segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Abrir um buraco no céu

       À falta de teto no local do espetáculo, o céu podia ter sido o limite.

Rami Malek numa interpretação grandiosa de Freddie Mercury
     Na versão fílmica de Bohemian Rhapsody, (dirigida por Bryan Singer), Freddie Mercury assim definiu os efeitos da sua participação, com os Queen, no Live Aid do estádio de Wembley (concerto realizado a 13 de julho de 1985, para obter fundos em favor dos famintos de África, precisamente da Etiópia). Não fosse o facto de a ovação dos espectadores ter sido extraordinária (tanto no estádio como em diferentes pontos do mundo, dada a transmissão do espectáculo por satélite), também não foi menor essa partilha de vozes que público e músicos concertaram ao som de 'We are the Champions', 'Radio Ga Ga' ou 'We Will Rock You'. Abriu-se um buraco no céu, mas também se fez que este descesse à terra.
     Com as sonoridades de 'Love of my life', 'Bohemian Rhapsody', 'Hammer to Fall' ou 'Under Pressure' (em dueto com David Bowie), além de muitos outros êxitos do grupo, veem-se, no filme, "quatro desajustados" que dizem "não se encaixar", mas a tocar para o mundo (que não é feito apenas de desajustados e que os "encaixou" para sempre):

Montagem com os trailers oficiais de Bohemian Rhapsody (2018)

     Entre experimentalismos musicais, fusões de géneros, excentricidades versáteis do vocalista, cumplicidades interativas com um público numeroso e diverso, Queen tornou-se numa das melhores bandas de rock do século XX e teve em Freddie Mercury o cantor, o pianista, o compositor - o criativo que se ofereceu para o grupo nos anos setenta e definitivamente o abandonou em 1991 (com a sua morte, um dia depois de ter assumido publicamente que havia contraído SIDA).
     A associação fílmica do concerto a uma espécie de canto do cisne do vocalista, não sendo facto por ainda ter havido muita produção musical após o Live Aid, resulta numa abordagem emotiva distanciada face às vivências factuais do também conhecido Larry Lurex - aliás, muitos outros momentos da trilha cinematográfica configuram essa emotividade construída, nomeadamente, o da relação com a namorada Mary Austin (surgido muito depois de Mercury já se ter celebrizado); o do conhecimento do companheiro John Hutton (ocorrido numa boate e não num festa doméstica); o da suposta separação dos Queen (não tão assumida quanto o filme faz parecer, nem sequer por Mercury ter sido o primeiro do grupo a ingressar em projetos a solo, pois já o baterista Roger Tylor o havia feito primeiro).
     Numa projeção dos êxitos musicais da banda e num registo semibiográfico de Farrokh Bulsara (Mercury), há também na tela apontamentos do tipo documentário (como os do Live Aid), o que faz de Bohemian Rhapsody uma obra interessante, momento de entretenimento e de revisão do percurso ficcionado dos Queen (desde o enraizamento no grupo Smile, quando um operador de malas do aeroporto de Heathrow conhece o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor) até à construção do álbum de estreia 'Queen' (1973), bem como à gravação do emblemático 'A Night at the Opera' (1975). A par das conquistas e sucessos obtidos pelo mundo, vêm as intrigas na banda entrecruzadas com os dramas de Mercury, pautados entre a excentricidade e a redenção no final da história.

    Um tributo aos Queen e uma homenagem ao percurso de vida desse jovem que, nascido na Tanzânia, contribuiu, nos anos setenta a noventa do século XX, para que fusão de géneros e a criação de sonoridades experimentais fizessem da música expressão nova de uma (outra)"Royal Highness".

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Palavras a Lúcia - de luz a uma forma de ver os dias

        Em trinta e dois apontamentos de vida,  se (re)descobre uma mulher.

    Numa dedicatória manuscrita, lê-se que a obra é feita de "páginas femininas". É um dado categórico, ainda que não seja facto menor o de nelas também figurarem homens que, em múltiplas vertentes, mostram formas de estar e de viver bem para lá do que seja ser-se masculino ou feminino, Acima de tudo, encontra-se o ser humano na sobrevivência e na felicidade do(s) tempo(s).
     A Drª. Lúcia carrega no nome a luminosidade, a lucidez, a “luz” de ver as coisas que nem sempre lhe são fáceis, mas com o sentido que a experiência de vida lhe trouxe (pelo vivido, pelo lido, pelo escutado, pelo visionado, pelo sonhado). A sua condição de "quase cinquentona", ao ano de 2015 (o dos registos do diário), conjuga-se com esse papel que cumpre e partilha na relação "íntima deste teclado" (pág. 95), como se as páginas folheadas pelo leitor fossem mais visionadas no monitor de um portátil do que tateada na gramagem das folhas. Mais sobressai a partilha da sua visão do mundo tão afim a todos os que se deixam pautar pela sensibilidade e pelo gosto de fazer da/na vida o que ela tem de bom (mesmo quando esta nem sempre o dá).
     Entre janeiro e abril, a escrita acontece. Lúcia foi escrevinhando, diarinhando, na sequência de alguns dias ou na suspensão de outros; entrecortando, segundo a vontade ou o tempo liberto da fatalidade da rotina. Aspetualmente marcado ora pela duração ora pela iteração, o ato de escrever é encarado como "o melhor modo de fazer as pazes comigo, de tentar descobrir o que há que me faz sair daquele mim que julgo ser eu para aquele mim anestesiado para o que vai no mundo" (pág. 11).
     9 semanas surgem contempladas, no terço inicial de um ano, com os ingredientes de surpresa, sedução e suspense, mas também os de recordações (da infância e adolescência), de algumas rotinas (as do trabalho) e regressos (às origens, a Moncorvo). Há amor e dor, há cómico e seriedade reflexiva, há apontamentos ensaísticos, há perceções da arte (cinéfila, literária) e da vida (real, imaginada), há dúvidas e curiosidades que vão sendo resolvidas, satisfeitas à medida que as interações se fazem, principalmente, com o senhor Antunes, a dona Maria do Carmo. Há perdas: umas definitivas, outras por resolver - o tempo e a vida dirão se haverá lugar para tal.
       A diferença entre estar sozinho e viver só é também explorada nas páginas deste diário, ainda que a orquídea (uma das"meninas vestidas de lilás") permita, tal como o ato de escrita, "tentar remendar o dia, atar pontas soltas" e tornar o dia(mais) feliz. A Perpetuazinha fica; nos cuidados de Lúcia ou do senhor Antunes, está lá na narrativa para não só combater a solidão mais do que septuagenária como também tornar o dia "Solitariamente feliz" (pág. 57).
      Apreciei o texto pelo discurso tanto literário quanto natural; pelo veio investigativo e detetivesco introduzido e aplicado a um ponto narrativo que alimenta a curiosidade leitora; pelas lembranças e pelo cruzamento de referências musicais, fílmicas, literárias tão geracionais como familiares; também pelos valores e pela visão de mundo da Drª. Lúcia; por fim, mas não menos importante, também por esta última ser do "FêQuêPê" (a ficção é mesmo uma boa alternativa à realidade)!
      Cerca de cem páginas (faltam cinco) que se leem muito bem e, passo a citar, "gerundivamente":

