segunda-feira, 29 de junho de 2015

Festas de um pecador pescador

     Chegou o tempo das festas de S. Pedro.

    Ainda que celebrado por muitas outras localidades, em Espinho há uma capela de onde parte toda a animação para um dos três santos mais populares (Sto. António, S. João e S. Pedro). Não fosse esta uma zona com forte tradição piscatória, todos os anos neste dia, a povoação festeja o seu santo Padroeiro e Patrono com uma procissão que percorre as principais ruas locais.

O S. Pedro cá da malta
Está embrulhado num véu
É o pai dos pescadores
Que traz as chaves do céu.

   Ainda que de nome original Simão, no Evangelho Segundo São João, Cristo chama-o Kepha, que em aramaico significa "pedra", "rocha". Daí para o latim 'Petrus' foi um passo, com o mesmo significado.
    Edificada a igreja cristã sobre essa "pedra", Pedro foi o primeiro bispo de Roma; portanto, o primeiro dos Papas. Contudo, antes de se tornar num dos doze discípulos, Simão era pescador em Cafarnaum. Junto com o irmão, o também apóstolo André, era "empresários" da pesca e tinham sua própria frota de barcos, em sociedade com Tiago, João e o pai destes, Zebedeu. 
    Segundo S. Lucas (V:1-11), Pedro conheceu Jesus quando este lhe pediu uma das suas barcas, para pregar a uma multidão que o queria ouvir. No final, grato pela concessão, Jesus orientou o que viria ser seu discípulo e apóstolo para que fosse pescar com as redes em águas mais profundas. Contra as expectativas, a pescaria foi bem sucedida. Então Pedro prostrou-se humildemente diante do Messias e disse-lhe para que se afastasse dele, dado ser um pecador. Jesus preferiu vê-lo como "pescador de homens" para a fé cristã.

    Assim se justifica que muitas regiões piscatórias tenham este santo como padroeíro, pelos motivos bíblicos que o associam à pesca e ao mar.

domingo, 28 de junho de 2015

Novidades gramaticais (emergentes)

     Nada como ler alguns registos de alunos para encontrar algumas novidades.

   Depois de tanto se ouvir, ler e falar sobre orações gramaticais, chega a novidade escrita: nem coordenadas, nem subordinadas, nem subordinantes. Alguém classifica uma oração como insubordinada!


    Não sei se é mais um contributo teórico relevante (o tempo o dirá, talvez no contexto de uma gramática emergente, conforme Paul Hopper - aí pelos finais dos anos oitenta1 - a concebeu na sua natureza assistemática, periférica e flexível, a propósito da contingencialidade e da construção interativa das realizações discursivo-textuais), mas não posso deixar de ver tal classificação como um sinal de inconsciência e inconsistência discentes. Diria mesmo que se trata de uma marca de rebeldia e de aprendizagem (muito) radical!

NOTA: 1) in Emergent Grammar, Berkeley Linguistic Society, 13, 1987, pp. 139-153

      Fico a pensar que, se não fosse a criatividade linguística - que esbate fronteiras / limites / regras e admite realizações aparentemente impensáveis -, a gramática não resistia a ter orações destas, como forma de pôr fim à dependência (subordinação) ou à coordenação - a bem da liberdade (linguística, em geral, ou gramatical, em particular).

sábado, 27 de junho de 2015

Vontade, pena, desejos e gratidão

     Uma mesa grande de gente muito boa. 

     Depois de saber que fiquei colocado na minha primeira prioridade de concurso, sinto-me dividido entre a vontade de sair e a pena de não poder levar comigo quem fica.
     É um ciclo que se fecha com cerca de vinte anos, para abrir um outro que não sei se será tão feliz quanto o primeiro, mas que está na linha dos meus desejos. Deste, fica-me a satisfação de ter cumprido um papel que julgo positivo, pela presença de alunos e profissionais que me ajudaram a crescer no exercício das minhas funções e nos afetos que nos ligaram.
     Há quem defenda que a construção da nossa identidade se faz pela perceção que os outros têm de nós e do que fazemos. Devo ter feito alguma coisa de bom. Acho que também somos o que outros nos impelem a fazer, e nisso tive bons exemplos para seguir (porque foram tão iguais a mim) e para ensinar (por me deixarem fazer aquilo de que mais gosto).


