', 'provavelmente', para advérbios modais; 'primeiramente', 'seguidamente', 'finalmente', para advérbios que exprimem a ordenação / sequencialização e funcionam como conectores); são-no aqueles que admitem a paráfrase que construí no primeiro parágrafo ('de modo faseado' > faseadamente).
    No caso de 'felizmente', é verdade que pode ser aplicada a paráfrase 'de modo feliz > felizmente'; contudo, tal é possível num número algo reduzido de frases - do tipo "Na entrevista, ele correspondeu felizmente aos desafios colocados" (o que admite a classificação de advérbio de modo). Em termos de critério sintáctico, este é um caso de advérbio de predicado que assume a função de modificador.
     Com muito mais frequência se utiliza 'felizmente' como advérbio de frase (revelador do posicionamento do falante face ao enunciado que produz). A propósito do título do texto dramático de Luís de Sttau Monteiro, Felizmente há luar!, costumo mostrar aos alunos que a paráfrase já não funciona e que a classificação de advérbio de modo se revela algo inadequada; por esta razão, estou perante um advérbio que se orienta para o falante e para a atitude, a apreciação (a modalidade) reveladas no enunciado. Na frase anteriormente exemplificada, a simples colocação de vírgulas aponta já para uma categorização distinta do advérbio. Com "Na entrevista, ele correspondeu, felizmente, aos desafios colocados", a representação entonacional da frase aponta bem mais para uma questão de modalidade (de posicionamento do falante) do que para o modo como 'ele' (sujeito do enunciado) correspondeu aos desafios; assim, a leitura orienta-se para o que é um advérbio de frase, neste caso encaixado no meio da frase, mas que admitiria posição inicial ou final - o que já não sucederia com a leitura do advérbio de predicado.
      O mesmo sucede, por exemplo, com 'naturalmente': entre "Ele sobreviveu naturalmente" (isto é, de modo natural; em contraste com o modo que implica qualquer intervenção não natural) e "Naturalmente, ele sobreviveu / Ele sobreviveu, naturalmente" (isto é, dentro do que é expectável pelo falante), há diferenças que se prendem com vários critérios distintivos (nomeadamente,  a posição do advérbio no predicado / na frase, a pontuação) e que fazem com que o primeiro enunciado contemple um advérbio de modo. O mesmo não sucede com o segundo.
Um dos contributos para o estudo do advérbio em Português


    ... mas que já foi(foram) objecto de referência neste espaço virtual (que não sei se tem alguma coisa a ver com virtude!).

sábado, 15 de janeiro de 2011

Actos, objectivos e força... a propósito de fala

     A língua tem destas coisas: nem tudo o que parece é; e o que é depende de muito do que ela sozinha não tem.

     Q: Olá, Vítor. Estou com uma dúvida em relação a alguns exercícios de pragmática. Em relação aos actos de fala (tipologia dos actos ilocutórios), se tivermos uma frase do tipo "Fecha a janela, por favor", o objectivo ilocutório é levar o outro a realizar uma acção e a força ilocutória é a de um pedido. E se a frase for "É a revolução do 25 de Abril" ou "Declaro aberta a sessão"? 

