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quarta-feira, 9 de julho de 2025

Mostra-me os teus Lusíadas - momento de (re)encontro(s)

      Um evento feito de duas palavras.

    Na verdade, houve muitas mais, mas o Sr. Comissário Nacional para a Comemoração dos 500 anos do nascimento de Camões marcou o seu discurso por duas: "Parabéns" e "Obrigado".
      O agradecimento começou quando, na abertura do evento, reparei na presença de várias gerações no Auditório Maria Ricardo - crianças pequenas, jovens, pais, educadoras, professores, avós -, todos em torno de uma atividade promovida pela Coordenação da Biblioteca do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), em articulação com o Departamento de Línguas e o grupo disciplinar de Português: "Mostra-me os teus Lusíadas" (perdoada, claro, a deturpação do título, a bem de uma oralidade mais fluida, natural, tornada escrita).
    Na senda das atividades  promovidas a propósito do ano quingentésimo do nascimento do épico português, o AEML fecha um ciclo, com a recolha de edições da epopeia quinhentista Os Lusíadas e o propósito de encontrar a mais antiga. Entre vários formatos e edições de diversas datas, não se chegou à original (de 1572); conseguiu-se recuar até ao ano 1870, com uma edição de bolso, não maior do que a palma da mão, surpreendentemente composta de finas e pequenas páginas onde cabiam 1102 estâncias (para 8816 versos) distribuídas por dez cantos. Caso para dizer que "Mostra-me os teus Lusíadas" quase precisava do complemento lupa para a devida leitura.

Bem andei com os meus Os Lusíadas à mostra, com muitas notas minhas (como aluno e professor), 
mas era apenas uma edição do século passado (1978). Havia vários exemplares datados do século XIX!

      O Auditório Maria Ricardo (inicialmente) e a Biblioteca da escola-sede do agrupamento (aquando da divulgação de prémios, generosamente patrocinados pela Porto Editora e pelo Grupo Solverde) foram os locais de (re)encontro, onde se acolheu uma exposição de livros e se recebeu o grupo de convidados e participantes, numa oportunidade para lembrar diferentes gerações de que, para lá dos planos da História de Portugal, da viagem marítima até à Índia e dos episódios mitológicos, há mais um (o quarto) com versos épicos camonianos a sublinhar a universalidade, intemporalidade e a contemporaneidade do pensamento do autor. 

     Biblioteca da EBSML, local da entrega de prémios e da exposição de edições de Os Lusíadas.

    Daí relembrar-se a reflexão final do Canto I, tão ajustada aos tempos modernos e à humilde constatação da fragilidade da condição humana perante a grandiosidade das forças que a dominam:

105 (...)
Oh! Grandes e gravíssimos perigos,
Oh! Caminho de vida nunca certo,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!

106 
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

     Daí evocar-se o Canto VII, naquele momento em que Paulo da Gama se prepara para explicar ao Catual o significado dos símbolos da bandeira nacional nas naus: surge o pedido de auxílio do poeta às ninfas (mais uma invocação, para que se cumpra grandioso relato), imediatamente seguido de um lamento por quem tem obra feita e não se vê reconhecido pelo que faz (seja pelo esforço desproporcionado para se fazer notar seja pelas invejas movidas contra quem trabalha):

78 
 (...)                           ... Mas, ó cego,
Eu, que cometo, insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário,
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.

     No seio do sentido eufórico e grandioso da epopeia, não deixam de se ler notas críticas, disfóricas de uma época em extensão contínua, quase profética para a atual. No mar da vida, os ventos contrários surgem tão inesperados quanto certos, restando à humanidade remar "em fraco batel" contra marés adversas e provar a sua tenacidade, para a sobrevivência; para a luta por uma sociedade mais humanizad(or)a, justa, menos tomada por jogos de interesse, manipulações, maniqueísmos ou invejas.
     De tudo isto e muito mais trata Camões na sua epopeia, tão diversa, inspirada e experimentada (com "saber de experiência feito").
    Pelo exposto, o AEML mereceu os parabéns: pelas iniciativas levadas a cabo; pelos produtos conseguidos (mais icónicos, mais escritos, mais manuais, mais digitais, mais simbólicos); por ter feito da celebração ação, divulgando e reconhecendo obra; por saber que ainda muito há a partilhar do poeta universal português. Razões, portanto, para mais evocações e comemorações, com as lições intemporais colhidas dos textos, numa leitura atenta, focada num tempo que se (re)visita e, nalguns casos, parece manter-se pela pertinência e atualidade das questões, dos tópicos e dos problemas vividos, transeculares.
  Agradeceu-se, também, a presença amiga e já familiar do Sr. Comissário Nacional, o Professor José Augusto Cardoso Bernardes, ao dar maior dignidade - com o seu estímulo, a sua acessibilidade, douta simplicidade e afabilidade no saber e no trato - a um momento de reconhecimento do que se faz bem e em honra de quem deu a ler e a ouvir grandiosa epopeia ao mundo. 
   Gratidão ainda por se ter contado com a música e o canto de membros do Bando do Surunyo (com a voz encantadora de uma ex-aluna e a companhia harmoniosa, simpática e colaborante de uma instrumentista), que mais abrilhantaram a tarde deste dia, numa ambiência memorável, festiva, musical, poética - pelas palavras camonianas, pelas sonoridades criadas, pela animação vivenciada, pela presença de muitos e pelos gestos que engrandecem o ser humano (a partir do exemplo dos grandes, clássicos ou contemporâneos).

    Caminhe-se rumo ao seiscentésimo ano, evocando e reencontrando, a cada dia, mês, ano, a grandiosidade de quem simboliza a língua, a identidade nacional e o sentido universal de mensagem(ns) humanas e humanistas.

sábado, 5 de abril de 2025

Partilha do não desejado

      Há textos que não deviam ser escritos.

     Este é um deles. Eu, pelo menos, gostaria de não o ter feito, se tal significasse que não havia motivo para tal.
      Teve que ser lido:

O texto que ninguém quer escrever nem ler - https://carruagem23.blogspot.com/2025/04/partilha-do-nao-desejado.html 
(Foto VO)

     É sempre um momento de aperto no coração, de embargo na voz e que, na memória do vivido, traz a consciência de um tempo que prossegue sem a presença desejada, mas com o sinal do que o professor David Rodrigues define como "a grande provedora do tempo": a gratidão devida.
      É esta a vida (na qual subsiste a morte).

     Assim foi na Igreja Matriz de Espinho. À MCM. RIP. 

sábado, 22 de março de 2025

Onze anos depois

     Regresso a Cabanas de Viriato e ao palacete, hoje museu, de Aristides Sousa Mendes.