     Disse-me uma colega: "A quem muda Deus ajuda". Nunca quis tanto que um provérbio se concretizasse.

     Assim o espero - para fazer a mudança e para continuar a fazer tão bem quanto o poema que me foi dedicado. Por ora, resta-me agradecer a presença, as palavras, os gestos, os versos, as T-shirts, um chapéu de letras, uma flor... e o convívio, a consideração, o encontro, os abraços, o sabor de um momento que ontem me soube muito bem.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Acordar com o erro

     Não se pode dizer que seja sinal de bom augúrio.

     Mais uma vez, o 'Bom Dia Portugal' apresenta um rodapé indesejável. A propósito de uma questão de saúde pública que pode ganhar contornos críticos neste período balnear, escreve-se o seguinte (e, pior, dá-se a ler a milhões):


     Isto de confundir 'conselho' com 'concelho' é caso tão clássico quanto ser exemplo constantemente evocado para evidenciar o que são palavras homófonas (tal como cozer / coser), quando se trabalha relações a nível da escrita e do som. Por ser tão comum, dir-se-ia que é inusitado vê-lo confundido nos meios de comunicação social. Não o é, pelos vistos. Se 'conselho' está para ensinamento, entidade superior (veja-se o S - até parece que estou a falar para alunos!), 'concelho' está para câmara ou município (veja-se o C). Conhecimentos etimológicos mostrariam como em latim já era assim (consilium / concilium, respetivamente).
      Sabida esta distinção básica, outros saberes decorrem dela, nomeadamente que 'conselho' permite formar o verbo 'aconselhar' mais as devidas formas conjugadas; e que, deste, por prefixação, deriva 'desaconselhar' e, posteriormente, 'desaconselhado(s)/a(s)'.

     Num canal televisivo (e não é o único) que está preocupado com o "Bom Português" e que hoje pretendia saber se deve dizer-se 'ao par' ou 'a par', é lamentável que não esteja a par de questões ortográficas tão essenciais como as que permitam aconselhar, bem e por testemunho, a ler e a escrever.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Em dia de São João...

     Não cumpre muito a tradição esta figura de S. João, com cordeiro e livro na mão.
Foto da escultura de São João, 
exposta no Museu Nacional Machado de Castro, 
em Coimbra (VO)
   Para lembrar o dia, é reconhecido o facto de este se relacionar com a celebração católica do nascimento do profeta João Baptista (para não mencionar as festas pagãs do solstício de junho, realizadas na noite mais longa do ano). O cruzamento religioso e pagão faz-se na figura bíblica que, no rio Jordão, batizou gentios e judeus e também Cristo, apresentado como o Messias e o "cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". 
    A representação comum de João com um cajado e vestes de pastor cumpre o requisito biográfico do homem que, após a morte do pai, teve a mãe (Isabel, prima de Maria) a seu cargo e viveu, por opção, como asceta. Invulgar é a que se dá ver numa escultura que encontrei há dias, aquando da visita ao Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra): São João com um carneiro e um livro na mão.
  Como profeta que foi e filho do sacerdote Zacarias, terá João Baptista contactado mais diretamente com o saber do seu tempo (metaforizado no livro) - ora ministrado pelo pai e pela mãe ora transmitido pelos mestres da educação dos nazireus, ou seja, dos seguidores da Torá hebraica - livro, instrução, lei seguida pelos fiéis à tradição judaica, também designado como Lei de Moisés.

    Fica, assim e neste dia sanjoanino, uma aproximação à leitura da escultura. Quanto à festa, talvez ela já reflita as feições do que Fernão Lopes, no século XIV, deixou escrito em crónica como uma grande festa vivida pelas gentes do Porto (para não dizer que até a moirama, segundo uma cantiga da época, se rendeu à festa do santo católico, numa expressão clara da união sem qualquer tipo de preconceito).

domingo, 14 de junho de 2015

Produto novo?

