segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Travessuras... travessuras...!

     A escolha é óbvia: as doçuras fazem mal.

   Regressa o tempo do Halloween, num imaginário que alguns dizem anglo-americano, mas que, afinal, não deixa de ser uma herança muito europeia (céltica) - para não dizer que o primeiro se inspirou na segunda.
    Entre abóboras dentadas, bruxas, caretas de palhaço assassino, feridas e sangue falso, máscaras do "Scream", mortos-vivos, partes de corpo decepadas, teias de aranha, vampiros e zombies, ecoa o "trick or treat" em noite que, nos tempos correntes, convém que seja mais para travessuras do que para doçuras - a bem dos diabetes e outras doenças "açucaradas", nada favoráveis ao combate da obesidade.
    Desde a celebração celta do Samhain (o "fim do verão"), a noite de 31 de outubro tem vindo a ser encarada numa maior proximidade entre mortos e vivos, dizendo-se mesmo que os espíritos regressam às casas que foram suas para pedir comida. Daí a prática de alguns familiares deixarem as sobras do jantar à porta de casa. Com a instituição, pelo século VIII e pela Igreja Católica, do 'Dia de Todos os Santos' à data de 1 de novembro, paganismo e catolicismo fundiram-se numa só festividade de natureza mais para o profano (e comercial) do que religioso.
    Em meados do século XIX, tal celebração rumou da Irlanda para a América do Norte, num movimento emigratório associado ao período da Grande Fome (pelas décadas de 40 e 50), que havia dizimado muita da população europeia de então.

   Uma história de viagem que, afinal, é mais de cá para lá do que ao contrário. Logo, quando disserem  que isto é tudo uma americanice, é melhor ver a questão na perspetiva inversa, ao estilo do bom filho a casa torna.

domingo, 30 de outubro de 2016

Com ou sem hífen?

      De novo, a questão do Acordo Ortográfico (AO).

      Dúvidas que só o uso pode vir a resolver, com alguma leitura e/ou consulta do Acordo (que, por certo, não é o melhor exemplo de literatura).

      Q: 'Personagem-tipo' perde o hífen com o AO?
Personagens-tipo queirosianas
    R: Não. Voltando à base XV do AO - intitulada "Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares" -, é assumido que se emprega o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio,
    Trata-se, assim, de um composto na mesma linha de 'ano-luz' e 'turma-piloto', também grafados com hífen (justapostos e com contraste de número no primeiro termo).

       Porque 'personagem-tipo' é um tipo de personagem, tal como 'ano-luz' é um tipo de medida / distância e 'turma-piloto' é um tipo de turma. e se mantêm os acentos próprios dos termos (daí a justaposição). 

sábado, 29 de outubro de 2016

Novidades... com alguma velhice!

     Fala-se de "novidade", mas só com aspas de distanciamento e não apenas de citação.

     Fica, então, a questão que propõe o novo mais do que relativo.

     Q: Vítor, numa ação de formação ouvir falar de umas subordinadas que, admito, desconheço por completo: "subordinadas proporcionais"! Procurei no Dicionário Terminológico e não vi tal coisa. Só vi as subordinadas habituais e, nestas, as comparativas. Onde é que foram inventar esta, pergunto eu? Já ouviste falar disto?

  R: Meu caro, já ouvi falar e não são invenção. Mesmo não estando no Dicionário Terminológico (que não é, certamente, documento exclusivo do ou para o ensino da gramática), posso referenciar algumas gramáticas que tratam da questão, que consideras nova (ainda que não o seja).
    Desde logo, a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 585), de Celso Cunha e Lindley Cintra, já faz referência a este tipo de subordinadas, ao abordar o que designa-va "conjunções proporcionais". Na Gramática da Língua Portuguesa, coordenada por Mira Mateus (Caminho, 2003, págs. 765-766), tais subordinadas são configuradas através de conectores correlativos como "(Quanto) mais / menos... (tanto) mais/menos..." ou articuladores do tipo "À medida que..." / "Enquanto...", na expressão da proporcionalidade. É o que se pode exemplificar com os sublinhados das subordinadas seguintes:

       i) Quanto menos fazes menos queres fazer.
       ii) (Quanto) Mais te esforças melhor resultado tens.
       iii) Enquanto eles estudam, mais / melhor compreendem a matéria. 
       iv) À medida que o estudo avança, melhor é a compreensão da matéria.