   Já muito escrevi acerca de uma das personalidades mais relevantes da História de Portugal do século XX, internacionalmente reconhecida como um "Justo entre as Nações", mas que ainda muitos teimam ver apagada, na permanência de uma condição que a jornalista Diana Andringa apelidou de "O Cônsul Injustiçado".
   Volto ao tema, pela visita hoje levada a cabo à casa que vi já bem degradada e, presentemente, se dá a ver restaurada, acolhendo o Museu Aristides de Sousa Mendes. Não fossem os sinais interiores (denunciadores da injustiça, da perseguição, da miséria para que foi conduzido), dir-se-ia que, pelo exterior, um libertador do sofrimento e da desgraça está mais do que enaltecido. Não será nunca o caso.
    Guiados por um familiar seu, foram cerca de quarenta participantes a partilhar uma oportunidade de aproximação / identificação com uma causa que devia ser a de todos os homens: generosidade e grandeza de alma ao serviço do salvamento de povos ostracizados, conduzidos, por uns loucos despóticos do tempo, para um fim indigno.

Contrastes que o tempo produziu (montagem fotos VO)

   Muito trabalho foi já desenvolvido para um conhecimento mais efetivo do que representou, no seu tempo, este diplomata português, cujo desejo acabou por ser o de "ficar do lado de Deus contra os homens, em vez de ficar com os homens contra Deus". Num espírito de desobediência consciente, enfrentou e desafiou ordens expressas do ditador António de Oliveira Salazar (contrariando a famigerada Circular 14) e, durante três dias e três noites, concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal, para refugiados de várias nacionalidades interessados em fugir de França e de outros países europeus (invadida pelo regime nazi). 
  Pagou caro por isso, e tal é comprovado de várias formas - uma delas, talvez a mais leve, por ter entregado um sobretudo (recentemente readquirido pela fundação para o museu) como forma de pagamento de uma despesa feita para poder alimentar a família.

Uma das salas do museu (primeiro andar) homenageando o Cônsul de Bordéus

   Num mundo que vivia e se digladiava com fortes armas, dizimando seres, Aristides Sousa Mendes empunhou um carimbo, para salvar milhares.

   Perante o vivido no museu e o restauro evidenciado no palacete, falta o passo de divulgação, de requalificação e de revalorização nacional merecidas de um dos seus maiores no período da Segunda Guerra Mundial; alguém que se interrogou sobre a vivência de um tempo tomado de desumanidade e loucura: "que mundo é este em que é preciso ser louco para fazer o que é certo?" Lembrá-lo será sempre pouco para o bem que fez.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Surpresa boa

      Na semana dos afetos e da empatia (Ubuntu).

     Um assistente abeira-se de mim e pede autorização para que uma jovem venha ao meu encontro e possa entregar-me uma prenda. Entre o desconcerto, a surpresa, o insólito, digo sim, apesar da sensação de estranheza instalada.
     O encontro acontece, a explicação surge: a semana dos afetos, da empatia (Ubuntu) no agrupamento. Cumpre-se a oferta: um texto manual e uma manualidade feita na base de um poema que nos liga.
      Apenas consegui ficar preso à palavra da gratidão, ao abraço que substantivou o apreço e o afeto do momento e do gesto.

Dois textos... com Camões à mistura (montagem de fotos VO)
     
   Quando alguém inesperadamente se lembra de nós fica aquele sentimento indefinido que nos faz perguntar "O que é que eu fiz?", "Que gesto tive?", "Que palavra disse?", "Que olhar correu sem que visse o que foi criado?"
     Na roda viva do dia-a-dia, arrastado que sou por uma torrente que me vai desgastando / tirando sono, saúde e tranquilidade; que me faz por vezes mostrar aquilo de que não gosto, há vida e momentos de felicidade que (ainda e) até fazem acreditar que devo andar a fazer qualquer coisa que mereça o que de bom recebo.

    Resta a gratidão, pelo conforto, pelo afeto e pela consideração de quem (ainda) me faz seguir em frente. O 10 de junho fica na memória por um outro sinal. Muito obrigado, LS e quem nos fez aproximar.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Mensagem do patrono

      A semana da excelência académica e do mérito desportivo.

   O agrupamento começou hoje a viver o reconhecimento público dos que, no ano letivo anterior, revelaram sucesso(s) no percurso e no desempenho escolar, com mente sã em corpo são (totalidade e valores clássicos; por isso, também perenes).
   Em tempos de endeusamento da Inteligência Artificial, é a oportunidade de destacar a Inteligência Humana, que, na devida escala, se revela determinante para a formação integral humana, a avaliação e o sentido críticos, o aprimoramento no tratamento da informação, a opção e a tomada de decisão consistentes e fundamentadas, bem distintas de imediatismos, facilitismos e verdades populistas, frequentemente coladas à ilusão e à falsidade.
     Há cento e vinte anos, o patrono afirmava:

Laranjeira nas sessões de entrega de diplomas de Excelência Académica e Mérito Desportivo 

      Espírito e coração: intelecto e emoção - uma outra totalidade que, na complementaridade dos termos, não deixa de incluir, considerar o diverso, atentar no afeto, num "sinto, logo existo" (que António Damásio reformulou, face a um "Penso, logo existo" cartesiano).
     No regresso ao coração, à emoção, ao afeto, ao reconhecimento, cruza-se o ser com a gratidão. E muitos há a agradecer, na prova de que o caminho se faz caminhando e não sozinho. Premiados os alunos, assim se (re)vejam os Encarregados de Educação, os Professores, os Assistentes - uma comunidade empenhada em sucesso(s), alguns dos quais de qualidade.
       Em plena semana dos afetos, e no espírito Ubuntu que inspira saberes e gestos, cruze-se o momento com o que também dignifica a existência: saber, sentir, elogiar, aplaudir, agradecer.

     Assim (também) se revive o pensamento do patrono, mais de um século depois do que (nos) deixou escrito.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Olhando para os astros

    No âmbito do Projeto Ciência Viva do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), realizou-se uma sessão de observação astronómica.

      Pelas 21 horas, apareceram os resistentes à tentação de ficar no acolhimento do lar ou de ficar a ver um mais do que anunciado e disputado jogo de futebol, intitulado 'derby' para os mais aficionados.
     Preparados para um Plano B (apresentação e conversa no Auditório Maria Ricardo), eis que a chuva não caiu. Sempre se podia avançar para olhar o céu noturno, apesar da densidade de algumas nuvens. Com o seu apontador luminoso, a professora Carla Pereira foi guiando os presentes para a observação da Lua, de alguns planetas, bem como de constelações de Inverno, todos captados a olho nu.