     Tenho sérias dúvidas quanto ao novo produto.

     Primeiro, porque já é sobejamente conhecido, não obstante o empréstimo (proveniente do italiano lasagna) já entrado na grafia da nossa língua.
     Segundo, porque o produto tem defeito, a julgar pela publicidade que lhe está associada:


    É tão comum e antigo o erro que já não há paciência para lembrar que, entre outras, a técnica da negativa pode contribuir para a sua eliminação da escrita: 'provas-te' > não te provas (o pronome 'te' muda de posição, pelo que na afirmativa ele deve ser grafado separado do verbo por um hífen); 'provaste' > não provaste (os sons finais lidos em 'te' fazem parte da terminação verbal associada à conjugação na segunda pessoa do singular, com a configuração 'ste', sem qualquer alteração na posição pela aplicação da negativa - razão pela qual não pode haver separação da terminação face à respetiva forma verbal).
    Como a publicidade ultimamente tem usado e abusado de tal incorreção, grassa por aí um mal geral que não tem igual: partilhar o que não se deve, isto é, o péssimo uso da língua (porque errado).

      As lasanhas podem ser novas, mas o erro é velho. E, assim sendo, não compro as lasanhas do Continente. "Já provaste?" Não, nem quero. Em lugar do Continente, prefiro a ilha.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O captain, my captain...

     Palavras de alunos: ficção ou realidade?

    Inicialmente, a expressão começa por fazer parte da metáfora construída por Walt Whitman para, num dos seus poemas ("O Captain! My captain!", 1865), se referir à morte do presidente Abraham Lincoln, no contexto da Guerra Civil americana (essa 'trip', viagem por que os EUA tiveram de passar na sua história):

Poema whitmaniano tão inspirador quanto desconcertante na (des)ilusão.

    Este mesmo poema é citado no filme Clube dos Poetas Mortos (1989), realizado por Peter Weir, particularmente quando o professor de inglês John Keating (interpretado por Robin Williams) diz aos seus alunos que estes o podem tratar por "O Captain! My Captain!", sempre que se sentirem ousadamente inspirados. Se assim o disse no início da relação, assim o recebeu no final: demitido por desafiar os princípios da prestigiada academia onde lecionava, Keating vê os seus alunos revelarem o apoio e a admiração que sentem, ao subirem para os tampos das respetivas carteiras e ao declamarem / dedicarem a expressão whitmaniana a quem os ensinou a aproveitar o dia e a sugar o "tutano da vida" (carpe diem).
    Se qualquer semelhança entre a ficção e a realidade for uma mera coincidência, a verdade é que hoje vivi estas palavras literárias / fílmicas como reais. Ao fim de dois anos e na última aula (oficial) de Literatura Portuguesa, nos minutos derradeiros de um discurso meu interrompido sobre A Sibila (de Agustina Bessa-Luís), vejo uma aluna subir para a carteira dirigindo-me os famosos versos; e logo todos os restantes elementos da turma a repetirem o ato, numa recriação do episódio cinematográfico:

Cena final do filme Clube dos Poetas Mortos, de Peter Weir (1989)

      Entre a incredulidade e a emoção, o sorriso da cena reconhecida e a contenção que se impunha (para não chorar no momento da despedida), estrategicamente comecei por representar o papel, reagir qual Mr. Nolan, o diretor da Academia Welton, com o incisivo "Sit down"; ainda cheguei ao "You hear me, sit down", dada aquela assumida desobediência estudantil; porém, não pude assumir o "This is my final warning! How dare you!". Sensibilizado, só pude responder de uma forma: subir para o tampo da minha secretária e, colocando-me ao nível da turma, agradecer por todos me terem deixado viver momentos e experiências felizes de leitura, de comentário, de análise e de reflexão. 
    Fomos cúmplices no trabalho, no espírito e nas relações que se construíram. Consiga eu levar comigo essa cumplicidade e reconstruí-la numa outra escola.