      São construções de graduação que estão em causa (veja-se o sublinhado no segundo termo das frases dadas, ou na subordinante), antecedidas por uma expressão de proporção. 
      Ainda que se trate de uma classificação mais conforme à Nomenclatura Gramatical Brasileira, há gramáticas portuguesas que referem especificamente o caso das comparativas correlativas [encarando-as, portanto, como um subtipo de comparativas, que admite até a inversão dos termos com articulador isolado - cf. iii e iv)]. Testes de clivagem e de inversão oracional com o articulador marcam, contudo, um diferencial significativo face às comparativas, em termos sintáticos, numa aproximação bem mais consistente com a natureza das subordinadas adverbiais.
    Já agora, deixa-me também mencionar as subordinadas conformativas (NGPC, pág. 585 / GLP, págs. 362-365), presente, por exemplo, na última vinheta da tira seguinte:


     "Segundo disse o médico,..." é a subordinada conformativa usada. Também não é propriamente nova e traduz a conformidade face ao explicitado na subordinante. É expressa por articuladores como 'conforme', 'segundo' e 'consoante', ou mesmo um 'como' parafraseável pelas formas indicadas entre parêntesis:

        v) Não concordo contigo; pensa como quiseres (conforme / da maneira que / do modo que quiseres)
       vi) Como se previa (Conforme / Da maneira que / Do modo que / Segundo se previa), a experiência falhou.

      Estes outros dois tipos de subordinadas admitem alguma inversão dos termos (cf. iii, iv e vi), particularmente nos casos com articulador / conector isolado (ou seja, não correlativo), bem distintos dos casos de comparativas com graduação de igualdade, superioridade ou inferioridade.

      Uma outra gramática que aborda estas subordinadas é a Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (vol. II, 2013, págs.2164-8 e 2159, respetivamente). Sem invenções, com exemplificação e testes distintivos relativamente às subordinadas comparativas, com que geral e criticamente são identificadas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Provérbios...!

      São tão cultural e experiencialmente relativos quanto, às vezes, se desdizerem no que significam.

     Que o diga o "Quem espera...", a dar tanto para o "... sempre alcança" (na visão positiva) como para o "... desespera" (na versão negativa).
      Hoje apetece-me desconstruir o que a tradição impôs. Houve já quem dissesse / escrevesse que "Deus escreve torto em / por linhas direitas" (que heresia, santo Deus!) ou que "As mulheres não se medem aos palmos" (a bem de que não seja sempre o homem a representar a humanidade). Eu, por exemplo, já escrevi que "Mais vale mal acompanhado" (por razões óbvias)!
     Um pouco à semelhança de Chico Buarque, talvez o "Bom Conselho" esteja em ir contra a corrente que a nada conduz:

Chico Buarque, "Bom Conselho (1972)

BOM CONSELHO

Ouça um bom conselho 
Que eu lhe dou de graça 
Inútil dormir, que a dor não passa 
Espere sentado 
Ou você se cansa 
Está provado, quem espera nunca alcança 

Venha, meu amigo 
Deixe esse regaço 
Brinque com meu fogo, Venha se queimar 
Faça como eu digo 
Faça como eu faço 
Aja duas vezes antes de pensar 

Corro atrás do tempo 
Vim de não sei onde 
Devagar é que não se vai longe 
Eu semeio o vento 
Na minha cidade 
Vou pra rua e bebo a tempestade

      Inconformismo, cansaço, desilusão, alguma noção de perda de tempo (que não traz felicidade a ninguém) e alguma desistência, para ainda poder agir em função daquilo em que se acredita - e não do que a "ditadura da democracia" quer. Eis alguns motivos para que o silêncio se instale (ainda que este último às vezes signifique mais do que muitos discursos ou palavras, tornados ocos). Por isso é que (perdoe-me o graffiter!) tenho de reformular o provérbio:

Graffiti nas ruas de Alfama (Lisboa)

       Quem cala não deixa de querer mudar (e, por isso, nem sempre consente). E, assim, se vai construindo uma revolução silenciosa, nem que seja a de recriar a própria língua (afastando-a da sua zona de conforto ou de rotineira comunicação).

   Tenho dito, escrito e, quiçá, passado das palavras aos atos (silenciosos, antes que sejam silenciados)!

domingo, 23 de outubro de 2016

De novo o "Inferno"

       Já sobre ele escrevi várias vezes - antes, do livro; hoje, do filme.