Cartaz de divulgação da atividade (com um 'se' que, felizmente, não deu lugar a concretização)

      As condições atmosféricas, não sendo as mais favoráveis, ainda permitiram a instalação do telescópio no espaço exterior da escola, entre os pavilhões B e C, para que todos conseguissem vislumbrar - no meio de copas de árvores, dos prédios circundantes e dos vazios nebulosos que foram surgindo - Orion (o cinturão composto por três estrelas alinhadas), Touro (a brilhante estrela Aldebarã) e Gémeos (as estrelas gémeas Castor e Pólux), entre outros.

Montagem com vários apontamentos fotográficos da sessão de observação astronómica noturna (Fotos VO)

      O céu não estava limpo, o local era escuro o suficiente e foi-se além do equipamento básico, com professores, assistentes, pais e alunos a ajudarem na montagem do dispositivo que permitia "ver mais longe". Juntos, em comunidade, viveu-se uma noite muito apreciável. Contrariamente à famosa letra de canção,  houve estrelas no céu a dourar o caminho e ninguém se sentiu sozinho. 

     Caso para dizer que estrelas e planetas se ordenaram, harmonizaram para que, cá na terra, muitos alinhassem na aventura de observar os corpos celestes.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Caminhada com / para todos

     Faz-se com passos, momentos, espaços, valores, pessoas e diálogo.

     O Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira teve a honra de, neste dia, entre as nove e as onze horas, contar com a presença do reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, D. Roberto Mariz, acompanhado pelo pároco de S. Martinho de Anta, Sr. Padre Sérgio Leal, bem como o Presidente da Junta de Anta-Guetim, Nuno Almeida, numa visita à escola-sede.
     A receção feita por um grupo de alunos que abriu o evento com cartazes onde se liam palavras como "Paz", "Amor", "Sabedoria", "Solidariedade", "Amizade", "União", "Liberdade" em várias línguas traduzia, desde logo, a aproximação a valores transversais à humanidade, independentemente de cor, credo ou cultura. Um pouco na linha do pensamento do misticismo laico de Manuel Laranjeira, evocou-se esse alicerce de afetos, essa "nave de uma catedral infinita, após um acordo afectuoso, final, [com] todos esses seres que a engrenagem social fez inimigos irredutíveis: reis, imperadores, plebeus, vadios, criminosos, fartos, famintos, vencidos, vencedores, esmagados, todos, os homens todos, a Humanidade inteira - a vida inteira.” (in Obras de Manuel Laranjeira, vol. II, Porto, Edições ASA, 1993)Ecoaram as palavras desse alguém que, sublinhando a presença e a integração de "todos, todos, todos", convocou um espírito universal(izante) de irmandade, proximidade, empatia, afetos - ingredientes para essa utopia de felicidade num mundo de e entre iguais.
     Da entrada ao átrio interior, a música, a dança, a poesia dos textos e dos pensamentos, a árvore dos afetos e da gratidão, o canto, a dádiva e a oferenda constituíram momentos em que muitos ofereceram o que de melhor têm. A caminhada culminou no Auditório Maria Ricardo, repleto de jovens com vontade de encontrar, (re)ver, ouvir quem se predispunha a dialogar, refletir, partilhar pensamentos, testemunhos, experiências, percursos de vida, sublinhando valores fundamentais ao esforço, à aprendizagem, à aproximação e à união de todos os que se cruzam, também, em instituições sociais, humanas e humanistas.

Manifestação dos valores ecuménicos em vários idiomas (Foto VO)

Visita Pastoral do Reverendíssimo Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, Sr. D. Roberto Mariz, no AEML

   A abertura à crítica, ao que nem sempre corre bem, aos desvios que requerem correção complementou-se com o espírito festivo do "parabéns a você" de um aniversariante; o ânimo, a animação, a alma de um encontro que torna o dia diferente fizeram ganhar expressões de felicidade no rosto e nos gestos (bem como na procura da 'selfie' que, para alguns, sempre marca o momento); a alegria de estar com alguém que comunicou, comungou (sor)risos, saudações, bem-estar, familiaridade, naturalidade, simpatia, trato afável, satisfação e, acima de tudo, gratidão foi o reconhecimento maior para os que muito deram e tanto fez receber. 
    Ficou a mensagem de que, com tanta movimentação, em múltiplos sentidos, há sempre a oportunidade de cruzar o olhar e encontrar o outro para cuidar.

    Há homens que têm o dom de nos aproximar do bem, do exemplo, da mensagem ecuménica que inspira e ilumina a vida. D. Roberto Mariz é um deles, como a comunidade educativa que o acompanhou o pôde comprovar. A todos os que muito contribuíram para a planificação, organização e concretização da "caminhada", impõe-se o agradecimento pelo bem que souberam construir. Nas palavras de José Tolentino de Mendonça, "Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno."

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Uma lição de contemporaneidade, intemporalidade e universalidade

     Pelos 500 anos de Camões - com engenho e arte.
   