Numa página de Facebook, datada de 23 de dezembro

      Obrigado, Maria Clara Miguel ("também e sempre Zá").
   
    Ao fim da leitura da obra, reluz alguma serenidade, com os preparativos de uma viagem, de um regresso às origens (sempre diferentes do ponto de partida) e de uma conformação inevitavelmente a construir, para sobrevivência na vida e na sociedade que temos, onde se buscam afetos e "aconchegos coletivos".
     

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Um presente... natalício

    Na véspera de mais um Natal, sem (des)(en)canto,...
   
    Mais um ciclo prestes a fechar, para que um outro se abra. É ainda Natal. Em qualquer registo.

Presente natalício (Foto VO)

    Do presente, que é tempo e que é dádiva, se faz também o lugar e a pessoa cumpridos a cada nascimento. E pode ser o do mais bonito poema de Natal.

    ... que este seja o presente de cada dia - porque o Natal é quando um Homem quiser.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Do citador ao citado... qual o prestígio da citação?!

      Está no Facebook (na página do 'Acorda Portugal'), aos olhos de quem quiser ler.

      Já nem me pronuncio por quem é citado ou por quem cita. Fico-me pelo que é citado:

in https://www.facebook.com/AcordanossoPortugal/

    Não há prestígio efetivo que aguente com tanta falta de qualidade no português utilizado: "Alguns poucos deputados PÕE...". Põe-se verdadeiramente em causa a qualidade do escrito e de quem escreveu a 'coisa' (por não ter ou não querer, por agora e aqui, usar termo mais indecoroso). 
     Quanto aos deputados e ao parlamento, nas próximas eleições, há que fazer melhores escolhas, por certo. No que toca ao português, seria bom que fosse mais legitimador da crítica pretendida, sob pena de se ridicularizar mais a forma de expressão do que o suposto fundo de verdade da mensagem.
     
   Um verdadeiro caso de violação da coesão frásica, no que à concordância do sujeito-predicado (particularmente no núcleo verbal) diz respeito. Caso para dizer "Fecha os olhos, Portugal!"

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Coletivos... com plural

     Já lá vai o tempo de só a forma singular significar o plural - generalização a redefinir.

     Não tem que ser singular, definitivamente.

       Q: Olá, Vítor,
     Pedi a classificação da palavra "géneros" e "etnias", pensando, respetivamente, num nome comum, masculino, plural e num nome coletivo. No entanto, os dicionários só falam em nome feminino para "etnias" e, de facto, neste caso, está no plural. Ou seja, eu tinha pensado em "etnia" como «grupo de indivíduos que partilham historicamente uma unidade cultural e linguística comum e nela estão fortemente vinculados entre si» (cf. Infopédia), mas, aquando da correção, reparei que a palavra estava no plural...
          Podes ajudar-me?

      R: Olá. 'Etnia' é um caso de nome coletivo, sim, enquanto classificação semântica associada a um nome comum. Ambas as classificações não são, portanto, incompatíveis, atendendo ao facto de se conjugarem critérios distintos: 'comum' é a propriedade semântica para referência a entidades que não convocam referentes únicos (admitindo complementação, modificação restritiva e pluralização), em contraste com nome 'próprio' (completamente determinado, sem complementação ou modificação restritiva e tipicamente sem flexão quanto ao número); 'coletivo' é a propriedade semântica de quantificação ou de qualidade associada a um termo que, na forma morfológica do singular, comporta já a noção de quantidade plural, de grupo, de parte plural do todo geral ('regimento' ou 'companhia' do 'exército', por exemplo) ou de conjunto de entidades do mesmo tipo / espécie.
      Quanto ao facto de 'etnias' aparecer na forma do plural, isso não quer dizer que o nome deixe de ser coletivo; é-o, na verdade, antes de tudo configurando uma realização contável desse nome (dada a existência de diferentes etnias, tal como multidão / multidões, rebanho / rebanhos, família / famílias). Daí, no Dicionário Terminológico os contrastes básicos dos nomes serem 'nome próprio / nome comum' (ao nível da referência) e 'nome contável / não-contável' (ao nível da quantificação). Os coletivos podem ser contáveis (daí admitirem o plural quantificativo) ou não-contáveis (admitem o plural apenas para expressão de diferentes qualidades, e não propriamente quantidade).
      Portanto, 'etnias' é um nome comum [contável] coletivo.

      Entre os nomes coletivos contáveis (ex.: arquipélago, banda, cancioneiro, cardume, equipa, exército, povo) e os não contáveis (ex.: flora, fauna, rapaziada, passarada), só estes últimos não admitem a forma do plural.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Dia final ou do futuro desconhecido

     Como se alguma vez o futuro fosse conhecido... ou se soubesse o que ele trará.