      Ficção e realidade. Se alguém, no corredor, tivesse olhado pelo vidro da porta e visse o que se passava na sala de aula, pensaria que não era possível estar a ver bem! E foi tanta a realidade!

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Só corpo...

      Ao passar os olhos pelo escaparate das revistas, no supermercado, tive de tirar fotografia.

      O verdadeiro caso de que nem sempre um corpo são se faz acompanhar de mente sã ficou à vista, numa revista que devia fazer revisão daquilo que dá a ler. Dedicada ao treino do corpo, falha na escrita:

Fotografia do escaparate da imprensa: tanto treino para capa tão fraquinha!

      Músculo é palavra esdrúxula e, como tal, a acentuação gráfica faz-se na antepenúltima sílaba (não na penúltima, que, por norma da regularidade gramatical, não é acentuada, dada a tendência grave da língua portuguesa).

      Estou em crer que um programazito de fitness gramatical resolveria o problema, a bem da Saúde do Homem (Men'sHealth).

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Alma(s) tão pequena(s)

        Os últimos tempos têm sido tão maus que estou a precisar de um pastel.

    Cá vai, então, a variação poética pessoana (inspirada no "Mar Português" do autor da Mensagem ou mais precisamente nos versos "Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena"), orientada para registo publicitário do tão necessitado pastel:

Fotografia a um porta-guardanapos muito "poético" ou pessoano.

     Mesmo com a fome a não ser grande e depois de me ter cruzado com almas tão pequenas, tudo vale a pena para combater sinais deste mundo (por vezes tão familiares), como a hipocrisia, a acidez e tomadas de decisão que estarão sempre na orientação contrária ao pretensamente desejado (se é que alguma vez o foi). Decididamente há quem goste de destruir, em vez de construir, nesta vida.
    Felizmente, há outros exemplos, talvez não tão próximos (ou talvez mais ainda), mas bem melhores: procuram manter os laços, oferecem / dedicam músicas, fazem sentir que precisam de mais alguém e muito se esforçam para que os tempos ainda sejam de convívio salutar; sorrisos sérios, credíveis e afáveis. Em suma, almas grandes que lembram o que deve ser valorizado e que merecem mais ser ouvidas do que as outras... as pequenas.
   Nada como estes bons exemplos ou a ficção literária / poética - ou ainda a publicidade nela inspirada - para fazer esquecer as incomodidades criadas para e numa realidade cada vez mais intolerável.

    Toca a comer o pastel, para compensar o(s) tempo(s) perdido(s), para não pensar no(s) que estará(ão) ainda para mais se perder.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Em tempo de calor...

    Dia da criança, dia de abertura da época balnear. Dia também para se brincar com a língua.

   Inspirada em expressões idiomáticas entendidas à letra, Mariana Crisóstomo criou ilustrações para expressões portuguesas, na linha do que podem ser registos cómicos (explorando o sentido literal que a expressão, por certo, hoje não tem).
    A ilustradora e designer gráfica partiu, por exemplo, da expressão "tirar o cavalinho da chuva" e, assim, compôs a imagem seguinte:

"Tirar o cavalinho da chuva" in http://observador.pt/topico/junkhead/

    Talvez na sua origem, em tempos em que o cavalo era o meio de transporte mais comum, houvesse alguma significação próxima do dito literal: o animal era abrigado nos momentos de paragem ou de descanso mais prolongado; contrariamente, uma permanência breve era sintomática quando o equídeo era amarrado à porta de casa; ainda assim, quando passava mais tempo do que o previsto, o anfitrião acabava por aconselhar que o cavalo fosse 'tirado da chuva' (para não sofrer consequências com a demora e/ou o mau tempo).
     Atualmente, a expressão refere-se a uma situação em que há a necessidade de desistir de uma ideia ou vontade (qualquer que ela seja), dissuadindo-se de qualquer pretensão que vá no sentido contrário.

     Fica o apontamento - entre o significado literal e o sentido atribuído pelo uso -, na crença de que o conhecimento deste último coloca o primeiro no registo de um cómico que se atualiza no grafismo da designer que se dá a conhecer como "junkhead".