   Ainda que um dos anos de referência seja o do já concluído 2024, o recentemente iniciado 2025 não se encontra fora de contas, ou tempo, para o quingentésimo aniversário do nascimento de Camões.
    Com a presença simpática, sapiente e generosa do Professor José Augusto Cardoso Bernardes (comissário-geral para as Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões), os alunos do 11º ano do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tiveram o privilégio de receber uma Lição (intencionalmente maiusculizada, pelo orador e pela qualidade dos "sinais de vida" transmitidos), a propósito de um dos três maiores da literatura universal (a par do grego Homero e do romano Virgílio).
    No muito de lendário e mítico - numa espécie de "nada que é tudo" - que a biografia do quinhentista luso possa ter, a data e a localidade de nascimento são ainda objeto de discussão entre estudiosos. Suposições, conjeturas, portanto. O mesmo não se dirá já da morte, nesse 10 de junho de 1580, factual e explicitamente confirmado em documento conservado na Torre do Tombo, garantindo à mãe a tença atribuída por D. Sebastião; tornado feriado nacional, inicialmente, em honra de um poeta; hoje identificado como Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
    Quanto à obra, da muita que nos chegou, importa lembrar que, há meio milénio, esta circulava oralmente, perante uma imprensa que já tinha sido inventada entre 1439-1450 e cuja evolução era bem mais lenta do que a atualmente verificada com qualquer progresso tecnológico. A fixação de texto era débil, mediante a realidade do objeto livro que, no século XVI, não deixava de ser um tesouro, apenas acessível a poucos e da propriedade de muitíssimos menos. A autoria mantinha-se bastante discutível, mediante a apropriação e a atribuição de versos que eram cantados, oralizados, repetidos de corte em corte e pertenciam a um anonimato (des)interessado comummente designado de "tradição oral / popular". Sabe-se que Camões viu publicada a epopeia Os Lusíadas em 1572; são póstumas as edições das Rimas, numa identificação de poemas que, nalguns casos, permanecem dúbios quanto à composição autoral, face a critérios filológicos mais rigorosos.
      Camões falou com um rei, dedicando-lhe uma epopeia e ousando formá-lo e avisá-lo dos perigos que os galgos (cavaleiros) poderiam representar, numa recriação do mito de Actéon (com o caçador a ser caçado); produziu obra que, entre a euforia e a visão crítica, se tornou reconhecida, desde o início até à atualidade. Mesmo para quem, como Fernando Pessoa, se designou "Supra-Camões", o épico quinhentista não deixava de, no início do século XX e com o Modernismo, estar situado num patamar maior, de referência. 
      Nas palavras do especialista convidado - professor catedrático e reconhecido camonista (para além do estudo que desenvolve com outros autores dos séculos XV e XVI da literatura portuguesa) -, Camões está vivo: enquanto ícone cultural, agregador e marca de identidade / pertença, na linguagem e nos códigos institucionais diplomáticos nas relações entre países; enquanto exemplo de contínua edição, ao longo de séculos e regimes, com tradução em diferentes línguas (e, desde logo, o português, certificado no século XVI, por critérios estéticos, como língua adulta, pois, à semelhança dos clássicos, admitia produção de uma epopeia); enquanto tópico escolar (desde a edição comentada dos Piscos, em 1584); enquanto transmissor de valores, numa pedagogia e formação de leitores, que, em meio milénio, acederam - nos versos partilhados, nos episódios narrados, nas reflexões produzidas (e as que atravessam Os Lusíadas são impregnadas de valores em que humanismo, humanidade, consciência de mundo e consciência da fragilidade da condição humana são ingredientes para a universalidade e intemporalidade do poeta) - aos tópicos da mudança, da diferença, do (des)amor, da (in)justiça, do infortúnio (que a Fortuna, por vezes, deixa durar demasiado), do esforço, do poder material / espiritual, da (des)ilusão, do verdadeiro valor da glória, dos deuses e dos heróis... da viagem que a vida é. 
     
     A iniciativa, levada a cabo pelas professoras bibliotecárias e pelos docentes de Português do AEML, não deixou de ter o contributo de alunos, que partilharam leituras de vários poemas: de Camões e de autores que, na passagem dos séculos, o versaram, citaram, recriaram (Bocage,  Sophia, Torga, Nuno Júdice, Adília Lopes, Manuel Bandeira). Outras provas de vida, dignas de celebração. Nada como terminar esta última, num convívio à mesa, numa refeição confecionada pelos formadores e formandos do Curso Profissional de Restaurante-Bar e condimentada pelas especiarias de um tempo bem (re)vivido.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Cruzamentos artísticos de metal e mar

     Pensa-se, dá-se a entender e...

    O objetivo passa por cruzar tradições e a expressão artística de localidades que, apesar de distintas, passam a ter algo que as aproxima:

Barca de Arte Xávega em filigrana ou a interlocalidade artística do metal em mar (Foto VO)

     Enquanto sistema de pesca artesanal caracterizado por possuir um aparelho ou rede lançados pelo barco (grande) de mar, a arte xávega ganha expressão / designação por esta mesma rede que carateriza a técnica piscatória de cerco, junto à costa, trazendo a terra o peixe capturado. 
     Se juntarmos a esta arte, o trabalho intrincado de pormenores da filigrana em prata / ouro, a ideia resulta numa bela peça de joelharia, com o apurado rendilhado do metal a sugerir o espiralado remoinho e o ondeado marinho.
      E, assim, se ligam tradições: as de Espinho com as de Gondomar. Porque o mar também se alimenta do rio.

    Pode não ser o coração de ouro da Sharon Stone, mas a barca em prata tem todos os ingredientes que um ourives gondomarense, na sua banca, conseguiu embelezar, inspirando-se no duro trabalho do mar.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Patrono à mesa

     Um jantar natalício com a presença de Laranjeira.

    As mesas estavam primorosamente decoradas, à espera dos convivas. Há cinquenta anos estava um edifício em construção, ainda com a designação de "Liceu Nacional de Espinho"; hoje, num edifício requalificado entre 2008-2011, há um patrono a marcar presença na Escola Básica e Secundária Dr. Manuel Laranjeira:

Laranjeira no Natal de 2024 do AEML (composição fotográfica VO)

     Rumo aos 50 anos de um tempo e de um espaço a celebrar (mais as pessoas que os viveram), o aroma do fruto (laranja) vem compor o paladar de um licor que tem na árvore (laranjeira) origem, estendendo-se, por jogo evocativo, ao patrono (Laranjeira). Da natureza ao nome próprio, há como que uma transmutação alquímica, sugerindo a criação do elixir da vida ou da imortalidade. Laranjeira, por lembrança e evocação, ganha vida eterna ou prolongada.
     Se, na língua portuguesa, "alquimia" vem do latim alkimia, por sua vez proveniente do árabe al-kimiya (significando "a química"), não será de esquecer que, no grego antigo, khemeía significava "fusão de líquidos".

     Nada como ver no licor de laranja o adocicado sabor que Laranjeira, na vida, não deixou de acidular. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Um arranjo de Natal especial

     Há gestos a dar cor à vida e a alimentar o espírito de Natal. E não só!

    São gestos de generosidade que só aumentam a gratidão que sempre terei para quem me acompanha no dia-a-dia (pode quase dizer-se da abertura ao fecho dele). 
   Marcam a sua presença também agora na minha mesa da sala, bem mais bonita, pelo recheio de cores e sabores da amizade e do carinho sentidos:

Uma mesa muito bem "arranjada" (Foto VO)

    A todos eles (... sabem bem quem são...) um Natal muito feliz, com umas melhores entradas no novo ano. Mais um para estarmos juntos.

   Desde sempre, até lá e depois da(s) festa(s), o contínuo reconhecimento e agradecimento pelo bem que fazem a muitos. E a mim, particularmente.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ubuntu: eu sou porque tu és.

      Uma palavra Nguni, do Afrikander, trazida para primeiro plano por Nelson Mandela e Desmond Tutu.