    R: A propósito do exemplo "Fecha a janela, por favor", pode tratar-se de um enunciado cujo objectivo se prende com o facto de levar o alocutário (destinatário do locutor) a realizar um acto verbal ou não verbal (neste caso, não verbal dominantemente). Trata-se, por isso, de um acto ilocutório directivo. Como este tipo de actos se marca por diferentes graus em termos da relação locutor-alocutário, da autoridade exercida e ou da função comunicativa (caso se trate de uma ordem, de um pedido, de uma sugestão, de um conselho,...), a força ilocutória acaba por variar e se evidenciar conforme a conjugação de todos os dados de análise disponíveis. No caso, e em abstracto, a fórmula de cortesia 'por favor' tende a anular o grau máximo de exercício de influência sobre o alocutário, da força ilocutória pretendida. Tal faz com que pareça tratar-se de um pedido (e não de uma ordem). Todavia, há aqui muitos outros factores contextuais a considerar. Por exemplo, o tom de voz, a caracterização do próprio locutor e o tipo de poder que exerce: alguém muito irritado ou num registo próximo da ironia pode formular o enunciado em causa como se de uma ordem se tratasse.
     Já com "Declaro aberta a sessão", o acto que está em causa é o que se designa por "acto ilocutório declarativo" (ou simplesmente 'Declarações', para Searle); ou seja, o locutor é assumido como alguém que tem o poder institucional para legitimar a transformação de uma situação (antes a sessão não estava aberta; a partir do momento em que o locutor profere o enunciado, a sessão passa a estar aberta). É o que acontece no caso, por exemplo, de o locutor ser juiz, presidente de uma assembleia, professor - todos têm poder institucional para mudar um determinado estado de coisas. É ainda o que se sucede com um padre quando, num casamento, diz "Declaro-vos marido e mulher". A força ilocutória prende-se com o estatuto legal e legitimado do locutor e o objectivo relaciona-se com a correspondência que se intenta ver imediatamente estabelecida entre o que é dito e a situação criada por aquilo que é dito, dado o poder de quem o diz. De novo, há aqui todo um conjunto de condicionantes contextuais a considerar para a classificação  dos actos de fala (o que muito se prende com a abordagem que a pragmática introduz ao nível da análise de enunciados / discursos).
       Neste pressuposto, "É a revolução do 25 de Abril" parece-me um enunciado que, para ser caracterizado em termos de acto de fala, precisa de ser contextualizado: quem o diz, como o diz, quando o diz, a quem o diz. Sem isso, é algo difícil de concluir. Pode tratar-se de um acto de fala assertivo, pensando num comunicador que vai falar sobre o tema "revolução" e aborda aquela que, em Portugal, permite a passagem do estado de ditadura marcelista para o período democrático pós-marcelista; pode aproximar-se de um acto de fala expressivo, caso evidencie algum tipo de reacção, posição do locutor (favorável / desfavorável) face ao assunto abordado; pode, inclusivamente, tratar-se de um acto de fala directivo (neste caso indirecto), caso se considere que o enunciado é produzido por alguém que, vivendo no próprio dia 25 de Abril de 1974, pretende incitar outros elementos a participar  na revolução anunciada.
      Em síntese, não pode haver classificação de actos de fala (e respectivos objectivo e força ilocutórios) sem a consideração das condicionantes contextuais e das relações que o utilizador mantém com a língua que usa, dos comportamentos visados, da relação com os outros interlocutores ou das funções linguísticas pretendidas ao comunicar com alguém.
      Não sei se consegui ser claro na abordagem da dúvida, dada a complexidade desta. Também é certo que ela se integra numa das áreas mais ricas do estudo da língua, pelas relações, pelas construções e pelos comportamentos associados às realizações linguísticas, ao dito (explícito) e ao não dito (implícito), ao contexto e ao modo de dizer.
     Neste sentido, recomendo a leitura da Gramática da Língua Portuguesa, coordenada pela Professora Maria Helena Mira Mateus, para um aprofundamento mais fundamentado sobre o assunto dos "Actos de Fala".
  
    Já houve também oportunidade de aqui falar em actos e suas relações com os textos. Em suma, é o que acontece quando se passa das palavras aos actos (Isto faz-me lembrar qualquer coisa...!).


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Barroco: entre a pérola e o irregular

        O tempo esteve a jeito, num dia que de tudo teve...

        É prática comum esta visita ao Porto Barroco, que faz com que muitos alunos de 11º ano contactem com uma cidade frequentemente conhecida apenas pelo que tem de centro, de comercial e de centro(s) comercial(is).
        No percurso calcorreado entre a zona do Carmo e a de S. Francisco, muito houve para ouvir e registar a propósito:
Interior da Igreja dos Clérigos: um dos pontos altos da visita
(Janeiro, 2011)   VO
  • da Igreja das Carmelitas e da Igreja do Carmo;
  • da Torre e da Igreja dos Clérigos;
  • da Igreja e da Santa Casa da Misericórdia;
  • da Igreja de S. Francisco e das Catacumbas.
  • do Freixo e do seu Palácio.
      Nicolau Nasoni foi nome de destaque: entre o supostamente feito (desenho da fachada da Igreja das Carmelitas) e o assumidamente construído (Igreja e Torre dos Clérigos, onde se encontra sepultado algures por baixo de um dos dois púlpitos; fachada da Igreja da Misericórdia; Palácio do Freixo).
    Em alternativa às "viagens" de anos anteriores (que contemplavam o percurso da Igreja de S. Francisco, a Igreja da Misericórdia e a de S. Lourenço ou dos Grilos, a Sé e a Igreja de Santa Clara), desta feita cumpriu-se orientação contrária na cidade.
      Nela se observaram as memórias de pedra para um período artístico que evoluiu do barroco nacional para o do período joanino (coetâneo ao reinado de D. João V) e o designado movimento rococó (já com influências do barroco francês e alemão).
      Entre a manhã cumprida a rigor (com cerca de setenta alunos) e a tarde interrompida por força maior (com mais cem), viveu-se a satisfação e a tensão, dissimetria tão ao gosto do contexto epocal evocado.