     A leitura de "Inferno" de Dan Brown foi hoje complementada pelo visionamento da adaptação fílmica do livro à tela. Protagonizado por Tom Hanks, o enredo fílmico traduz algum do caos ameaçador que contribui para uma visão dantesca do mundo:

Trailer do filme para a obra homónima de Dan Brown

       Não é negada - se é que alguma vez o será - a constatação clássica de que o ritmo da sétima arte - com percursos bem mais curtos, para não mencionar os eliminados - em nada condiz com o do tempo de leitura. Assim se marca a produção de Ron Howard, em mais um episódio - digamos assim - da série de aventuras do simbologista Robert Langdon. Depois de O Código Da Vinci (2006) e Anjos e Demónios (2009), chega a versão cinematográfica de Inferno (2016), numa rede de relações muito próxima à referência cultural que Dante representou nessa descida literária aos infernos de A Divina Comédia - obra trecentista constituída por três partes ('Inferno', 'Purgatório' e 'Paraíso').
       Langdon acorda num hospital italiano em estado amnésico. A recuperação da memória faz-se à medida que a parceria com Sienna Brooks (Felicity Jones) dá lugar à constatação de que é preciso correr contra o relógio, de modo a desvendar os segredos que podem transformar-se numa crise global fatal. O mau da fita (sê-lo-á?!), Bertrand Zobrist, sustenta que a superpopulação conduzirá ao fim da humanidade, pelo que a sobrevivência passa por diminuir o número de habitantes planetários. Se, no livro, um vírus provoca uma mutação genética - causando esterilidade a um terço da população mundial, numa estratégia de controlo da natalidade -, na tela o perigo da exterminação da humanidade mantém-se, ao evitar-se que o vírus esterelizador se propague.
      As diferenças da escrita face às do registo cinésico da arte do cinema não se esgotam neste aspeto temático final: a descrição física das três figuras femininas da história não é coincidente; há personagens nas páginas do livro que não têm lugar na tela (caso de Christoph Brüder, um agente ao serviço da Organização Mundial da Saúde com a missão de capturar Robert Langdon e que, no fim, colabora na resolução da trama), bem como o contrário (o agente Christoph Bouchard persegue Langdon e Sienna, aliando-se a estes para obter o vírus que pretende vender no mercado negro); no liveo, o conhecimento recente de Robert Langdon relativamente à Dr.ª Elisabeth Sinksey - chefe da Organização Mundial de Saúde -, no filme, redunda num passado amoroso resolvido em favor dos percursos profissionais e em detrimento da relação sentimental.

     E nas distinções que compõem as duas expressões artísticas (o que, aliás, já se havia verificado com Anjos e Demónios), um dado ressalta: as viagens por Florença (Giardino di Boboli, Corridoro Vasari, Ponte Vecchio, Galeria Uffizi, Catedral Santa Maria del Fiore), Veneza (o Grande Canal, a Praça de S. Marcos, o Palácio do Doge) e Istambul (Hagia Sophia e a Cisterna da Basílica de Istambul) são itinerários que preenchem a visão e a imaginação tanto de quem lê como de quem vê.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Um dia depois... Dylan (um Nobel para o Bob)