   Há 83 anos falecia um dos grandes nomes da Literatura Portuguesa: Fernando Pessoa. Partia a pessoa, ficava a obra de um poeta do séc. XX, hoje imortalizado numa escultura de bronze junto ao Café 'A Brasileira' (Lisboa-Chiado).
     Houve quem referisse a sua passagem por esta vida como um "rastro de luz". Hoje é bronze, brilhando em dias de sol; baço pela sombra e pelo nevoeiro que o perseguem; lavado e banhado em dias de chuva, seja ela oblíqua seja batida pelo vento que passa; sentado à espera de quem o acompanhe à mesa de uma esplanada.
      Se, primeiro, se estranha e depois entranha, não é questão que o preocupe. Há que ir ao seu encontro, procurá-lo; o contrário não acontece. Só uma vez, e ficcionalmente, tal ocorreu: em O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), de Saramago, Pessoa foi ao encontro de Ricardo Reis. Visitou-o no quarto do hotel Bragança, depois de ter sido procurado no cemitério e não ter sido encontrado. Foi o criador, ou o criativo, à procura do ser criado, já que este último pretendia homenagear o primeiro. Ambos, no final do romance, caminharão para essa eternidade que, de morte feita, faz passagem para todo um sempre, numa espécie de libertação face a uma realidade que dói, instala a crise e se mostra como labirinto da vida humana.
    Há quem ainda não lhe dê o valor já por muitos outros reconhecido (nomeadamente franceses, brasileiros, leitores do mundo que deram a ler, aos portugueses, a modernidade no pensamento e nas letras poéticas, ainda em tempos de uma ditadura que pouco mais via do que 'Deus-Pátria-Família').
      Fica o apontamento de mais um trinta de novembro.

    Lagoa Henriques criou essa presença eterna, intemporal do escritor de toda a gente e ninguém, que fez de Lisboa o seu mundo. Lisboa rima com Pessoa - dela partiu (até à África do Sul), a ela voltou para ficar e poder 'viajar' ("perder países").

sábado, 24 de novembro de 2018

Diarinhando... bom título!

      A tarde foi de apresentação de um livro especial. Entre amigos, no Centro de Recursos da Secundária de Gondomar.

    Uma capa bonita, um título inovador, uma apresentação entre o elogio fundado na qualidade estético-literária e as cores da amizade, uma obra à espera de ser lida. E a autora?


    Já figura nalguns apontamentos desta 'Carruagem', por nos ter dado Histórias para Lermos Juntos e nos ter brindado com O Tesouro. Na companhia e na amizade. Assim foi, assim continua a ser, com os ingredientes geradores de uma família de leitores que Maria Clara Miguel tem vindo a construir. No caso de alguns dos presentes (inclusivamente de alguns ausentes), mais do que leitores, por certo.
      Nada é por acaso, diria a nossa Isaura. O (re)encontro com Maria Clara Miguel aconteceu. E uma Lúcia está para se dar a conhecer. Não foi 'encontro feito poesia', porque de narrativa se trata. Mas nas máscaras de Narciso (nesse mito que se compõe do eu que também é outro, no espelho da água), o que se narra é um ato de escrita metamorfoseado em diário, em prosa poética, em fragmento reflexivo, em apontamento breve, em opinião ou gosto que se querem partilhados.
      Dizia o apresentador do livro - o colega, escritor e amigo Manuel Maria - que nas páginas lidas há suspense, surpresa e sedução. As personagens e as ações narradas convocam espiritualidade e intuição, conformes à tonalidade lilás da capa, a essa cor metafísica propícia à purificação e à cura do físico, emocional e mental. A criação artística é um dos caminhos, nessa elevação de intuição, inspiração e criação espiritual. É mistério a expressar-se pela individualidade, pela personalidade, numa relação plena com a espiritualidade.
      De tudo isto se compõe a obra hoje dada a público, páginas configurando nove semanas de um diário que Lúcia (também Isaura e/ou Maria Clara Miguel) escrevinhou - não se trata de escrever mal nem de produzir algo sem valor (bem pelo contrário); talvez fingir um registo solto, natural, com um fim diverso (mais do que determinado), entre o entretenimento criativo, a oportunidade aproveitada, a vontade sem compromisso e a necessidade de revisitar tempos, gostos, pessoas, memórias que em todos nós vivem - umas comungadas, outras só de alguns, muitas só do 'eu' plasmado num discurso por natureza calendarizado, datado à cabeça (o Homem é tempo; dá-lhe a mão e larga-o, conforme a força, a vontade e a capacidade de o acompanhar).
      Diarinhando é amálgama para um ato encarado como processo, talvez por pretender culminar numa construção de identidades e entidades fictícias que só a vida pode vir a (re)criar pelo que já deu a (re)ver ou a imaginar.

     Ao folhear o livro, parei em algumas datas (8 de fevereiro foi uma delas) e em alguns segmentos (um deles, logo a abrir: "Está aí alguém?"). Talvez seja Narciso a recriar-se, a rever-se num universo de palavras, num fluir do tempo, num espelho de interrogações, reflexões, intrigas que de vida (também) se fazem.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Brexit: a conversar é que a gente se desentende

    Acordo a chegar e o reino de Sua Majestade a desvairar...

    Lá virá o tempo em que a insularidade terá mar e céu a mais. Nem a "Union Jack" se salva:


    Conversa sintomática para a confusão que o Brexit ajudou a (re)instalar. Caso para dizer que a conversar é que a gente se desentende.

    Veremos quem ficará a ganhar (talvez a Ásia)!

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Ando muito oficinal

     Hoje foi dado mais um passo para a formação específica.

     Um grupo de vinte profissionais está para trabalhar comigo na oficina de formação "Da oficina de escrita à escrita com alguma oficina: processualidade e dinâmicas", em curso na Escola Secundária com EB2,3 Manuel Laranjeira e no âmbito do plano de formação do Centro de Formação Aurélio da Paz dos Reis.