     Representa uma filosofia social sublinhando o ser, o saber e o agir assentes numa liderança servidora; uma pedagogia educativa visando a paz, a amizade, a solidariedade, a fraternidade, valores que sublinham a dignidade do ser humano e aspiram a um ideal de sociedade empático, fraterno e visionário, com figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala na incorporação do lema “Eu Sou porque tu És”, pela valorização da interação, comunicação, comunhão, interdependência e solidariedade. Focada no desenvolvimento e na promoção de competências pessoais, sociais e cívicas dos participantes, contribui para a transformação destes enquanto agentes de mudança ao serviço da comunidade, ajudando na construção de uma cidade mais inclusiva, equitativa, justa.
  Convidado a partici-par numa mesa-redonda da Ubuntu Fest promovida pelo Instituto Padre António Vieira e com a colaboração da Câmara Municipal de Espinho, fui dignamente acom-panhado pela presença da Senhora Presidente da Câmara (Maria Manuel Cruz), dos Presidentes das Juntas de Freguesia de Paramos (Manuel Dias) e de Anta-Guetim (Nuno Almeida), bem como do Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida (José Ilídio Sá). Uma assistência de alunos e professores / educadores compôs um auditório de onde foram lançadas algumas questões. Perguntas a que tive(mos) oportunidade de responder, numa alargada partilha de ideias, pensamentos e ações de líderes servidores que, de algum modo, todos acabamos por ser nas múltiplas funções exercidas.
     À primeira questão, sobre situações em que já tivesse duvidado da minha liderança, diria que foi tudo o que um líder não gosta de admitir publicamente: a sua condição frágil perante ameaças, perigos, dificuldades que a vida coloca a qualquer um. Por certo, nenhum líder aprecia lidar com conflitos que não são seus, mas que tem de gerir; constatar desarticulações entre níveis de liderança ou princípios orientadores para a ação e a ação propriamente dita; consciencializar fatores de desequilíbrio pessoal e profissional que convergem para a afirmação de cansaços, de ausência de força própria ou dos outros capaz de comprometer objetivos, metas, projetos; deixar-se invadir por desilusões que não sejam encaradas como oportunidades ou desafios para seguir em frente. Momentos há em que a tomada de decisão, por mais participada e partilhada que seja, acaba por ser um ato individual, solitário, o que pode causar algumas ansiedades, angústias, mal-estar, particularmente quando o estilo de liderança e de serviço é pensado / encarado de forma participada, democrática e conjunta, apostada mais no coletivo do que no individualismo e no individualizador (tendente para o egocentrismo, o narcisismo e a idolatria). Ser capaz de ver na liderança servidora um meio de ultrapassar estas disfunções, de encarar a resistência e a resiliência como estratégias de superação é o caminho a traçar, sempre que a dúvida, a indecisão, os dilemas se instalam. Transformar o negativo ou instável em foco de ação e conquista para o sentido oposto é o desiderato de quem se pôs a jeito e se propôs liderar em qualquer escala (pouco ou muito) / abrangência (poucos ou muitos) / nível de ação (topo, intermédio, base). De forma mais ou menos planificada, interessa que a dúvida dê lugar a uma construção, mais ou menos participada, mais ou menos partilhada, para que algum bem comum se vislumbre.
     Sim, já passei por tudo isto, a par de uma constatação de limites e limitações que me surgem, mas que procuro relativizar, aprender a resolver, fazendo de cada dia um passo nesse percurso que também outros fazem comigo, quer como diretor quer como professor,... acima de tudo, como pessoa. Liderar, servindo.
    Surgiu, então, a segunda questão: que conselhos dar a jovens que desejem ser líderes servidores. Apetecia-me devolver a questão: o que estão predispostos a fazer para bem do(s) outro(s) e do próprio? Que pontes construir para unir margens, voltadas para o fluir das águas como símbolo dos tempos; para a mudança das pessoas em termos de crescimento, desenvolvimento, empoderamento?
   Ser, conhecer, agir implica construir aprendizagens, estudar, aprender, ler muito para ter conhecimento de mundo, alargar horizontes e ajuizar com sentido crítico e fundamentado; para sustentar valores que interessa apreender, em detrimento dos que não dignificam nunca a pessoa. Está aqui um primeiro conselho, para quem particularmente frequenta a escola ou qualquer organização educativa.
   Procurar descobrir um sentido de bem, mais orientado para o coletivo, descentrado de "egos" narcísicos e focado na ética do cuidar (a significar tanto pensar como acompanhar, tomar conta) do outro; colocado na posição do outro e não no umbiguismo vitimizador ou idólatra.
    Testemunhar / dar o testemunho do e no que se quer do outro ("Eu sou o que tu és"), valorizando a pessoa, a sua dignidade, pela aproximação e inclusão, pela interação, pela comunicação e comunhão de valores, ideais.
  Desconfiar de imediatismos e facilitismos, que não contribuem para o que seja estruturante e estruturador; antes para o contingencial, para o acrítico, para populismos, agitações, arruaças que não engrandecem ninguém.
    Questionar a liderança e o serviço (quem / a quem, o quê / qual, como), atentando nos meios a usar, nos fins a atingir e nos valores a adotar conscientemente (líderes sempre os houve, alguns mais consensuais do que outros, uns mais validados e legitimados, num relativismo histórico que, contemporaneamente, não nos leva a aceitar o exemplo de alguns que já o foram e de outros que o são ou estão brevemente para ser).
    Cinco conselhos para os jovens se tornarem verdadeiros e legítimos "influencers", no bom sentido da palavra.
    
    Uma tarde no Multimeios de Espinho, com líderes servidores e com jovens que podem ser agentes de mudança numa sociedade que, sendo bairro, escola, cidade, país, tem esperança nos tempos vindouros (mesmo quando os sinais de perigo parecem invadir a vida, a sobrevivência e a paz de muitos).

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Apanharam(-me) o olhar

   Tudo a bem de uma sensibilização e de uma causa de todos, com todos e para todos.

   O Departamento de Educação Especial do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), no âmbito do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3 de dezembro) e em articulação com o Curso Profissional de Multimédia, promove um concurso fotográfico com o propósito de sensibilizar a comunidade escolar; mobilizar a sua capacidade de observação e promover uma reflexão sobre a diversidade e o respeito pela diferença, em articulação com o legado humanista do patrono do agrupamento.
    E, assim, foi captado o meu olhar:

Somebody is not watching you! Just looking at the camera. 

      Junto com alguns outros mais, foi preparado um "teaser" a anunciar uma iniciativa focada na diversidade e na inclusão:

Vídeo - Olhares: A Escola que Abraça a Diferença (Curso Profissional de Multimédia do AEML)

   Encontra-se, portanto, aberto o concurso que dará a conhecer fotografias explorando o tema “Olhares: A Escola que Abraça a Diferença” e destacando práticas educativas de respeito, empatia e valorização da diversidade e inclusão no ambiente escolar. É possível incorporar a figura ou o legado do Dr. Manuel Laranjeira, alinhando o trabalho segundo um dos três eixos do projeto educativo do agrupamento: Identidade(s), Cultura(s) e Ambiente(s).
    Até ao dia 28 de março do próximo ano, a participação está assegurada, assim o determine a vontade dos alunos. Seguir-se-á uma exposição com os trabalhos submetidos, numa continuidade de construção ao corredor da "Inclusão", o qual pode já ser observado por todos à entrada da escola.