      Com coisas para lembrar e outras para esquecer, também o dia se definiu pelos contrastes, pelos extremos, numa exibição espectacular de sensações, de exploração de sentidos; de vivência de "conflitos", de "oposições"; em torno da reflexão sobre o tempo e a mudança (numa prova de que o tempo passa e há coisas que têm necessariamente de mudar, como evidência do próprio acto de crescer).

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Anunciada nova produção dos R3

      Dizem que a vida é um jogo...

    Acrescentaria que de sorte ou azar, sem que muitas vezes tenhamos a hipótese de escolher. Por mais esforço que se faça, nem sempre se obtém o que se deseja; outras vezes, bate-nos à porta o que nem pensámos ver ou ter.

     
     Perguntas, conselhos, suspiros, ansiedade... peças de jogo para uma cartada feita de apostas que marcam acidentalmente a vida. Serão estes os ingredientes para a queda de um castelo de cartas? Ou para um jogo, uma ficção inspirados na realidade?
      Misterioso... há segredos em jogo, decisões comprometedoras... suspeito que vem aí sucesso.
     
    Entre vencedores e perdedores, o jogo e a vida valem o que deles fizermos.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

De volta ao (século) passado

      Faz alguns anos; melhor, algumas décadas. Enfim, já se pode dizer que é do século passado.

     Havia alguma coisa de sedutor no "Vitinho", quanto mais não fosse porque o anunciar da "hora da caminha" acabava por dar lugar ao gosto de ir além do permitido. O fruto proibido foi sempre o mais apetecido: "só mais um bocadinho!" (o filme que vinha de seguida era sempre melhor!). Se não vinha a permissão, não havia mal, porque o amiguinho televisivo já tinha ido dormir também.
     Mudaram o tempo, as vozes, a letra, a melodia...

Montagem com as músicas do Vitinho (RTP), entre 1986-1997

    Hoje o "Vitinho" ("Bitinho" à moda do "Nuorte") soa a afecto, a proximidade na boca de alguns alunos - diminutivo autorizado para aqueles que ainda sabem que, além do "Trabalho, trabalho e mais trabalho", há tempo para rir, brincar e sorrir, quando se está a aprender; quando se disfarça a dificuldade, o esforço solicitados na conquista do saber e do saber-fazer. 
    Para outros, à moda do Sermão de Santo António, parece não haver senão "fel", qual Santo Peixe de Tobias (que não deixou de ser louvado, por curar a "cegueira" daqueles que não viam ou não vêem... ou não querem ver).

    Com o agradecimento à VS, por me ter feito relembrar alguma coisa feliz de um passado que (ainda) resiste. Às vezes, é bom dar espaço às lembranças.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Eco para um Umberto nascido

       Há 79 anos nasceu um dos intelectuais e ensaístas contemporâneos mais reconhecidos, em termos internacionais, nos domínios da Estética, Linguística, Literatura, Semiótica e Filosofia: o italiano Umberto Eco.
  
     Não de menor importância é o seu contributo para a literatura mundial, nomeadamente na produção romanesca que já deu títulos como O Nome da Rosa (1980), O Pêndulo de Foucault (1988), Baudolino (2000) ou o mais recente A Misteriosa Chama da Rainha Loana (2005).
     Lembro-me de me ter cruzado com o primeiro romance por alturas da exibição do filme, realizado por Jean-Jacques Annaud em 1986. Foi certamente um dos exemplos apreciados, tanto na versão escrita como na cinematográfica. A par da intriga detectivesca não deixava de se recriar toda uma ambiência medieval, pautada não só pela cor epocal das "trevas" mas também pelo sentido de sacralização e de controlo de um saber vastíssimo. 
     No seio de tudo, um livro: o desaparecido volume sobre a Comédia, de Aristóteles, que comple(men)taria a Poética e a Retórica.