Diapositivo de apresentação da oficina de formação

     Em dia de apresentação (do formador, dos formandos, da ação e da avaliação a promover), houve tempo para se falar de algumas representações profissionais acerca do domínio da escrita (constrangimentos, potencialidades, operacionalizações, níveis de desempenho), se contemplar plataformas de competências / domínios (da oralidade / da leitura para a escrita), partilhar algumas experiências, considerar alguns desafios e algumas oportunidades.
    Neste sentido, a oficina de escrita configura-se como um dispositivo estratégico ajustado a um conjunto de princípios orientadores na ativação / aquisição e desenvolvimento de uma competência fulcral para o contexto escolar (e não só), a saber: planificação estratégica e aberta às contingências de ação, processual e sequencial; interação cooperativa / colaborativa, acompanhamento do processo e do produto, explicitação e aplicação de processos / mecanismos, dimensão prática construtiva e formativamente avaliada.
     Muitas das estratégias implicadas nas oficinas de escrita não são exclusivas deste dispositivo. São válidas também para ocorrências / dinâmicas de trabalho mais pontuais na sala de aula, constitutivas de momentos de ensino-aprendizagem focados em objetivos precisos como os de comparação de modelos, de revisão, reescrita e melhoria de textos.
      Assim foi projetado o percurso:
I – Representações profissionais acerca da competência escrita
II – Referenciais pedagógico-didáticos relativos à Escrita
III – A Escrita nos programas de ensino e nas aprendizagens essenciais
IV – Dispositivos estratégicos no domínio da escrita
a)      O caso da oficina de escrita
b)      A escrita com alguma perspetivação oficinal
V – Planificação de uma Oficina de Escrita
a)      nível de ensino / ano de escolaridade
b)      conteúdos programáticos / metas de aprendizagem / aprendizagens essenciais
c)      âmbito da escrita
d)     materiais a utilizar / construir
e)      procedimentos a contemplar
 VI – Implementação da Oficina de Escrita ou da Escrita Oficinal em contexto de sala de aula
VII – Apresentação e avaliação da implementação (vantagens / constrangimentos)
a)      demonstração(ões) / evidência(s)
b)      perspetivação crítica
     A seu tempo (ao final de quinze horas de trabalho presencial, mais quinze de trabalho autónomo), ver-se-ão as implicações e reflexões associadas às práticas / aos materiais / aos procedimentos adotados.

    Uma oportunidade de colaboração, de partilha, de (re)construção de uma identidade profissional. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Olha eu... noutro blogue!!!

    Encontrar-me citado num apontamento de um blogue não é novidade, mas não deixa de ser surpresa.

      Isto de nos vermos espelhados nos textos / trabalhos dos outros é um sinal de que andamos a fazer alguma coisa neste mundo. Bem ou mal, que o avaliem os outros. Por mim, vai sempre dando para acreditar que vou fazendo qualquer coisinha de jeito, para bem dos que partilham a minha área de trabalho.
      Procurava eu alguns dados sobre coesão e coerência e revi-me:

Pormenor da página http://recursosabertosdeportugues.blogspot.com/2014/10/coesao-lexical.html

   Agradeço a consideração ao blogue "Recursos Abertos do Português", que selecionou alguma da informação por mim facultada (ainda que, em rigor, esta precisasse de ser mais completa para corresponder ao por mim escrito sobre coesão referencial / lexical).

      Ainda assim, o agradecimento nesta experiência "interblogueada".

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Céu de fogo

        Aquecido o dia, o final de tarde foi alaranjado.

     É como se mar e céu se rendessem ao fogo e ao calor da tarde e, antes de a friagem da noite chegar, houvesse tempo para lembrar um verão que, não sendo o de S. Martinho (porque a destempo), foi o do santo hoje celebrado: Santo Alberto Magno. 

Céu de fogo (Foto VO)

     Dizem que foi soldado, devoto de Virgem Maria e que seguiu a vida cristã, dedicando-se por completo ao estudo e ao apostolado. Apaixonado e dedicado à vocação, teve como discípulo São Tomás de Aquino. Escreveu mais de trinta obras e ensinou a viver em equilíbrio, graça e fé.
    Por ora, era o que mais queria: equilíbrio (em tempos de pico de trabalho), graça (para quebrar a rotina dos dias e ter a capacidade de aproveitar algum do tempo que me é dado) e fé (nem que seja a de que tudo isto vai passar).
    Creio que ando a precisar de todos os santos; não só um.

    E saber que laranja é cor que traz sucesso, agilidade mental; atrai boa sorte e prosperidade; desencoraja a preguiça. Era bom, era!

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Convergindo, divergindo

     Depois de um dia de muito trabalho...

     ... busco o mar, ânsia de partir até à linha do horizonte, a todo o momento renovado. Se outra terra me acolhesse...

Porque há ir e voltar (Foto VO)

   Os passos, no vai-e-vem da busca, ficam lá, na areia, à espera que o vento apague as marcas da minha presença, os sinais desse encontro que tive, que fiz, que vivi e de que me afastei.
     Fui, vim e, daqui a pouco, é como se lá não tivesse estado. E assim a vida corre...

    Regressado a casa, vou a mais trabalho, até que a noite chegue e a possa dormir para recomeçar o que não houve tempo de acabar. Qual Sísifo, empurro a pedra, pesada... que teima rolar ao meu encontro.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Dúvidas de cariz geográfico ou morfológico?

      Uma rubrica radiofónica com alguma comédia e linguística à mistura.

      Depois de tanta gente a dizer o verbo 'tar', em vez de 'estar', só me faltava ter o genérico de uma rubrica das Manhãs da Rádio Comercial a pedir ou a aconselhar "Não tejas medo' (ainda por cima sem a preposição 'com'). Por amor da santa (seja esta lá qual for)!
      Ainda assim, lá vou ouvindo o "sábio" Amílcar (personagem interpretada por Bruno Nogueira, em modo de alentejano com grandes reflexões para a vida), não vá ele passar alguma mensagem tomada de sensatez e muita prudência
      Segue-se um excerto da reflexão de hoje, entre o geográfico e a consciência morfológica:

Excerto de 'Não Tejas Medo' (Rádio Comercial)

