sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A Fórmula de Deus

    Concluída a leitura de A Fórmula de Deus - quarto romance de José Rodrigues dos Santos, originalmente publicado em 2006 -, registo a minha segunda aventura com a série Tomás Noronha.

     De Einstein à prova científica da existência de Deus; entre o Egipto, o Irão, Tibete e Lisboa; na conspiração internacional com a crise nuclear no Irão; na descodificação de cifras ou na relação que o protagonista mantém com a bela Ariana Pakravan (iraniana portadora duma cópia de um velho manuscrito com um título e um poema enigmáticos), de tudo isto se compõe a aventura narrativa assente numa história de amor, numa intriga de perseguições e traição, numa procura espiritual que se cruza com uma revelação mística e as mais recentes descobertas e questões científicas nos domínios da Física, da Matemática e da Cosmologia. 
      Entre a suspeita de que Albert Einstein estava a planear a construção de uma bomba atómica e a constatação de que os registos apenas davam a ler uma fórmula para provar a existência de Deus, muita informação passa, nomeadamente conhecimentos de vária ordem (científicos, teológicos, religiosos, filosóficos, linguísticos, artísticos). Entre eles contam-se:

. a Teoria de Tudo, que  recorre aos contributos da Teoria Quântica para lidar com o domínio das partículas e a noção de que estas últimas, enquanto subatómicas, podem ir de um estado de energia A para um outro (B) sem passarem pela transição desses dois estados (salto quântico), numa espécie de onda - Einstein constrói, assim, uma teoria unificadora (Teoria dos Campos Unificados ou Teoria de Tudo) que apresenta as forças fundamentais da natureza como manifestações de uma força única e que equaciona a força que faz um electrão andar em torno do núcleo como sendo a mesma que faz o sol girar em torno da terra.

. a Teoria do Caos, enquanto modelo matemático que dá conta de como pequenas alterações num estado inicial provocam alterações profundas no produto final (pequenas causas, grandes efeitos) - a metáfora do bater de asas da borboleta é um exemplo disso, pelo efeito de dominó e de onda. Neste sentido, o caos, sendo síncrono, só parece caótico (tem um comportamento determinista, obedece a padrões que o regem por regras muito bem definidas, é causal, mas é indeterminável; previsível a curto prazo e imprevisível a longo prazo).

. os Teoremas da Incompletude, demonstrativos de que um sistema lógico jamais poderá provar todas as afirmações nele contidas (o real é tão totalizador que é inexprimível, ainda que seja verdadeiro; haverá sempre mistério na sua apreensão).

        Além destes dados, registo ainda alguns dos pensamentos que mais me chamaram a atenção na leitura do romance:

"Eu sou os meus pensamentos, a minha experiência, 
os meus sentimentos. Isso sou eu. Eu sou uma consciência (...) 
e a minha consciência, esta noção que eu tenho 
da minha existência, é uma espécie de programa. Percebes? 
De uma certa forma, e literalmente, os miolos são o hardware
a consciência o software." 
(nas palavras do matemático Manuel Noronha, pai do protagonista - pág. 85).
.

"O segredo da vida não está nos átomos 
que constituem a molécula, está na sua estrutura, 
na sua organização complexa. Essa estrutura existe 
porque obedece a leis de organização espontânea da matéria. 
E, da mesma maneira que a vida é o produto 
da complexificação da vida inerte, 
a consciência é o produto da complexificação da vida. 
A complexidade da organização é que é a questão-chave, 
não é a matéria."
(nas palavras do matemático Manuel Noronha, pai do protagonista - pág. 88).

.

"Não é possível provar 
a existência de Deus, 
da mesma maneira que não é possível provar a sua não-existência. 
Nós apenas temos a capacidade 
de sentir o misterioso, 
de experimentar a sensação 
de deslumbramento pelo maravilhoso esquema que se exprime no universo" 
(numa representação das palavras de Einstein para o ministro israelita Ben Gurion - pág. 21) .

.

"A vida descreve-se em dois planos. 
Um é o plano reducionista, 
onde se encontram os átomos, as moléculas, as células, 
toda a mecânica da vida. 
O outro plano é semântico. 
A vida é uma estrutura de informação 
que se movimenta com um propósito, 
em que o conjunto é mais do que a soma das partes, 
em que o conjunto nem sequer tem consciência 
da existência e funcionalidade de cada parte que o constitui.
 [...] se analisar a tinta e o tipo de folha de um exemplar 
do Guerra e Paz constitui uma forma muito incompleta e redutora de estudar esse livro, por que diabo analisar os átomos e as forças existentes no cosmos há-de ser uma forma satisfatória de estudar o universo? Não haverá também uma semântica no universo? Não existirá igualmente uma mensagem para além dos átomos?" 
(nas palavras do matemático Manuel Noronha - págs. 319-321).

