quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Nem paraíso nem exemplo para nada

     Entre os ecos recriados do passado e os sinais prenunciadores de um futuro tão próximo, Elysium é filme que incomoda qualquer ser humano que reveja o presente na ficção.

      O título fílmico evoca o espaço mitológico do Elísio, identificado com o paraíso. Assim revisto na tela, uma diferença substancial emerge: se na mitologia grega era lugar do mundo dos mortos, na película cinematográfica configura-se como estação espacial estelígera construída para os vivos "sobreviventes" destinados a uma vida utopicamente composta de seres bem sucedidos, estrategicamente empenhados na preservação seletiva de privilégios associados ao bem-estar, à saúde, ao requinte, à organização faustosa de um mundo tecnologicamente evoluído e desejado por todos (inclusive pelos muitos que pouca possibilidade têm de a ele aceder).
     O ano 2154, no qual se localiza a história, retrata a Terra como se de Tártaro se tratasse: superpovoada, feita do caos ruinoso típico das imagens do terceiro mundo, tão distante do paraíso quanto ela se apresentar controlada por andróides que subjugam humanos, tomando-os como meras peças controladas e condenadas à prisão do trabalho (es)forçado.


     É neste contraste que agem personagens representadas por Matt Damon (Max Da Costa, um operário que sofre um acidente de trabalho, com elevados índices de radiação, e que tudo faz para sobreviver à morte a que está votado, a não ser que, no período de cinco dias, chegue a Elysium e usufrua de máquinas restituidoras da cura para qualquer doença), Jodie Foster (Delacourt Rhodes, Secretária de Estado da Segurança de Elysium que ambiciona a presidência do lugar e que promove forçosamente leis de anti-imigração, por forma a manter o modo de vida dos cidadãos eleitos), Alice Braga (Freya, amiga de infância de Max, médica, que partilha o sonho de ir para Elysium e que, graças ao companheiro de orfanato, acaba por beneficiar das "virtudes elísias": com uma filha condenada à morte, por leucemia, vê-a sobreviver, quando Max tudo faz para a salvar do trágico destino) e Sharlto Copley (agente Kruger, um humano comprometido com os interesses de Delacourt e que acaba por se confrontar tanto com Max, evitando que este faculte a condição de cidadão de Elysium a todos os habitantes da Terra, como com Delacourt, a ponto de a matar e de procurar presidir ao "paraíso"). 
       No conflito entre as forças do bem (Max e Freya) e as do mal (Delacourt, Kruger), Max traz a nota de esperança e da igualdade conseguida para todos os habitantes da Terra. Como a irmã do orfanato o predissera, ele estava destinado a fazer algo especial: concretizou o sonho de ir a Elysium com Freya, libertou a filha desta última de uma morte inevitável e os humanos da condenação "tártara". Em troca, perdeu a vida.

      Sem ser filme que apazigue em tempo de férias, vale pela mensagem final. A ação, ao longo de quase todo o filme, inquieta o espectador, retratando figuras controladoras que se reveem no nosso dia-a-dia político (pleno de descrédito, de interesse e compromisso egoísta, de inação face à qualidade de vida dos cidadãos); comportamentos irascíveis, inverosímeis e que desacreditam a busca do bem comum; a apologia de uma força apocalíptica, ainda que libertadora e heroica, sacrificadora do bom da fita.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Completo DesAcordo

      Em tempos (ainda) de discussão do Acordo Ortográfico (AO), cumpre-se serviço público televisivo em completo desacordo.

       Na rubrica "Bom Português" do programa "Bom Dia Portugal" (RTP1), lançou-se hoje uma questão relacionada com a formação do plural de um nome composto. Até aqui nada a apontar (numa área com alguma instabilidade), não fosse o facto de se radicar o exemplo à divulgação do Acordo Ortográfico. A pergunta emitida na "lição" chegou mesmo a ser introduzida com o seguinte discurso: "Com o Acordo Ortográfico, o plural da palavra 'leão-marinho' é 'leões-marinhos' ou 'leão-marinho'?" Não bastasse a oralidade, a própria imagem do escrito acaba por o confirmar:


    Pronunciaram-se os transeuntes, uns, pela primeira, outros, pela segunda hipótese. No final, foi estabilizada a resposta com o 's' acrescido nos dois termos da palavra formada por composição (à semelhança do que acontece com a generalidade dos compostos constituídos por um nome mais um adjetivo).
    Ora, não sendo a primeira vez que esta mesma questão é formulada, torna-se bastante crítica a inconsistência repetidamente produzida. Falar do plural das palavras não é um assunto para relacionar com a ortografia, em sentido lato, e muito menos com o AO. Se o foco tivesse a ver com a escrita propriamente dita do vocábulo (com / sem hífen, por exemplo), faria algum sentido a introdução criada; não tendo, o "bom português" devia manter-se na resolução de um aspeto frágil apenas associado à morfologia (no capítulo da flexão em número).