     Na comédia, fazem algum sentido a reflexão e o jogo acerca destes adjetivos relacionais outrora designados de gentílicos ou pátrios. Linguisticamente, numa perspetiva morfológica e/ou lexical, há pontos bem dissonantes na análise.
     Não se pense que 'espanhol' é formado na língua portuguesa, a partir de Espanha (é proveniente da reconstituição latina *hispaniōlu-, diminutivo de hispānu-, «hispano»), ou que 'rissóis' poderia alguma vez derivar de 'Rússia'. 
    Dos suecos, diga-se que a origem etimológica se encontra na forma antiga 'suécio', numa adaptação vernácula entrada no português em pleno século XVI, entretanto reduzida, conforme atestado no século XIX. Nada a ver, portanto, com o sufixo '-eco', cujo uso, no português, se associa a derivação com sentido pejorativo (como em 'jornaleco' ou 'senhoreca').
  Morfológica é a formação de 'marroquino', derivada de Marrocos e da sufixação com 'ino' (à semelhança de Argel > argelino, Tunis > tunisino, Alpes > alpino). Marreco tem origem tão obscura que, seja referência ornitológica seja sinónimo de corcunda ou matreiro, parece indecomponível. Que base derivante seria 'marr-' para se lhe acrescentar '-eco'? Há generalizações que, na certa ou na maior das probabilidades, dão erro morfológico.
    Soaria insultuoso tratar o suíço (popularmente formado a partir de 'Suíça') por suíno (proveniente do latim suīnu-, e da origem etimológica sue-, «porco»), por mais que qualquer um deles seja base, sem sufixação na língua portuguesa (quando muito, o 'suíno' tê-la-á no latim).

    Em suma, entre o que há de morfológico e o que à Morfologia não diz respeito, instala-se o cómico. Por mim, não acho é mesmo piada nenhuma ao "tejas". Como diz a letra da canção, "Sem alegria, eu confesso: tenho medo que tu me digas um dia «Meu amor, não tejas medo»".

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Cuidado comigo

      Não sei que mais diga.

      Depois da leitura de um artigo que circula pelo Facebook, quem me conhece que se cuide.

in http://www.minutopsicologia.com.br/postagens/2015/09/18/psicopata/

   "Está provado cientificamente que as pessoas que gostam e preferem os sabores amargos têm tendência para ser psicopatas.
    Na Universidade de Innsbruck foi realizado um estudo que concluiu que se alguém prefere coisas amargas são mais maléficas. Os dois investigadores austríacos analisaram os hábitos alimentares de cerca de 1000 pessoas: compararam o quanto cada um gostava de cada iguaria e realizaram testes psicológicos e perguntas para perceber a personalidade dos participantes.
  Foram colocados diversos alimentos para os participantes provarem - doces como chocolate e amargos como café sem açúcar - e os investigadores descobriram que os que gostavam de sabores amargos têm uma personalidade mais maléfica, com tendências sádicas.
   Eles gostam de sabores amargos porque se sentem como que numa “montanha russa”, diz um dos investigadores."


in https://revistapt.com/pessoas-que-bebem-cafe-sem-acucar-podem-ser-psicopatas/?fbclid=IwAR06DhnLe-SxT_L8yymdgpiSo3QOm7ITHN_GJpEglDwT7pQ_KhI3xWuONpw

     Gosto de bolos muito pouco doces; chá e café é sem açúcar, mesmo. Sou azedo!

sábado, 10 de novembro de 2018

Fogo sobre o horizonte

    Com o final do dia, vem a cor viva.

   No céu tão cedo escurecido pelas nuvens de um dia chuvoso e por uma neblina que esfria o fim da tarde e desfoca o horizonte, há uma cor viva que atrai, uma quentura que não dá calor à pele; só ao olhar:

Fogo sobre o horizonte (FOTO VO)

    No acinzentado da imagem, com um areal entre o submerso pelo mar e o empurrado para terra, há um pedaço de céu que não se espelha no mar, leito cinza com rendilhado de branca escuma, que o vento ainda faz esvoaçar, deixando-a a flutuar no ar. É a cor viva que nos faz ter saudades do verão e do calor. Lembrança marinha, sem verso, mas a rimar com vital alor (pela marcha que foi e pelo estímulo que resultou).

      Assim a caminhada para, porque a cor seduz e nela muita gente repara.

domingo, 4 de novembro de 2018

Barcelona medieval e 'A Catedral do Mar'

    Uma série Netflix a não perder (2017). O livro do barcelonês Ildefonso Falcones (2016) é encontro a marcar.

     "La Catedral del Mar" - 'pela Virgem' e 'Às armas'. É com estes dois lemas que se retrata a sociedade catalã do século XIV. A partir de uma pesquisa e investigação aprofundadas, o autor apresenta uma visão da prosperidade e da força da cidade nos tempos medievais. Com a história de fuga do servo Bernat (que salva o filho das mãos tiranas e brutas do senhor feudal que possuíra a esposa e faria da criança mais um escravo às suas ordens), fica a conhecer-se a vida e a singularidade de uma Barcelona encarada como espaço urbano cosmopolita, habitada por escravos, artesãos, judeus, nobres, mais a realeza que se impõe a Castela e a Mérida.
     Um bairro humilde de pescadores (Bairro de La Ribera) afirma-se pela construção popular, coletiva e colaborativa do maior templo mariano do tempo: a catedral de Santa Maria do Mar. A gloriosa edificação faz-se a par da história de Arnau (Aitor Luna), uma criança tornada adulto e cidadão que conquista a condição de homem livre. Enquanto estivador,  bastaixo (carregador de pedras), soldado e cambista, a evolução do filho de Bernat não deixa de criar invejas, forças que preconceituosamente o forçam a ver-se como servo, como fugitivo indigente cuja nobreza de carácter só no final da narrativa dará lugar ao nobre e aristocrata definitivamente reconhecido em termos sociais. 