      Um livro será sempre uma busca e um encontro. Neste sentido, pode dizer-se que fiz algum caminho, Caso para dizer, que subscrevo o pensamento einsteiniano tão adequado à ciência como à leitura (como se aquela também não se fizesse desta):


       Pensamentos e interrogações que fazem sentido para um leitor das humanidades. Razão para encarar Deus como a semântica de tudo. Assim se busca o sentido das coisas (talvez numa dimensão mais poética, como a que transcende a própria realidade). Assim se enuncia essa fórmula mestra, também designada como "fórmula de Deus".

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Como será o amanhã?

      Cada vez mais tenho esta questão na mente...

      Mais do que pergunta, registo o tema da incerteza - entre as poucas certezas que vou tendo, algumas das quais perdidas (sem que deixem de o ser).
     Mais pela letra do que pela alegria do ritmo do samba, cruzo-me com o conteúdo desta cantiga:


      Queria encontrar-me com essa cigana que falou em felicidade (sempre).
      Perdi-lhe(s) o rasto.

      O AMANHÃ

A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer
Primeiro amor de um menino...

E vai chegando o amanhecer
Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz
Que eu serei feliz
Sempre feliz...

Como será o amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Como será?...

Como será o amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Mas a cigana!...

A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
Eu sempre perguntei
O que será?
(O que será?)
O amanhã?
(O Amanhã?)
Como vai ser?
(Como vai ser?)
O meu destino?
Já desfolhei
(Já desfolhei!)
O mal-me-quer
(O mal-me-quer!)
Primeiro amor
(Primeiro amor!)
De um menino...

E vai chegando o amanhecer
Oh! Oh! Oh! Oh!
Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz
Que eu serei feliz
Sempre feliz...

Como será o amanhã?
(Como será?)
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Como será?...


    Ganhei nova certeza: a mensagem zodíaca é falsa. Resta "O meu destino será / Como Deus quiser... / Como será?"

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Ciclo de Conferências de Português

       Começa um ano de trabalho(s).

      Vi hoje publicado, no Facebook, o cartaz de divulgação com o produto de uns dias de trabalho intensos e acalorados numa equipa de colegas interessada em partilhar o que se vai fazendo por estas bandas gondomarenses. O desafio lançado pelo Centro de Formação Júlio Resende começou a dar os seus passos mais visíveis.
      Chegou a bom termo a planificação feita. O cartaz do Luís Costa ficou "au point".

















Prospecto de divulgação
Centro de Formação Júlio Resende
Gondomar

      Aqui segue o programa (é só clicar sobre ele, para o ver um pouco maior)


      (Há ali um nome que está muitas vezes repetido. Espero que seja erro tipográfico!)
      Agora que tudo está prestes a começar, é bom ver o que já foi feito.

      E para o que aí vem, só me apetece dizer: no que nós nos metemos! É o que dá quando nos metemos "na língua que (nós) somos".

domingo, 4 de setembro de 2011

Questões do outro lado do oceano (V)

     E para continuar com o tratamento das questões do outro lado do oceano, há que proceder a outros voos.

      Q: O que justifica a acentuação de tu-iu-iú (tui-ui-ú é outra forma de separação silábica)?

    R: Começo por reconhecer o meu desconhecimento face ao referente para o termo apresentado, bem como à forma de pronúncia do termo (se na variedade do Português europeu há oscilação fonética, admito que muito mais haja na do Brasil). De qualquer forma, creio que se trata de uma questão associada à presença de um hiato. A indicação da segunda forma de separação silábica é a prova de que as duas últimas vogais não constituem um grupo vocálico do tipo ditongo. Daí a acentuação gráfica do último 'u', a ser pronunciado separadamente face ao ditongo anterior.
      Após alguma pesquisa, fiquei a saber que se trata de um tipo de ave, símbolo do Pantanal. A designação tem origem indígena e reflete a presença de uma onomatopeia enquanto processo implicado na própria formação da palavra.

    Mais um passo em direção ao mundo desconhecido das aves (nomeadamente das pantaneiras) e da designação musical que estas, por vezes, apresentam.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Questões do outro lado do oceano (IV)

      Porque há dúvidas que fazem sentido, mas há que distinguir os domínios.

   Quando a questão do significado interfere com a construção do sintagma, podem surgir dúvidas desta natureza.

      Q: 4) Em "Ele não é tão inteligente quanto ela", o grau é comparativo de igualdade?