    Lamentável, pois, a desinformação criada, para não dizer mesmo o serviço público mal prestado, confundindo-se um tema de natureza linguístico-gramatical com uma área estritamente do domínio convencional da escrita. Se o tópico do AO já é de si polémico, trazê-lo à praça por questões que não lhe dizem respeito mais agudiza a situação (quando, supostamente, o objetivo é o oposto).

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Nem com vegetais isto vai lá!

     Depois da questão do acento gráfico de ontem, vem um caso crítico para um diacrítico.

    Quem quiser fugir à bolonhesa, não tem grande sorte na qualidade gráfica dos alimentos propostos por um bar-restaurante da nossa praça. Mesmo com os vegetais, a situação é crítica.


     Percebo melhor a dificuldade causada pela troca dos grafemas 'ç' e 's' do que propriamente o erro em causa, pois neste há apenas a considerar que o som [s] pode ser representado, na escrita, entre outras formas, por 'c' ou 'ç'; escolher uma destas últimas significa ter em mente as vogais que as seguem: 


     Para se ler [s], tanto o 'e' como o 'i' não querem 'c' cedilhado; só o 'a', 'o', 'u'. 
    A título de síntese, segue-se um caso semelhante (mais uma ementa!) e um registo ex(em)pli(fi)cativo :


       Para saber mais, nada como ir às gramáticas e ler o que nelas se encontra acerca desta questão ortográfica, que o autor da ementa precisava de ter sabido:


     Antes de escrever 'c' ou 'ç', cuidado com a vogal que vai aparecer - pode parecer cantilena, mas ajuda no cuidado a ter.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Acento indeciso

    Já várias vezes me pronunciei relativamente à acentuação gráfica e a esse erro, mais do que batido, do acento agudo quando deve ser grave.

    Ter, num mesmo documento, indecisão quanto ao acento a usar é motivo para perguntar se não será fraqueza nos olhos:


    Dúvidas tivesse, lá ia eu acabar por escolher lasanha (cujo modo de confeção se encontra bem grafado). O esparguete tinha mau aspeto, só pela forma como estava escrito no menu, na carta, na lista ou na ementa (À, sublinho, À moda que preferirem).
    O esparguete é confecionado A uma certa maneira: A (maneira) bolonhesa. Daí a contração a pedir acento grave (tal como na lasanha).
      Leia-se 'acento indeciso' como hipálage do verdadeiro indeciso: aquele que o escreveu de modo incerto.

     E, assim, o acento acabou por me dar fome. Vai um Esparguete À Bolonhesa?

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Aqui, neste lugar e nesta hora

      Assim se lê no busto-homenagem ao poeta, no eiro de São Martinho da Anta.

      Para honrar o dia e o mês do aniversário do poeta, diria 'Hoje, neste dia e neste mês'.
      Melhor do que ninguém, o próprio falou dessa hora em que cada um de nós bebeu "o ar do mundo aos gritos"; a hora que também foi a sua e que se prolongou na do nascimento da filha Clara Rocha. Assim nasceram os versos:


      Adolfo Correia da Rocha nasceu para dar origem a Miguel Torga: torga, pela planta transmontana conhecida como urze campestre, da cor de vinho e com as raízes resistentes, saídas das rochas; Miguel, por ser nome ibérico e inspirado em dois grandes escritores peninsulares (Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno).

       Há 106 anos, o homem; depois, o escritor, o poeta, o dramaturgo, o contista, o ensaísta, o eterno candidato ao Nobel da Literatura que, em todas as circunstâncias, dizia trocar a mulher por um verso e não poder abandonar Portugal (mesmo em razão de força maior) por ter de levar consigo "o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua".

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A morte natural na livre doçura criativa

    Que melhores palavras para homenagear um dos escritores mais produtivos da contemporaneidade com tanta intemporalidade?

     A imagem do sorriso e do ar afável de Urbano Tavares Rodrigues suaviza a notícia triste da sua morte. O autor de A Hora da Incerteza (1995) deixa-nos no momento em que se anuncia a chegada de Nenhuma Vida, romance para lançar pela celebração dos seus noventa anos (ainda este ano, segundo a Publicações Dom Quixote).
    Nele, em jeito de prefácio, há já um tom de despedida iluminada, no modo panteísta e socialmente comprometido com que viveu.:

  "Daqui me vou despedindo, pouco a pouco, lutando com a minha angústia e vencendo-a, dizendo um maravilhado adeus à água fresca do mar e dos rios onde nadei, ao perfume das flores e das crianças, e à beleza das mulheres. Um cravo vermelho e a bandeira do meu Partido hão-de acompanhar-me e tudo será luz".