Algumas fotos no Corredor da Inclusão do AEML - Olhares: A Escola que Abraça a Diferença

   Desta forma também se afirma a inclusão, a cada dia.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

"Passei por aqui"

      Ontem e hoje...

     As palavras citadas podiam ser as do Dr. Pacheco Pereira, que, no Auditório Maria Ricardo da escola-sede do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), presenteou o público (alunos, professores, antigos companheiros de percurso de vida e profissional) com a presença, a palavra, o pensamento de um homem da política; da intervenção e colaboração com a media; dos livros e das bibliotecas; da filosofia e da História; da educação (enquanto professor que foi / é); da liberdade.
     A convite da Coordenadora da Biblioteca do Agrupamento Dr. Manuel Laranjeira, assistiu-se a um diálogo, um ponto de encontro, uma conversa que ocupou parte da tarde dos presentes, num registo pautado pela cordialidade, pela familiaridade, pode dizer-se por alguma informalidade, também com a colaboração do jornalista e espinhense Mário Augusto (curiosamente, um dos alunos do convidado especial). Sem a "Quadratura do Círculo" ou "Janela Indiscreta", programas televisivos protagonizados, respetivamente, por Pacheco Pereira e Mário Augusto, ambos proporcionaram uma comunicação feliz entre o inspirador e o memorialista. 
    Aos jovens estudantes que também o(s) interpelaram, foram dados exemplos de um tempo que, felizmente, não vivem (a época anterior ao 25 de abril); conselhos para um futuro que se constrói com o saber, o estudo e o trabalho; apontamentos de um pensamento político marcado pela evolução, pela aprendizagem, pelo compromisso com o bem público (no sentido mais etimológico de 'política'), mesmo que este tenha cambiantes próprios de uma visão social feita do contexto e das contingências do tempo e da vida.
     Hoje integrando a Escola Básica Sá Couto, o Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira recebeu um dos seus professores de Português e de História nesse estabelecimento de ensino, na década de setenta do século passado, mas com a memória bem presente do vivido pela luta da liberdade - o que o fez ser agraciado com a Grã Cruz da Ordem da Liberdade (9 de junho, 2005), pelo Presidente da República de então, Dr. Jorge Sampaio. 
     Na partilha dessas vivências e memórias no presente, ficam as notas de que as conquistas não são dados definitivamente adquiridos; de que tanto mais valor se dá às coisas quanto mais experienciadas elas são; de que as convicções são construções que decorrem de formação, aprendizagem, leitura, contacto com o mundo real; de que ler, saber algo é garantidamente uma mais-valia para o percurso pessoal, social, profissional, político de qualquer ser humano.

Apontamento no blogue Ephemera sobre a presença do Dr. José Pacheco Pereira no AEML

      Enquanto detentor da maior biblioteca privada nacional - de que o blogue Ephemera é registo, arquivo documental difusor -, o homem de livros e de histórias que o Dr. José Pacheco Pereira é constituiu forte motivo para também se refletir sobre a leitura e os diferentes suportes que a fomentam; o domínio da língua e do vocabulário rico e expressivo, que não cabe no imediatismo de um dispositivo pequeno para a grandiosidade da inteligência humana, natural, feita também de um sentir que os "companheiros do tempo e da profissão" ajuda(ra)m a (re)criar pelos sorrisos e abraços efusivamente partilhados.
      No âmbito das atividades do AEML, que neste ano letivo se aglutinam no pensamento e no tema "(Rumo aos) 50 anos: do Liceu Nacional de Espinho ao Agrupamento Manuel Laranjeira", recebeu-se hoje um professor e um aluno da antiga Escola Sá Couto; não se esqueceu que, no ano letivo anterior, "74:24: o que cabe em 50 anos" foi tema para celebrar o 25 de abril, cujos valores de liberdade, democracia e participação importa alimentar ontem, hoje e sempre, a cada dia de cidadãos interessados em preservar conquistas que dignificam o ser enquanto elemento de uma comunidade.

      De uma conversa se fez uma grande lição, abrilhantada também pelo canto lírico de um poema de Sophia: "Liberdade"; pela presença de antigos professores e antigas diretoras das escolas do agrupamento; pela curiosidade e pelo compromisso de todos os que, no presente, caminham rumo ao futuro que se quer também feito de esperança.
      

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Caminhada literária com Sophia

       A fechar setembro, o sol e a poesia animaram os caminhantes, fazendo a diferença dos dias.

     Éramos mais de quarenta. Seis quilómetros de ida e vinda, ao longo do passadiço marítimo a ligar Espinho à Granja, foram o percurso traçado, na passada poética de uma obra em vários pontos declamada - uma atividade promovida pela Coordenadora e pelas professoras bibliotecárias do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira, no âmbito da Rede Interconcelhia de Bibliotecas Escolares de Entre Douro e Vouga. Estiveram presentes a Coordenadora Interconcelhia, Diretores do Centro de Formação do AVECOA e de Terras de Santa Maria, a representante para a Autonomia e Flexibilidade Curricular do Centro de Formação Aurélio da Paz dos Reis, representantes do SABE de Santa Maria da Feira, Vale Cambra e Oliveira de Azeméis, bem como professores bibliotecários da área do Douro e Vouga.

   Pequena brochura com alguns poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

    Levei comigo o Livro Sexto (1962), para dar visibilidade a um livro e lembrar a contemplada com o "Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores", atribuído em 1964 (sessenta anos); o "Prémio Camões", pela primeira vez ganho por uma escritora, em 1999 (vinte e cinco anos); o "Prémio Rainha Sophia da Poesia Iberoamericana", em 2003 (vinte um anos). Autora há vinte anos falecida; há dez no Panteão Nacional. Recordaram-se histórias.
    Tudo começou com Poesia (1944), esse título de há oitenta anos que o crítico e professor de Literatura Pedro Eiras sublinhou como o mais justo dos títulos, para uma obra onde «Assim surgia uma língua, nova e límpida».
   Aproveitei o facto de estarmos junto ao mar; de inspirarmos esse sal de vida trazido por ondas, conchas e corais; de estarmos banhados de uma luz matinal; de nos dirigirmos a um lugar vivido por Sophia e os seus; de sentirmos uma Geografia (1961) feita de tempo, de sentimento, de humanidade.
       Evoquei "Manhã" (in Livro Sexto):

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro.

