quinta-feira, 14 de março de 2024

A propósito de uma exposição... o reencontro com História(s)

    O convite foi formulado, imediatamente aceite... e assim voltei a tê-los comigo.

   Na sequência do Dia da Mulher (e porque este deve acontecer todos os dias), a Biblioteca do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML) tem o seu espaço ocupado pela presença de uma poeta: Sophia de Mello Breyner Andresen.
    À entrada da escola, nos corredores do edifício, a presença feminina evidencia-se, assim todos possam educar-se com os contributos que muitas mulheres têm deixado, em diversas áreas, para a Humanidade, por razões de abril ou outra que afirme a construção de valores dignos para qualquer ser humano.
     Convidaram-me a partilhar, com alunos de 12º ano, a minha leitura de alguns poemas de Sophia, da minha visão acerca da sua vida e obra. Tarefa difícil, por certo, dada a grandeza de quem foi falado e dado o relevo formativo, poético-literário a salientar para quem ia ouvir. Muitas caras familiares suavizaram o registo, pela lembrança do bem vivido.
    Enquadrada no tema do Plano Anual de Atividades deste ano letivo ("74:24 - o que cabe em 50 anos"), a poesia é tópico de destaque, na expressão comprometida e transfiguradora da sociedade. Se com Antero de Quental a máxima foi "A poesia é a voz da revolução", com a autora de Poesia (1944), Dia do Mar (1947), Coral (1950), Livro Sexto (1962), Grades (1970), O Nome das Coisas (1977), Ilhas (1990), entre muitos outros contributos poéticos, conjugaram-se as forças da terra, da natureza, do mar, da cultura e da erudição para a luz da libertação e da liberdade.
    Sublinhei os traços biográficos da ascendência aristocrática da primeira mulher a receber o maior galardão literário de expressão portuguesa - o Prémio Camões (1999) num puzzle criativo onde generosidade, humildade e sabedoria se refletem em poemas breves com mensagens eternas, como a da entrega e da dádiva poéticas ao leitor:

     EPIDAURO 62

Oiço a voz subir os últimos degraus
Oiço a palavra alada impessoal
Que reconheço por não ser já minha
                                                                   (in Ilhas, 1990)

       Três a cinco versos bastam para trazerem a vida, o(s) tempo(s), a cultura, a pátria, os valores da justiça, da verdade e da dignidade humana à reflexão - motivos mais do que suficientes para que, também, a escritora portuguesa tenha sido reconhecida, no país vizinho, com o Prémio Rainha Sofia (maior galardão para a expressão literária iberoamericana), em 2003.
       2004, 2014, 2024 são datas para Sophia: o da morte, o da trasladação do corpo para o Panteão Nacional, o de celebração de cinquenta anos do 25 de abril - facto histórico que a poeta eternizou em quatro simples versos:

        25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.
                                                             (in O Nome das Coisas, 1977)

Obra de Sophia numa das secções da exposição, na Biblioteca do AEML (foto JR)

    Na versatilidade da obra (em modo lírico, dramático ou narrativo), há imaginário(s) rico(s) portador(es) desses valores que compõem uma ética de apelo ao imaginário, à cultura, à viagem, à descoberta, à origem da luz, do cristalino, da concha, da onda, da força que o ser humano transporta como "O super-homem" (que cada um de nós é no labirinto da vida).
      As flores da celebração eram as da primavera, do jardim, mas também as da liberdade - que se (re)viram nos poemas, no mar, na madrugada (25 de abril) que quebrou a noite e o silêncio (do regime ditatorial). 
      Assim foram evocados os versos da poeta, lidos, partilhados na mensagem de energia, de passagem, de crença e de luta pelo progresso das coisas, de aprendizagem e de vida, sugeridas na diversidade de matizes do coral:

     CORAL

Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
Que nome tinha.
                                       (in Coral, 1950)

        Do mais que se dissesse e do muito que Sophia viajou (física e espiritualmente), pode dizer-se que Sophia, neste território espinhense tão marcado pelo mar, é personalidade para um roteiro que não pode esquecer esse leito original de vida:

       INSCRIÇÃO

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.
                                        (in Livro Sexto, 1962)

       Se não tiver ficado a vontade de voltar a Sophia (na poesia, no passeio junto à Granja, na visita ao Panteão, na descoberta do Epidauro, na ironia que perpassa em "As Pessoas Sensíveis"), que esta tenha sido a razão para a vivência de uma libertação; de um momento de recordação; de reencontro com um tempo passado, num presente a caminho de futuro. Com História e com o agradecimento à MCB.

2 comentários:

  1. Maria do Carmo Barros17 de março de 2024 às 11:52

    Parabéns pelo texto brilhante, que deixa tudo dito, sobre a evocação, sobre a poeta e sobre o significado da obra e da data.
    E muito obrigado pela aula que deu e tanto significado teve para os nossos alunos e para mim.
    Um beijinho
    Maria do Carmo Barros

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    1. Muito obrigado, Maria do Carmo Barros.
      Foi o mínimo que pude fazer para o trabalho que levaste a cabo na "nossa" Biblioteca.
      Beijinho.

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