Trailer oficial da série 'A Catedral do Mar' (2017)

   Conspirações torpes e vis, injustas expõem-no a múltiplos perigos, como a chantagem da mulher que amou e de quem teve de se separar (por ser casada); a peste negra que lhe levaria a primeira mulher e os amigos; a perversão e o ciúme interesseiro da princesa (Elionor) com quem viria a casar, por decisão de um rei que viu nesse matrimónio a oportunidade de se libertar de uma dívida enorme ao então bem-sucedido cambista; a depravação e a imoralidade de uma Inquisição, que mostrou o que de mais degradante, maquiavélico e demoníaco havia na instituição da Igreja.
     Entre a a discriminação e segregação sociais, os interesses e jogos políticos, a intolerância religiosa e o materialismo reinantes, o amor virá a resistir e a triunfar, com Arnau Estanyol a assumir a sua paixão por Mar (Michelle Jenner), uma jovem protegida que cresceu, ficou mulher e acabou sua esposa, e mãe do filho que transporta para futuro o sinal da paternidade (sinal junto ao olho direito).
    Baseado no romance histórico de Falcones, o enredo da vida de Arnau Estanyol é complexo, narrado desde as dificuldades da infância à condição de bastaixo e ao sucesso adulto do cambista. Na ausência de uma mãe (Francesca) que só vem a conhecer na pior fase da sua vida adulta, o protagonista tem na Virgem Maria a mãe celeste a quem recorre nas adversidades, aquela que o acompanhará desde os mais tenros anos, bem como ao irmão adotivo que também marcará o seu percurso. Fecha a série (com oito episódios) com a inauguração e a sagração da catedral, com Arnau, Mar e o filho num núcleo familiar com expectativas de futuro (ao contrário de um início que colocou Bernat, Francesca e Arnau em rota de fuga e dispersão).

      Na linha das séries "Os Pilares da Terra" (2010) ou "Um Mundo Sem Fim" (2012), baseadas nos romances homónimos de Ken Follett, "A Catedral do Mar" é uma produção de Ana Rubio, num projeto da 'Diagonal Televisió', em coprodução com a Televisão da Catalunha.

sábado, 3 de novembro de 2018

Tristão e Isolda - da lenda ao filme

      Diz-se lenda medieval de origem céltica; firmou-se como uma das histórias universais de amor trágico.

    Surge pelo século IX. As primeiras versões escritas são do século XII, no formato de narrativa em verso, tendo sido história difundida por trovadores e pela realeza francesa (rainha Leonor de Aquitânia) na Europa. Um século depois, foi incorporada no Ciclo Arturiano, com Tristão a assumir-se como um cavaleiro da Távola Redonda. 
    Tristão (James Franco) assiste à destruição da sua família por invasores oriundos da Irlanda, até que um nobre da Cornualha (Lord Marke, interpretado por Rufus Sewell) o protege. O reino é constantemente ameaçado pelo rei irlandês, como forma de impedir o nobre bretão de obter uma união de pares e de reinos capaz de o enfrentar (assegurar a paz das fronteiras irlandesas era um objetivo a cumprir, desde os tempos da expansão romana).
     Entre a Irlanda e a Cornualha, há, contudo, um mar que deu em amar, ou não o cruzasse Tristão, acabando por conhecer Isolda (Sophia Myles), a ela se unindo e dela se afastando até dela se separar com a morte.

Tristão e Isolda - trailer do filme de Kevin Reynolds (2006)

    A intriga fílmica, dirigida por Kevin Reynolds (2006), espelha várias questões da literatura do tempo: a herança, os vestígios e a influência romanas; a questão das relações feudais, dos códigos de honra e de lealdade, bem como da vassalagem e do amor cortês; a condição da mulher no casamento (essencialmente entendido como contrato, negócio); o adultério como consequência ou realidade associada à distorção das regras de casamento; a relação da arte com a vida cortesã (literatura, dança e música), entre outros.
     Se a versão cinéfila é ou não fiel às origens narrativas celtas é questão que, não sendo de menor interesse, não apaga o destaque temático a dar ao herói (homem sem terra, na busca e no distanciamento face ao que mais deseja - Isolda; ser em constante conflito, entre o foro público e o privado, mas sempre fiel tanto ao "senhor" que serve como à "senhor" que ama) e à heroína (mulher entregue a um amor que vai ultrapassar convenções familiares e sociais, para não falar da própria vida).

   Segundo as palavras de uma personagem do filme, o amor de Tristão não destruiu um reino (contrariamente ao assumido no momento da denúncia amorosa), não diminuiu ninguém. É expressão de elevação, de idealização; de amor mais forte do que a vida ou do que a morte.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

História que (não) se repete

     Depois da festividade do Halloween, veio o susto.

    Tremeu a terra, pela madrugada, num sismo registado na região norte e centro com a magnitude 5.2 na escala de Richter. O epicentro localizado no mar, a cerca de 480 quilómetros a oeste de Peniche, não trouxe danos pessoais nem materiais, ainda que sentido entre Braga e Lisboa.
    Há cerca de 250 anos (mais precisamente 253), a catástrofe era maior, com efeitos mais localizados na capital do reino e seus arredores. Vivia-se o reinado de D. José I e a oportunidade de ascensão política de Sebastião José de Carvalho e Melo (mais conhecido por Marquês de Pombal). O Terramoto de 1755 foi tragédia nacional com reflexos internacionais.
    Assim o diz a Literatura, particularmente em Cândido, ou o Optimismo (1759), narrativa filosófica de Voltaire, na qual se reflete e critica o axioma «Tudo está bem no melhor dos mundos possíveis» (de Leibniz), com a irónica refutação evidenciada com as terríveis lições infligidas aos protagonistas - o precetor Pangloss e o seu discípulo Cândido.
   Uma dessas lições prende-se com as vivências do terramoto, que relativizam o otimismo excessivo de Cândido, ao chegar a Lisboa no preciso dia da tragédia. A morte de Pangloss num auto de fé, por ação inquisitorial, é lição demasiado pesada para tanto "bem no melhor dos mundos", sejam estes possíveis (fictivos) sejam estes reais (factuais).
   Ora, em tempos de alguma preocupação (também com sinais sísmicos que não pacificam ninguém na atualidade), a história repete-se em dia que parece fatídico, ainda que em escala bem menor face ao que sabemos de outros séculos.
     Sem o otimismo inicial de Cândido - sou mais pela relativização do bem (por forma a não o perder por completo, na ilusão de que não existe mal nenhum) -, vou ficar-me pelo preceito final da obra: "devemos plantar o nosso jardim".
      Aproveitar alguma coisa do feriado é o desejável (já que não pode ser tudo). Não será jardim; antes um canteirozinho.

     Repete-se a história, sim, mas com narrativa e efeitos bem distintos, para um dia de má memória.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

TREAT!