      Trailer do filme, na base da exibição cinematográfica no Brasil

       A propósito do poder do riso, relembro um excerto de um diálogo entre as personagens Jorge e Guilherme:

      - Mas agora explica-me - estava dizendo Guilherme - porquê? Por que quiseste proteger este livro mais que tantos outros? (…) Há tantos outros livros que falam da comédia, tantos outros ainda que contêm o elogio do riso. Por que é que este te incutia tanto pavor?
     - Porque era do Filósofo. Cada um dos livros daquele homem destruiu uma parte da sapiência que a cristandade tinha acumulado ao longo dos séculos. (…) Cada palavra do Filósofo, sobre quem hoje em dia juram mesmo os santos e os pontífices, subverteu a imagem do mundo. Mas ele não tinha conseguido subverter a imagem de Deus. Se este livro se tornasse… se tivesse tornado matéria de aberta interpretação, teríamos franqueado o último limite.
     - Mas que coisa te assustou neste discurso sobre o riso? Não eliminas o riso eliminando este livro.
     - Não, decerto. O riso é a fraqueza, a corrupção, a sensaboria da nossa carne. É o folguedo para o camponês, a licença para o avinhado, mesmo a Igreja na sua sabedoria concedeu o momento da festa, do Carnaval, da feira, desta poluição diurna que descarrega os humores e entrava outros desejos e outras ambições… (…) Mas aqui, aqui - agora Jorge batia com o dedo na mesa, perto do livro que Guilherme tinha à sua frente - aqui inverte-se a função do riso, eleva-se a uma arte, abrem-se-lhe as portas do mundo dos doutos, faz-se dele objecto de filosofia e de pérfida teologia… "
in O Nome da Rosa, trad. de Maria Celeste Pinto, Círculo de Leitores, pp 345-346

     Entre o registo do erudito medievalista e o labor do escritor que revisita épocas históricas feitas de enigmas e contrastes (como os retratados nas ordens religiosas monásticas e nos movimentos heréticos), O Nome da Rosa é um romance reconhecido como uma das obras "clássicas", ou melhor, canónicas da literatura mundial.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Um novo 'se'

    Já tinha prenunciado o tempo dos 'se'.

Q: Na frase 'Diz-se muita coisa', como classificas o 'se'? É um 'se' passivo?

R: Pode ser, para além de uma segunda hipótese, tudo dependendo da paráfrase que se possa associar à frase proposta:
    i) É dita muita coisa / Muita coisa é dita.
    ii) Alguém diz muita coisa / Há quem diga muita coisa.
    Conforme a opção se situar na interpretação i) ou ii), a classificação do pronome em causa tende, respectivamente, para um 'se passivo' ou para um 'se' impessoal. A escolha da interpretação está dependente de factores que ultrapassam o âmbito da frase.
    Serão razões discursivas, temáticas e pragmaticamente motivadas que poderão estar na base de qualquer processo de desambiguização (seja ao nível da produção seja ao nível da recepção do enunciado).    

    Não sei bem se o assunto ficará por aqui. Pode haver outros 'se' por aí...

Cada um sabe as linhas com que se cose

         Assim o diz o povo.

        Contudo, entre o 'coser' com fio e o 'cozer' com fogo, ainda há quem se queira 'queimar'.

Tira publicada na edição de hoje do Jornal de Notícias

     Um exemplo clássico de como a homofonia pode motivar o erro. Por clássico que seja, parece que ainda não há resolução... e pior ainda quando propagado por meios de comunicação social que, mesmo em banda desenhada, deviam pautar-se pelo bom exemplo. Não é aqui o caso.
    Já no latim se assumia a diferença entre 'consuĕre' (no latim clássico, entretanto vulgarizado para 'cosēre') e 'coquĕre' (vulgarizado como 'cocēre'), conforme a linha ou o lume, respectivamente. Reside, portanto, já no latim a distinção ortográfica entre a linha do 's' e o lume do 'c'.

     A botão linha se dá - razão pela qual se cose.