     Num percurso literário feito de influências existencialistas (com notas de náusea e servidão), marcado por luta política e pela consciência na intervenção social (seja na oposição à ditadura de salazar seja na afirmação de convicções pela defesa de valores humanistas, dignificadores do Homem em Sociedade), assumido pelos tons de intimismo e doçura perante o amor e a morte, viveu o Homem que cedo descobriu o desejo de justiça social.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Frescuras... desnecessárias

    Por mais que seja apreciador de café...

   Em tempo de férias e de calor, vem a publicidade lembrar que os oásis existem por maior que seja o deserto.
    Também a frescura chega. E mesmo para os que, como eu, não morrem por gelados, não deixa de haver café propício ao calor dos dias.
    Na tentação do produto, pena é que a publicidade apresente o mau exemplo: um acento gráfico que não devia existir.
  Erro comum este o de se colocar acento nas palavras terminadas com o sufixo "zinho". Tendo este último duas sílabas e estando o acento fónico na penúltima, naturalmente a palavra com ele derivada tornar-se-á grave. Logo, diz a regra habitual e geral do Português, não há necessidade de acentuar graficamente a palavra.
     Uma empresa como a "Olá" devia primar pela qualidade dos produtos que anuncia, não vá um apreciador de café coincidir com um professor de Português e denunciar a má publicidade concebida.

    ... não há frescuras destas que quebrem o gelo. Apetece dizer que é café zero na língua.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O poder do espírito humano sobre qualquer tipo de crise

     Concluída a leitura do novo livro de Dan Brown (Inferno), destaco quatro pensamentos.

     Para não me centrar naqueles que produzi de cada vez que (me) revia (n)os percursos de Robert Langdon e Sienna Brooks por Florença ou Veneza, recupero os que a obra dá a ler, a propósito da intriga criada e da aventura tão maniqueísta quanto mirabolante (e doentia) que o leitor recebe.
     Começando pelo fim:

     Epílogo: 
     Em tempos de crise, não há maior inferno que o da inação.
     (Bem contemporâneo, oportuno e de uma atualidade assustadora)

     Cap. 79: 
     A braços com o desespero, os seres humanos tornam-se animais.
     (Tantos políticos precisavam de saber isto, quando falam de austeridade!)

    Cap. 79: 
   É fisicamente impossível para a mente humana não pensar em nada. A alma anseia por emoções e continuará a procurar combustível para alimentar essas emoções, sejam boas ou más.
      (Tantos a escolher o combustível errado...)

    Cap. 50: 
  É o conflito entre Apolo e Dioniso um dilema famoso na mitologia. É a velha batalha entre a mente e o coração, que raramente querem a mesma coisa.
    (E no meio deles vive o Homem, sobrevivendo qual pequeno deus, aos tropeções, na descoberta do caminho que o possa engrandecer)

     Se a narrativa começa num registo autodiegético singular para a escrita de Dan Brown, a mente ímpar do protagonista que morre na abertura do romance é o espaço que o leitor terá / deverá descobrir, nos referentes que dá e no alinhamento lógico que os cento e seis capítulos reconstituem, num engendramento manipulador.
    Nas doenças que atravessa(ra)m o tempo e o(s) espaço(s); na ilusão e no delírio criados para, estrategicamente, se mascarar o jogo de perseguidores e perseguidos, a ponto de se apagar o que não se quer deixar ver; nos códigos e símbolos que a todo o momento se reveem e se ajustam à questão crítica apresentada a qualquer ser humano atento e reflexivo, em busca de soluções e dando a cara pela resolução dos problemas que o assaltam, Inferno é uma apresentação dantesca (literalmente associada a Dante e à sua Comédia) não só dos poderes a que o Homem está sujeito como também da manipulação que sofre quando menos espera e/ou quando o seu espírito (ou o de quem o governa) se arreda dos desafios colocados em evidência.
     De resto, entre perseguições, mistérios, enigmas e falsas pistas, há sempre uma espécie de Bond e de 007 erudito a operar, na companhia de uma bela jovem (mesmo que a beleza feminina aqui se revele bem mais espiritual do que física), com uma pitada de cultura a temperar as fugas milagrosas que sempre acontecem aos heróis. 