     Mediante a disjunção, só tenho uma opção.

    A máxima do "Trick or treat!" (traduzida como "Doçuras ou travessuras") deixa-me, por vezes, confuso e indeciso na escolha, seja porque gosto de doces seja porque uma travessura também sabe bem.
    Em dia de Halloween, cruzo-me com a imagem de uma abóbora (que não é menina):

Uma "pumpkin"..., ou melhor, "trumpkin

      E na ordem da nova máxima, só me resta uma escolha:
    

    Não há "trumpalhada" que resulte doce. É azeda, amarga, áspera. Nem com o espírito do Halloween é suportável. É bruxedo a mais! Não há "treat"! Contudo, se o que resta é "trump",...

     ... venha o "treat", apesar de apetecer ser travesso ("tricky"). Porque "Trump" não é alternativa para coisa nenhuma.

domingo, 28 de outubro de 2018

Anedota com muita linguística

      Entre a flexão, o traço semântico e os subentendidos pragmáticos.

      Assim que ouvi a anedota, pensei que a linguística explica tudo neste diálogo que parece existir entre um(a) professor(a) e um aluno chamado Manuel (mas que poderia também ter outro nome qualquer, nomeadamente o espertalhão do Zezinho):

      - Manuel , diga o presente do indicativo do verbo caminhar.
      - Eu caminho... tu caminhas... ele caminha...
      - Mais depressa!
      - Nós corremos, vós correis, eles correm!

      A flexão verbal em tempo, modo, pessoa e número é um dos dados de análise regular em termos morfológicos. Quanto aos traços sémicos [+rápido] e [+movimento] conjugados, dão por certo para reformular a palavra de partida e chegar a um outro verbo.
  Quanto à pragmática, ainda ali pela interpretação coerente e motivada pelo(s) subentendido(s) implicado(s) no "Mais depressa!". E caminhar mais depressa pode ser perfeitamente correr.
   
       Aluno inteligente!

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Porque sou Haddad

       Tudo por causa de princípios.

   Sou Haddad, porque não posso ser a favor de quem pense com base no preconceito, na desconsideração das minorias ou na diferenciação assumidamente sexista, religiosa, rácica, xenófoba, quanto mais quando alguém os explicita e defende publicamente.
    Sou Haddad, porque não é pela falta de referências e pela descrença na ação dissimulada e hipócrita de alguns políticos que se pode legitimar tudo, mesmo os que, tendo palavras bem distintas da política perversa que nos tem dominado, caem no erro do fundamentalismo, do extremismo, da marginalização, da repressão e de um 'one best way' (que não é para todos, garantidamente) para se responder ou sair de algumas adversidades.
    Sou Haddad, porque a corrupção reinante (de hoje e de tempos remotos) não pode destituir ou corromper o pensamento da busca de um ideal, de uma utopia ou de princípios mais humanistas, inclusivos, tolerantes, respeitadores da dignidade de todo e qualquer ser humano que pretende ser feliz e atingir o bem comum. Lutar contra a degração moral e social não pode ser sinónimo de agrilhoar a felicidade e a liberdade humanas.
    Sou Haddad, porque nenhum(a) país, sociedade, partido ou grupo pode ser avaliado(a) na base da generalização de que algumas das suas negações são espelho de que tudo falha ou de que tudo obrigatoriamente faz parte de uma só farinha no mesmo saco.
    Sou Haddad, porque, apesar de não ser brasileiro, sou falante de uma língua que já teve outros que declaradamente a usaram para deixar passar mensagens de intolerância, hipocrisia, desrespeito, prepotência, cegueira, promovendo mais desvalidos e revoltados do que protegidos e estimados no que, pela sua singularidade, de bom e de bem podem dar à sociedade.
    Sou Haddad, porque esta pode ser a alternativa a tudo o que de mais consabido há nas posições e nos discursos assumidos por quem com ele diretamente concorre.
    Sou Haddad, porque a História me ensinou que os democraticamente eleitos em situações críticas e com discursos marcados pela defesa nacionalista e pela afirmação de superioridade de alguns relativamente a outros acabam por sustentar e utilizar o poder em favor próprio, com tiranias e sinais de despotismo, típicos de regimes ditatoriais que só guerras, revoluções, resistências, vítimas, mártires e mortes permitiram a muito custo ultrapassar.   
     Apartado pelo azul de um oceano que brilha sob as estrelas, revejo-me na terra desse verde (da esperança) e amarelo (de acautelado otimismo); da Ordem e do Progresso, a firmar-se para lá da bandeira; do grito do Ipiranga, que reconfigura 'Independência ou Morte' em 'Liberdade democrática ou Jugo autoritário'.

      Quanto aos fins, que sejam os da crença na humanidade e na escolha sensata que se impõe, por mais inspiradas que sejam numa fé que as transcende.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Função sintática de uma oração

     Hoje a questão é sobre sintaxe, no âmbito das funções sintáticas.

    Chegada a pergunta (como "dúvida não existencial"), a resposta impõe-se, sem qualquer incómodo.
     
    Q: Na frase “A lei que regulava as liberdades e restrições desse povo revelava-se inútil enquanto não fosse evitada a intervenção civil na sua cristianização”, qual a função sintática da oração que vem na sequência de um predicativo do sujeito… modificador do GV ou segundo predicativo do sujeito? Obrigada.
Entrada do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa Online (adaptado)

    R: A sequência sublinhada configura a menção a uma lógica de temporalidade condicionada (o intervalo de tempo coincidente com a inutilidade revelada pela lei), segundo um processo sintático de subordinação (adverbial temporal). Neste sentido, essa sequência não é, seguramente, um segundo predicativo do sujeito. Se 'inútil' é uma propriedade ou característica do sujeito ('A lei que regulava as liberdades e restrições desse povo'), o mesmo não sucede com o sublinhado. Trata-se de um modificador do grupo verbal (ou do predicado), dada a informação lida de temporalidade.

      A questão é sobre funções; o exemplo é característico de um processo de composição frásica (subordinação adverbial) - em suma, sintaxe no seu melhor.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

É de rir... para não chorar.