    Hoje começo a escrever em inglês (em ‘American English’), da pergunta à resposta: Are these times a-changing?! The answer, my friend, is blowing in the wind / The answer is blowing in the wind!
Bob Dylan num concerto há quatro anos 
(© KI PRICE / REUTERS)
   Comoção geral. Assim parece pela frequência do tema de conversa: Bob Dylan é Nobel da Literatura.
  Para o choque de uns, a satisfação de outros, sem deixar de mencionar os que indiferentemente olham para o assunto como mais um, no meio de tantos outros provavelmente mais críticos ou interessantes (porque mais determinantes na vida de cada um).
    Interessa-me particularmente a reação que vai sendo revelada pelos que no campo literário (ora por serem conceituados escritores ora por estarem relacionados com o ensino da literatura) se vão pronunciando sobre a questão.
   Entre as argumentações produzidas (música, canções não são literatura; os autores de canções não são poetas; chegou a banalização, a relativização ou menorização da literatura face a outras artes; há tempos de mudança na produção literária ou de falta de critérios para o que é literatura), quase todas esbarram em duas evidências: uma, a de que muitos poemas acabaram por ser musicados, tornando-se o suporte textual de belíssimas letras de canção (com autores tão diversos como Camões, Florbela Espanca ou Pessoa, para me ficar por Portugal e apenas por alguns poetas mais canónicos); outra, a de que muitas letras de canção refletem autênticas pérolas poéticas (pelos mecanismos de construção sonora, sintática, semântica, estilística; pela densidade metafórica associada aos motivos / temas [re]criados; pelos efeitos pragmáticos, cultural e simbolicamente reconstruídos nos planos da intervenção, da formação, da sugestão, da criação artística, do gosto, da emoção e da ficção, numa memória tão ou mais afetivamente coletiva quanto as que são reproduzidas de cor [ou, como dizem os ingleses, “by heart”]).
   Pelo cérebro ou pelo coração, chega-se ao estético, por mais variáveis que os tempos, as contingências históricas e os gostos sejam. Neste sentido, muitas letras de canção revelam conteúdos, trabalho de linguagem e processos de (re)construção poéticos, a ecoar outros textos / outras artes / outras realizações linguísticas / outras dimensões culturais. Encarados como poetas ou não, nomes como Carlos Tê, Sérgio Godinho, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Djavan, Dorival Caymmi marcam muita da escrita musicada na língua portuguesa “d’aquém e d’além mar”, numa qualidade reconhecida como literária.
    Uma letra de canção pode constituir-se como um belo poema, se for literalmente rica, (re)ativa na leitura que dela se faça. Escrita para ser acompanhada da música, ela não fica, por norma, no papel. O poema até poderá não sair dele; contudo, na sua leitura original, não anda longe da voz que, mais ou menos silenciosa, é bem distinta da representada na leitura de uma notícia de jornal ou da linha de uma comum prosa, em ritmo diferente do verso. Isto para não falar de alguma prosa que, de tão poética, está por certo mais próxima da entoação do canto.
    Entre a poesia feita canção ou a canção redigida em jeito poético, a história literária confirma essa interação que música e literatura sempre tiveram desde as origens. A tradição oral dos bardos, a homérica ou, ainda, na história da literatura portuguesa, as compilações dos cancioneiros são o exemplo dessa convergência, registando cantigas (de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer) que são poemas produzidos para serem cantados no contexto de animação das cortes medievais.
    Por tudo isto, Bob Dylan ser o Nobel da Literatura deste ano é um dado que não me choca nem polemizo, enquanto cantautor de relevo na tradição cultural da música norte-americana, escritor de prosa poética e autor de uma obra autobiográfica. É mais conhecido como músico; ainda assim, mais influente na sua escrita do que muitos outros nomes agraciados com o mesmo prémio.
     Por mais marginais que possam ser perspetivadas no seio da obra literária, as letras de canção não deixam de ser um género de escrita entre os muitos que a literatura tem. No seu sentido mais elevado (‘stricto sensu’) ou no âmbito da paraliteratura / literatura popular (também “folk”) / infraliteratura, há sentidos estéticos de variação e variedade muito difusos, por certo; mesmo assim, literatura (no seu ‘lato sensu’), próxima que seja dessa proveniência derivante de ‘littera’ (letra) e da arte da escrita.

 Vídeo e letra de "Blowin' in the Wind", de Bob Dylan

     Parafraseando “Blowin' in the wind” (nessa metáfora dos anos sessenta do século XX, tão marcada pelo registo de protesto e intervenção, na procura da justiça social por que se lutava nesses tempos de inconformismo), apetece perguntar ‘How many roads must a man walk down / Before you can call him a ‘nobel’?


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

MCR no seu melhor

     Tempo de ondas musicais.

     E no vaivém sonoro nem sempre há ondas iguais, tal como não se repetem os instantes do tempo e o que neles se vive.
     O mesmo parece acontecer no amor, segundo a letra desta balada dos My Chemical Romance:

Vídeo oficial da música (2007)

I Don't Love You

Well, when you go
Don't ever think I'll make you try to stay
And maybe when you get back
I'll be off to find another way

And after all this time that you still owe
You're still a good-for-nothing I don't know
So take your gloves and get out
Better get out
While you can

When you go
Would you even turn to say
"I don't love you
Like I did
Yesterday"

Sometimes I cry so hard from pleading
So sick and tired of all the needless beating
But baby when they knock you
Down and out
Is where you oughta stay

And after all the blood that you still owe
Another dollar's just another blow
So fix your eyes and get up
Better get up
While you can
Whoa, whoa

Well come on, come on

When you go
Would you have the guts to say
"I don't love you
Like I loved you
Yesterday"

I don't love you
Like I loved you
Yesterday

     Um tema já quase com dez anos, do álbum The Black Parade (2007), com Gerard Way a ser vocalmente muito bem acompanhado pelos guitarristas Ray Toro, Mikey Way e Frank Iero, o teclista James Dewees e o baterista Bob Bryar.