       Assim, o fizemos. Entrámos na manhã (luz) e nessa maresia que é cheiro e toque desse elemento que inspira "Inscrição" (in Livro Sexto):

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

     Uma imensidão que a limitação humana só pode atingir pela imaginação, pelo humanismo, pela humanidade, pela cultura, pela antiguidade greco-latina e pelo sentido de liberdade que a poeta (como se designava) também versou, narrou, representou na versatilidade de géneros e modos literários produzidos.
     Desafiei o grupo à leitura de pequenas composições, tantas vezes despercebidas entre poemas mais longos.  Tão pequenos (dísticos, tercetos) e tão poderosos na mensagem, no pensamento - quase parecem "haikus", no trabalho de uma palavra a traduzir a justaposição de imagens, de temas, interligados na experiência de vida, na sensorialidade do natural e da natureza, na sonoridade simples (in Ilhas, 1990):

Cumpridos os deveres compridos deixaram
De assediar minhas horas

Doce a liberdade retoma em si minha leveza antiga

      A sabedoria constrói-se também com movimento, do mar ou outro - vento, tempo, pessoas -, como se antevê em "Coral" (in Coral, 1950):

Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha

    A reflexão social plasmada na denúncia dos desfavorecidos e na ironia destinada aos seres racionais não impede que as origens aristocratas de uma biografia rimem com um apurado sentido de justiça, de luta pelo bem comum, de partilha e de generosidade (in "Epidauro 62" de Ilhas, 1989):

Oiço a voz subir os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha

     Recuperei os cinquenta anos do "25 de Abril", nesse poema inicial dos tempos de liberdade e democracia, de luz e limpidez, afastando a noite e o silêncio.
     Numa irmandade de leitores, deu-se voz à obra que todos tinham à mão. Leituras singulares, experiências em coro, animadas por esquemas que não precisaram de qualquer ensaio. Só a vontade de ler, de viver a palavra, o ritmo, a voz, a companhia. A poesia uniu o que de melhor havia em todos. 
    Culminou a atividade num almoço concluído com a "Cantata da Paz" (in Canções com aroma de abril) - nunca melhor poema para os tempos de guerra que (ainda) vivemos.

       "Vemos, ouvimos e lemos / Não podemos ignorar ", repetidamente declamado a cada estrofe de lamento, violência e destruição, parecia uma oração trazida para o seio dos crentes, nessa religião tão necessária e tão nossa: a da paz e da poesia.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Arruada de Abril pela Liberdade

      Na véspera do feriado, duas escolas do agrupamento saíram à rua.

    Na impossibilidade de as quatro o fazerem, a Arruada de Abril pela Liberdade cumpriu-se esta manhã.
   Na base do trabalho desenvolvido desde o início do ano letivo, bem como das reuniões que permitiram a articulação e a planificação possíveis das atividades com os diferentes departamentos curriculares e grupos disciplinares, no âmbito do tema do Plano Anual de Atividades do Agrupamento ("74:24 - o que cabe em 50 anos"), foram muitas as iniciativas contempladas, na diversidade de propostas e na participação em atividades que marcam distintivamente este ano letivo.
   A propósito da celebração do 25 de Abril (que propositadamente maiusculizo), as múltiplas expressões planificadas refletiram iniciativas mais ou menos individuais compaginadas com outras de natureza mais agregadora. Neste último sentido surgiu a "Arruada pela Liberdade" na véspera dessa "madrugada" por que muitos ansiaram e lutaram; que Sophia poetizou; que se viu festejada em clima e regime democráticos, hoje vividos no caminho cinquentenário trilhado. Das escolas ao largo do município, preencheu-se  o caminho com alunos, professores, assistentes, acompanhados pela polícia que se empenhou também para o sucesso do evento. O público que assistia sorria, gritava pelo 25 de Abril, buzinava (ora pela paragem do trânsito ora pela identificação com a democracia conquistada), vinha às janelas dos prédios bater palmas. Algum deixava-se levar pela emoção denunciada no brilho dos olhos.
50 anos depois, recriam-se alguns sinais do movimento histórico na "Arruada pela Liberdade"

     Com o apelo à participação de todos nesta iniciativa, testemunhou-se como, em terra de "Tanto Mar", se cumpriu "a festa, pá!", passando-se aos alunos a mensagem do vivido e que estes puderam realizar / representar, enriquecer graças à intervenção de muitos e de uma equipa que coordenou o projeto. A Presidente da Câmara e outros representantes do município também contribuíram para um dia que se faz de memória(s) e de projeção contínua dos valores de liberdade, democracia, respeito, educação. 
    Tempo para lembrar uma revolução, na qual as armas e as máquinas de guerra que a sinalizaram e que recordamos não lançaram balas; tiveram cravos plantados pelo povo que somos, na afirmação da paz que qualquer ser humano deseja para o mundo.

    Como o disse Chico Buarque, "foi linda a festa, pá! Fiquei contente!". Fica um "cheirinho de alecrim" para todos, com a gratidão que se impõe pela participação diversa e responsável.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

"Isto vai, meus amigos, isto vai"

    Assim começou o dia, citando as palavras de Ary dos Santos.

    Retomada a prática letiva em pleno mês de abril, celebrou-se um dos dias que, há cinquenta anos e entre muitos outros dias, no silêncio estratégico e agregador, deu expressão à liberdade e à democracia, tão queridas ao poeta citado.
    Num incentivo à mudança, com as cores da esperança, cumpriu-se Abril (sim, com maiúscula, pela simbologia convocada). Também podia ser Maio (de novo, com maiúscula), enquanto marca de tempo inspiradora para revoluções (a de Maio de 68 ou outra), voltadas para a melhoria e para o bem comum da humanidade:

Declamação do poema "O Futuro", de Ary dos Santos (in O Sangue das Palavras, 1978)

     Veja-se na palavra poética o movimento dos tempos, das pessoas, dos caminhos feitos com valores de participação, de esforço, de trabalho (ou não seja este um poema pertencente ao "Tríptico do Trabalho" - formado por "O Futuro", "A Terra" e "A Fábrica").

    Estes vão ser os dias, as semanas, o mês de abril, que cabem em cinquenta anos de democracia (a bonança), surgida de uma penosa ditadura (tempestade), para dar lugar ao desenvolvimento, à construção de um regime, de um povo, de um país.

sábado, 16 de março de 2024

"Todas as palavras de amor"

      Eis o verso a abrir um dos poemas antologiados em As Palavras do Amor.