      Do princípio ao fim, Florença (qual personagem vicentina, na alegoria próxima ao mal revisitado na doença) e Dante (o autor dos versos que dão a chave, a aproximação previsível ao final feliz - o do desejado Paraíso, depois do Inferno e do Purgatório - e cuja máscara mortuária é reposta no Palazzo Vecchio como símbolo do retorno à normalidade).

domingo, 4 de agosto de 2013

Arrumações com poesia

      Na arrumação de papéis que se acumularam ao longo do ano letivo, cruzei-me com um poema.

     Ora pelo resultado do pó depositado ora pela sugestão do tema evocado, os versos que partilho libertam-se do lixo (a que foi votado o papel, que, por alguma razão de muita importância outrora, mas hoje tão relativizada, foi guardado até ao dia de hoje).

      A COMICHÃO DO POEMA

Assentado me estou
numa estrutura
de pura literatura.
Minha avó me aconselha:
escrever sem que torça a orelha
comer sem que estoire a barriguinha;
melhor é tentear do que fazer poemas de cernelha
pegados à moda antiga.
Melhor de facto avó do que sonetos
pegados com saliva
são estes tersos versos de formiga:

   uma palavra preta
   com cem patas
   apoquenta o poeta
   que a procura de gatas.

   Pica-lhe o traseiro
   entra-lhe nas unhas
   faz-lhe o mal primeiro
   do que a caramunha.

   A palavra insecto
   corre-lhe nas pernas
   ameaça o reto
   e as partes internas.

   O poeta cata
   fala mais barato
   chamando-lhe ingrata
   descalça um sapato
   e ei-lo que mata
   o poema-chato.

                                       José Carlos Ary dos Santos
                                       in insofrimento in sofrimento, 1969

     Porque há poemas que causam tal sensação - por mais conceituados que os poetas sejam -, vou para a banheira libertar-me do sujo e do escuro do pó e, quem sabe, de algumas palavras pretas, que me possam lembrar ou levar a alguma chatice (essa condição tão abjeta quanto a do inseto sugador e parasita que a provoca), para não dizer a algum aborrecimento.

    A poesia também tem destas coisas tão banais quanto os efeitos do sentir e do(s) sentido(s).

sábado, 3 de agosto de 2013

Falta de toque

    Fica o aviso: o toque podia ser mais agradável à língua.

  Já houve oportunidade de referir que as rainhas nem sempre têm coroa (metaforicamente falando). O mesmo sucede com as campainhas: podem ter botão, pêndulo ou outro dispositivo que provoque som, mas o toque não é garantido. Nem seguro.
   Eis o que motiva esta reflexão, duas fotos em dois locais distintos com a mesma questão crítica:

Pormenor de uma foto tirada num local religioso na cidade de Gondomar

Pormenor de uma foto tirada numa loja da cidade do Porto

      Conforme o já explicado, a etimologia explica que nem sempre 'ai' seja ditongo (junção de uma vogal com uma semivogal, numa só sílaba); pode ser hiato (encontro de duas vogais pertencentes a sílabas diferentes). É o caso de 'campainha', palavra portuguesa que decorre da queda intervocálica de [n] do termo latino campanīna-).

    Assim sendo, não há acento em 'campainha', nem em 'rainha' ou 'juiz' por razões de história da língua.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Áurea em momento áureo

     Um concerto ao vivo, na Avenida 8 (Espinho), com momento áureo.

     Foi assim na noite de hoje: a voz de Áurea para os espinhenses, num espetáculo de rua para todos os que a quisessem ouvir.
    Foram cerca de duas horas com muitos dos êxitos a serem cantados em palco montado em plena alameda junto ao Casino local.


      BUSY (for me)

I tried to call you
But you didn't answer the phone
I tried to pick you up
But you didn't come along
I tried to talk to you
But you didn't even answer me
I tried to reach you
But you're so high up above

Oh baby,

I try every day
I cry every night
For a second of your time
But you're so busy for me
You don't care for my plea
So I cry.Cry.Cry, cry... 

Oh... 
I tried to tease you
But you didn't even care
I tried to love you
But your heart closed its doors

Oh baby

I try every day
I cry every night
For a second of your time
But you're so busy for me
You don't care for my plea
So I cry, cry, cry, cry... 

So you didn't come along
You didn't answer
You didn't care
You closed your heart for me

Oh... 
(I tried to call you... Pick up the phone)

You're so busy...