      R: Para uma resposta afirmativa (em termos de sintaxe), acrescento a polaridade negativa que, semanticamente, a frase apresenta. O que acontece é a negação do grau comparativo de igualdade, mas é efectivamente este o que está configurado na frase, atentando nas marcas comprovativas desse grau (tão+Adj.+quanto / como).
      Relembro que as formas de expressão do grau comparativo dos adjectivos, na língua portuguesa, são tipicamente configuradas através de construções sintácticas, evidenciadas pelos seguintes elementos:
       a) grau comparativo de superioridade: mais + Adj. + (do) que;
       b) grau comparativo de inferioridade: menos + Adj. + (do) que;
       c) grau comparativo de igualdade: tão + Adj. + como / quanto.
     Alguns adjectivos admitem a construção do grau comparativo por via do léxico, como é o caso de algumas realizações de natureza etimológica (ex.: bom > melhor; mau > pior; grande > maior e pequeno > menor).

     Pelo exposto, creio ser razoável admitir que a expressão do grau dos adjectivos tem muito mais de sintáctico do que de morfológico (à excepção do grau superlativo absoluto sintético). Às vezes, tem algo de lexical. Quanto à dimensão semântica, não deixa de estar apoiada no que a linearidade ou o sintagma dão a ver.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Questões do outro lado do oceano (III)

     A nova pergunta, nova resposta.

     Já vamos na terceira questão apelidada de "estranha" ou "polêmica".

    Q: 3) Em "Ele fez de mim um homem à sua feição", qual é a classificação morfossintática de 'de mim' e de 'um homem'? 
        Abraço!

    R: O enunciado que propõe é revelador de uma construção em que o verbo ‘fazer’ é realizado como núcleo de uma estrutura causativa, associada ao significado da mutação, transformação (o verbo ‘fazer’ adquire aqui o significado do verbo inglês ‘to make’), com o pronome ‘ele’ a configurar o agente dessa estrutura; o grupo preposição+pronome (forma oblíqua) ‘de mim’, o objecto, ao qual se predica ainda a propriedade resultativa: ‘um homem à sua feição’. 
     ‘Fazer de X Y’ equivale a ‘Transformar X em Y’ ou mesmo ‘Tornar X Y’. A aproximação <‘fazer de X Y’- ‘tornar X Y’> tem de comum a relação predicativa final [X ser Y], que se revê nas construções transitivas predicativas. 
    Neste sentido, o grupo preposicionado ‘de mim’ corresponde sintacticamente a um complemento directo (semelhante à realização acusativa ‘me’); ‘um homem à sua feição’, ao predicativo do complemento directo. 
    A estranheza que pode surgir neste exemplo é o facto de se apresentar um complemento directo com preposição (a qual, por sua vez, selecciona a forma oblíqua do pronome pessoal); todavia, não sendo uma configuração sistemática, não se trata de uma ocorrência tão incomum, tomando em linha de conta as seguintes situações análogas: 
    a) com o complemento directo configurado na forma de pronome pessoal oblíquo tónico (ex.: “Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero”, como o diz Fernando Pessoa); 
    b) quando se pretende evitar ambiguidade entre os casos acusativo e dativo, ambos a poderem ser configurados por 'me' (ex.: Ele fez de mim um homem à sua feição Vs Ele fez-me um homem à sua feição); 
   c) quando o complemento directo é composto, com o segundo termo coordenado na forma de 'preposição + nome' (ex.: Conheço-o e à mãe / Conheço-o, aliás, conheço a ele e à mãe); 
   d) quando o verbo exprime sentimento e o complemento directo se refere a pessoa ou entidade religiosa (ex.: Amar a Deus > Amá-Lo); 
    e) quando se assinala o complemento directo em construções sintácticas invertidas (ex.: Caim matou Abel > A Abel  matou Caim).
    Além disto, convém não descurar a explicação que coloca o 'de' no foco do verbo, encarando-os como um bloco significativo, capaz de dizer que o núcleo predicativo não é 'fazer', mas sim 'fazer de'.

    Espero ter contribuído, e bem, para a partilha.

No último dia de Agosto...

      Chegou o dia que mais temia.

     A chuva ajuda a deixar as férias, mas há sempre a sensação de perda (que vai sendo cada vez mais intensa).
     Folheando a revista Visão, sorrio ao ver a preocupação da moda: o Acordo Ortográfico.
    O novo ano lectivo está prestes a começar e há quem muito se preocupe com a questão, como se fosse possível mudar tudo de um dia para o outro. Além disso, nem tudo é tão simples como se quer fazer crer.


'Caracter', 'característica' e 'caracterizar' não! 
Ficam ao sabor do falante (que diga o 'c' ou não).

     O certo é que a Visão deu um ar da sua graça, com a proposta feita.
     Talvez ajude a mudar (com um espírito mais leve, ameno, engraçado):

   
     Entenda-se por caixa baixa letra minúscula. Outono só terá maiúscula (caixa alta, na gíria editorial) quando abrir uma frase (como esta!)

   Por ora, ainda em tempo de verão (também pequeno), não há estação que escape à pequenez (depois do outono, há o inverno, até que cheguem a primavera e o verão). Verão como o verão será mais pequeno!