    Trata-se de uma compilação poética "de novos poetas de Espinho", conforme se lê na capa da publicação promovida pela Câmara Municipal local e a colaboração da 'elefante editores'. É a segunda edição de um concurso de escrita, bastante participado por alunos de instituições escolares do concelho, nomeadamente, o Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira, o Agrupamento de Escolas Manuel Gomes de Almeida e o Externato Oliveira Martins.
    Mais de sessenta jovens escritores, entre os onze e os dezassete anos, expressaram-se acerca de um sentimento universal, a marcar pessoas, tempos, espaços, seres vivos; feito do seu bem e do seu contrário, dos dilemas e das interrogações provocados; das definições a encontrar; de cores e matizes a combinar.
     Em oitenta e cinco páginas, uma resta em branco, para preencher, não com o vazio, mas com o pleno agradecimento a todos os que incentivaram e acompanharam esta aventura de escrita poética, particularmente a dos "novos poetas" que houve oportunidade de aplaudir, numa cerimónia levada a cabo pela Divisão de Educação e Cultura do município. 
      Nas palavras da Sr.ª Presidente da Câmara (e Vereadora da Educação), é uma iniciativa a repetir, dada a evolução, desde o ano letivo passado, no número de versos produzidos, na qualidade da produção e no número de participantes no concurso. Foi bem sublinhada a gratidão aos professores de Português, alguns dos quais assistiram à sessão oficial de lançamento do livro, no auditório António Gaio do Centro Multimeios de Espinho.
     Ouviu-se poesia, logo no início da cerimónia, com os versos iniciais de alguns textos do ano letivo 2022-2023:

Vídeo de apresentação  (exibição na segunda edição do concurso poético)

      Dele e do presente, ficam o orgulho e a satisfação de mais de dois terços dos títulos serem da autoria de estudantes do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML). Prosseguiu-se com poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, uma conversa entre jurados e a oferta de livros aos agraciados com a publicação dos seus textos. Findou o evento com a fantástica participação musical de alunos da Academia de Música de Espinho.

    Um fim de tarde que juntou pais e mães, alunos, professores, num sentido de comunidade e comunhão que reconhece o contributo de muitos, particularmente daqueles que, nestes momentos, são um motor (muitas vezes invisível) de energia inesgotável. Obrigado aos professores de Português do AEML, que agenciaram o projeto junto dos respetivos aprendentes; particularmente a quem lidera este grupo disciplinar e também merece palavras de amor, ao assumir-se como interlocutora e colaboradora constante com os promotores da atividade (MTM).

quinta-feira, 14 de março de 2024

A propósito de uma exposição... o reencontro com História(s)

    O convite foi formulado, imediatamente aceite... e assim voltei a tê-los comigo.

   Na sequência do Dia da Mulher (e porque este deve acontecer todos os dias), a Biblioteca do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tem o seu espaço ocupado pela presença de uma poeta: Sophia de Mello Breyner Andresen.
    À entrada da escola, nos corredores do edifício, a presença feminina evidencia-se, assim todos possam educar-se com os contributos que muitas mulheres têm deixado, em diversas áreas, para a Humanidade, por razões de abril ou outra que afirme a construção de valores dignos para qualquer ser humano.
     Convidaram-me a partilhar, com alunos de 12º ano, a minha leitura de alguns poemas de Sophia, da minha visão acerca da sua vida e obra. Tarefa difícil, por certo, dada a grandeza de quem foi falado e dado o relevo formativo, poético-literário a salientar para quem ia ouvir. Muitas caras familiares suavizaram o registo, pela lembrança do bem vivido.
    Enquadrada no tema do Plano Anual de Atividades deste ano letivo ("74:24 - o que cabe em 50 anos"), a poesia é tópico de destaque, na expressão comprometida e transfiguradora da sociedade. Se com Antero de Quental a máxima foi "A poesia é a voz da revolução", com a autora de Poesia (1944), Dia do Mar (1947), Coral (1950), Livro Sexto (1962), Grades (1970), O Nome das Coisas (1977), Ilhas (1990), entre muitos outros contributos poéticos, conjugaram-se as forças da terra, da natureza, do mar, da cultura e da erudição para a luz da libertação e da liberdade.
    Sublinhei os traços biográficos da ascendência aristocrática da primeira mulher a receber o maior galardão literário de expressão portuguesa - o Prémio Camões (1999) num puzzle criativo onde generosidade, humildade e sabedoria se refletem em poemas breves com mensagens eternas, como a da entrega e da dádiva poéticas ao leitor:

     EPIDAURO 62

Oiço a voz subir os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha
                                                                   (in Ilhas, 1990)

       Três a cinco versos bastam para trazerem a vida, o(s) tempo(s), a cultura, a pátria, os valores da justiça, da verdade e da dignidade humana à reflexão - motivos mais do que suficientes para que, também, a escritora portuguesa tenha sido reconhecida, no país vizinho, com o Prémio Rainha Sofia (maior galardão para a expressão literária iberoamericana), em 2003.
       2004, 2014, 2024 são datas para Sophia: o ano da morte, o da trasladação do corpo para o Panteão Nacional, o de celebração de cinquenta anos do 25 de abril - facto histórico que a poeta eternizou em quatro simples versos:

        25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
                                                             (in O Nome das Coisas, 1977)

Obra de Sophia numa das secções da exposição, na Biblioteca do AEML (foto JR)

    Na versatilidade da obra (em modo lírico, dramático ou narrativo), há imaginário(s) rico(s) portador(es) desses valores que compõem uma ética de apelo ao imaginário, à cultura, à viagem, à descoberta, à origem da luz, do cristalino, da concha, da onda, da força que o ser humano transporta como "O super-homem" (que cada um de nós é no labirinto da vida).
      As flores da celebração eram as da primavera, do jardim, mas também as da liberdade - que se (re)viram nos poemas, no mar, na madrugada (25 de abril) que quebrou a noite e o silêncio (do regime ditatorial). 
      Assim foram evocados os versos da escritora, lidos, partilhados na mensagem de energia, de passagem, de crença e de luta pelo progresso das coisas, de aprendizagem e de vida, sugeridas na diversidade de matizes do coral:

     CORAL

Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha.
                                       (in Coral, 1950)

        Do mais que se dissesse e do muito que Sophia viajou (física e espiritualmente), pode afirmar-se que Sophia, neste território espinhense tão próximo da Granja e marcado pelo mar, é personalidade para um roteiro que não pode esquecer esse leito original de vida:

       INSCRIÇÃO

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.
                                        (in Livro Sexto, 1962)

       Se não tiver ficado a vontade de voltar a Sophia (na poesia, no passeio junto à Granja, na visita ao Panteão, na descoberta do Epidauro, na ironia que perpassa em "As Pessoas Sensíveis"), que esta tenha sido a razão para a vivência de uma libertação; de um momento de recordação; de reencontro com um tempo passado, num presente a caminho de futuro. Com História e com o agradecimento à MCB.