     Quem assistia dançava e cantava ao jeito que Deus lhe deu - uns melhores, outros piores -, mas sempre acompanhados pela sonoridade e qualidade de uma voz que não precisava de arranjos técnicos para afinar:


       Okay alright

There's a long and open road
laying on my way now
I don't need to stop and think about it
'cause my heart will guide me through

you don't need to promise me the moon
just sit with me and watch the moonlight
then every little star will sing this song
and if you feel good, come on
just sing along

I'm okay, I'm alright
I got good feelings on my mind
I'm okay, I'm alright 
with you (bis)

Love is like a tiny little sparrow
you can't hold it on a cage no no you can't
it flies free through the morning breeze
only guided by a wild warm heart

'cause you don't need to promise me the whole sky
just sit with me and watch the sunrise
set yourself free and breathe deep inside
and while you do that, come on
and just sing along

come on now

I'm okay, I'm alright
I got good feelings on my mind
I'm okay, I'm alright 
with you (bis)

     Noite áurea para uma Áurea que deixou os espectadores a pedir mais, mesmo depois dejá se ter despedido e ter regressado ao palco. É que o 'encore', pelos vistos, não dá para três vezes. Só duas.

    Uma noite para se poder dizer "I'm OK, I'm alright (with you)'.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

À la française, pois então, com muito de "portugais".

    Em dia de estreia do filme em Portugal, houve bacalhau (não com todos) para todos os que o quiseram trazer.

     A imagem de um Portugal composto por Fátima, futebol e fado impõe-se mais pelos dois últimos termos do que pelo primeiro. Não se pode dizer que seja a dramática visão de um país salazarista e salazarento, mas possivelmente a que foi motivada e construída a partir da realidade da emigração desses tempos (que parecem não estar tão distantes quanto isso). Ainda assim, entre a louça de Viana e o retrato de Amália, lá figura no quarto do casal Maria e José Ribeiro a foto dos três pastorinhos, "comme il faut".
     Eh voilá! Visto por mais de um milhão e meio de pessoas só em França, "A Gaiola Dourada" (La Cage Dorée, no original) é uma comédia realizada por Rúben Alves, filho de emigrantes portugueses, que dedica a película aos próprios pais. Nela se retrata um casal português de trabalhadores empenhados, já há mais de trinta anos em Paris e com um sentido de reconhecimento e de entrega àqueles com quem vive no dia-a-dia; àqueles que estão na iminência de deixar, para poder assumir a inesperada herança de uma casa na zona do Douro vinhateiro (afinal, a ânsia do emigrante que vê o regresso como objetivo final, na expressão que este adquire da casa e da terra próprias).

     Making of do filme "La Cage Dorée" (2013), de Rúben Alves.

      O nome Maria para porteira de um prédio burguês chique, altamente especializada na limpeza de vidros; o mestre de obras José, que chega responsável de construção de um centro comercial pela qualidade do trabalho, além da delicadeza no tratamento de bonsais; o chamamento esganiçado e familiar do "Pedro Henrique"; a filha independente que tem uma relação com o herdeiro Caillaux (o patrão de José); o filho que é o comum adolescente, na crença de que tudo controla a seu proveito; os fumos da sardinhada e a cervejola com que se rega as buganvílias no pátio do condomínio fechado são alguns dos ingredientes que, a par da voz da Linda de Suza, do fado comovente e da música de Rodrigo Leão, se combinam numa história que ainda contempla a frivolidade, o ridículo e o desajustamento de todos os que querem dar a imagem do que não são ou dos que parecem não querer assumir o que verdadeiramente querem.
     Desta forma surge o riso, em vários momentos da película: no confronto de registos e de idiomas próprios de um bilinguismo criticamente assumido; na interação de duas famílias bem distintas (a dos trabalhadores portugueses e a da burguesia francesa, principalmente identificada com a dos Caillaux); no jogo de costumes e de interesses que faz, por vezes, perder o que há de mais genuíno para se entrar no domínio do postiço e da encenação;  nos estereótipos culturais, desmontados numa clara sátira ao que ambos os lados têm de caricato e exageradamente real (seja no português, que pretende demonstrar o requinte que se acha capaz de imitar, seja no francês, que julga tudo saber sobre Portugal, como se de Espanha se tratasse).

      Com a representação assumida por atores portugueses e franceses, Rita Blanco, Joaquim de Almeida e Maria Vieira têm bons parceiros em Robert Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita, Lannick Gautry - o retrato do convívio de comunidades que procuram ultrapassar barreiras sócio-culturais e linguísticas, buscando as raízes e o sentido daquilo "que é bom" (e que, por certo, não tem só a ver com o Douro, com o vinho e com bacalhau) no ser humano. Saídos da "Gaiola Dourada" da civilização, um pouco queirosianamente (à laia de A Cidade e as Serras) são a serra, o Douro e o verde vinhateiro que firmam o tom de alegria final. C'est tout!