      Uma onda rock alternativa que findou pelo ano 2013, com a desintegração do grupo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Nem tudo o que parece é!

     Um caso para considerar na sua excecionalidade.

     Assim se entende o caso proposto na questão.

   Q: Professor, posso dar conta da produtividade do sufixo '-oso' na língua portuguesa com os exemplos 'feioso' e 'rancoroso'? Obrigada pela ajuda.

     R: É verdade que ambos os exemplos indicados correspondem a palavras derivadas por sufixação e podem ser, nesse capítulo, considerados bons. 
      Contudo, a questão da produtividade é bem mais evidente com 'rancoroso', 'jeitoso', delicioso', 'famoso', 'melodioso', 'harmonioso', por exemplo, do que com 'feioso'. Este último termo é excecional, pela pontualidade e assistematicidade do processo formativo: trata-se de um adjetivo formado a partir de um outro adjetivo (feioso < feio), traduzindo alguma avaliação / intensidade de 'feio' . Ora, não se pode dizer que haja regularidade nesta formação. Estou a lembrar-me de mais dois casos (belicoso < bélico, sonoroso < sonoro) e alguns outros, poucos, existirão. 
       Bem mais sistemáticos são os adjetivos construídos a partir de nomes (denominais), que permitem obter 'amoroso < amor', 'brioso < brio', 'carinhoso < carinho', 'chuvoso < chuva', 'deleitoso < deleite', 'guloso < gula', 'harmonioso < harmonia', 'invernoso < inverno', 'numeroso < número', 'oleoso < óleo', 'perigoso < perigo', 'preguiçoso < preguiça', 'respeitoso < respeito', 'saboroso < sabor', 'talentoso < talento', 'venenoso < veneno', 'vicioso < vício', 'zeloso < zelo', entre muitos outros.
      Assim se conclui que a formação de adjetivos com o sufixo '-oso', derivados de nomes, é um processo mais típico, regular, sistemático e produtivo.

      Faria apenas lembrar, por fim, que a paráfrase 'que tem NOME' dos últimos exemplos é  distinta da associada a '-oso' de 'feioso' (* que tem feio), sendo neste último caso preferível dizer-se 'que é muito / pouco ADJETIVO' - casos distintos de realização do sufixo, portanto, com enquadramentos semânticos diversos, para lá da natureza produtiva (ou não) de cada um.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Sinceridade acima de tudo!

     Viva a República!


    É verdade que sou mais adepto do regime republicano do que da monar-quia. Nessa medida, nunca percebi como é que, entre os feriados retirados no ano crítico de 2012 (a bem da suposta produtividade que interessava incre-mentar com o novo Código do Traba-lho), o da implan-tação da república (o do regime em curso, diga-se) figurava como dispensável. Nem tudo o  que é significativo na vida de um povo se configura como feriado, mas o que é de regime é de regime, digo eu!
    A República, proclamada em Lisboa a 5 de outubro de 1910, instituiu um sentido democrático que se vinha a afirmar desde a década de noventa do século XIX, em tentativas goradas que pretendiam pôr fim à monarquia. 
    1891 e 31 de janeiro foram marcos na tentativa de mudança, face a uma realeza degastada e sem resposta para as preocupações de um século que viu o Ultimato minar a honra e a credibilidade de um país. Um novo regime viria a singrar quase duas décadas depois. A História viria a dar relevo ao facto; houve quem invertesse a bandeira republicana numa das mais recentes celebrações; um dos últimos governos acabou por minimizar a efeméride há cerca de quatro anos. O certo é que o dia "grande" acabou em simples "historinha", para o comum dos cidadãos.
  Como diria o Velho do Restelo, numa transposição dos tempos da descoberta do caminho marítimo para a Índia para os da atualidade: "Mísera sorte! Triste condição!"
     Vale a natureza democrática, e a todo o tempo passível de retoma, que a República permite.

     Hoje, mais de cento e cinco anos depois do evento histórico, a ressurreição do feriado é digna de registo e de celebração. A Implantação da República até pode ser o motivo, mas, acima de tudo, o que me sabe bem é (a reimplantação d)o feriado.