      Consultado sobre o processo de formação de uma palavra, diria que nem ao diabo lembra.

        A palavra é "velhaco". E o processo de formação?
        A semântica e o léxico responderiam logo que "velhaco" nada tem a ver com velho.
       A morfologia, mesmo admitindo a inusitada hipótese de ter 'velh+aco', não veria, por certo, 'aco' como sufixo para, com regularidade, formar novas palavras. Não havendo tal sistematicidade sufixal (pouco mais além se vai de 'austríaco', 'dionísiaco', 'demoníaco' ou 'maníaco') nem se estabelecendo qualquer relação com 'velho', logo haveria razões para suspeitar da formação por derivação. 
      A consulta de alguns dicionários com informação etimológica faria o resto: 'velhaco' vem do castelhano / espanhol 'bellaco'. Trata-se, portanto, de um empréstimo, aportuguesado, mas não formado no português; constitui-se como palavra-base ou derivante para as derivadas 'velhacaria', 'velhacagem', 'velhacaz' ou 'velhacão', entre outras.

Entrada de dicionário: Priberam Dicionário Online
(cf. https://dicionario.priberam.org/velhaco)

     Pede um dos manuais do ensino básico (8º ano de escolaridade), dos mais adotados da nossa praça editorial (com todos os requisitos de revisão, consultoria científica e qualidade atestada por sabe-se lá quem), que se veja em 'velhaco' uma palavra derivada por sufixação. 

      Coitadas das crianças! Perdoai, pois há quem não saiba o que anda a fazer.

sábado, 20 de outubro de 2018

Trocas e baldrocas

      Mais trocas... sem que deixem de ser baldrocas.

     É engano e chega a ser fraude publicitária. 
    Trocar a ordem das letras / sons numa sílaba é um dado comum para quem ainda está a aprender as regras da escrita; talvez até para quem tenha ou revele problemas de processamento da escrita ou de reconhecimento de sons, com a sílaba PRE / PER a ser dos casos mais frequentes na confusão. Contudo, o mesmo não se pode dizer para quem tem a responsabilidade de divulgar produtos e jogar com a linguagem / a língua, com efeitos persuasivos (nomeadamente, os de levar à compra de algo).

Anúncio publicitário FNAC no seu pior!

     Tivesse eu a intenção de adquirir uma máquina fotográfica e teria logo desistido da ideia, perante o que um certo espaço comercial me deu a ler. Numa só linha, dois erros - troca de sílabas numa palavra; falta de acento gráfico noutra. Teria razão para pedir o livro de reclamações ou exigir um bom desconto. Reclamação oral garantida. Não haver uma pessoa, desde o chefe ao empregado, que seja capaz de verificar os erros, no mínimo, é vergonhoso / fraudulento.

     A PERSpetiva precisa de ser corrigida. Porque não há erro que constitua um bom negócio nem foto que resulte com a PERSpetiva errada. Triste de quem não evita baldrocas e as dá a ler ao público em geral. Não é caso único, mas situação garantidamente a evitar, para a boa imagem da empresa em questão. Pode lá haver partilha possível!

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Antes de a noite chegar...

      Quando, ao final do dia, se consegue o que a manhã e a tarde não deram.

      Em espaço aberto, ao ar livre, os passos levam-me a destino incerto. Simplesmente vou.
    Interessa caminhar, libertar-me, dar tempo àquilo de que gosto e não do que outros precisam. Deixo o sul, rumo ao norte, olho para este. Há um ponto de luz a dar cor ao céu e ao horizonte brumoso. Do mar, vem a ressalga das pulsantes ondas rumorosas, a atropelar e cobrir os rochedos, quase esquecendo que, depois destes, a areia espera o que delas ainda resta. 
     Inalo a frescura nebulizada dos sais marinhos e, por momentos, esqueço a prisão e o vai-e-vem das muitas horas já passadas. O instante faz-se do que devia ser mais lasso no tempo, duradouro pelo bem que faz.
      Não sei se por ânsia de agarrar o breve momento tomado ao tempo, se por desejo de o tornar mais meu e perene, registei-o em foto, antes que se apagasse da memória, entre o cansativo muito que está para vir e o apaziguador pouco que vai faltar.

 Um instante marinho em tempo de outono (Foto VO)

      Quis granjear o prazer do descanso merecido e fixei o que, em breve, deixaria de ser nota de luz e cor.

        Num pôr do sol de céu, entre o nacarado e o alaranjado, sobre oceâneo e ondulado leito, num átimo, fiz parar o tempo, para o re(vi)ver sempre que dele precisar. É outubro e o tempo aperta. 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Entre a excelência e os superlativos...

    ... é difícil a concentração de tanto erro!

    Quando o discurso ou a retórica da excelência e do sucesso me são dados a ouvir ou a ler, espero sempre pela coerência dos atos ou das palavras. Nada como ir das palavras aos atos. Pena é quando tal não acontece. Gosto pouco de palavras vazias, sem sentido ou que não refletem a mensagem pretendida. É disso exemplo o anúncio seguinte:

Publicidade enganosa no que dá a ler (Foto VO)

     O superlativo não tem o acento gráfico devido (finíssimo); esplêndidos, a ser bem pronunciado, nunca daria lugar no escrito à sílaba 'ex'; a maiúscula de 'bolos' só por destaque ao produto se compreende, ainda que sem razão gramatical; a ausência de vírgula à esquerda do vocativo intercalado resulta em erro grave de pontuação ("Olha, minha amiga, são...").
    E no meio de tudo isto, uma exclamação sem o ponto gráfico do sinal é o absurdo na representação gráfica.

    Conclusão: acho que vou comer um bolo, dulcíssimo ou o mais esplêndido possível, para, meus amigos, esquecer este singularíssimo momento de despautério publicitário (só faltava, para ridículo total, a primeira palavra ter hífen).

domingo, 14 de outubro de 2018

Não há três sem quatro

     A contar pelas versões do filme, já não chega dizer que não há duas sem três.

    2018 é o ano para o 'remake' em terceira versão de "A Star is Born", depois do original datado de 1937. Mais de oito décadas passadas, Janet Gaynor dá lugar a Lady Gaga (depois de Judy Garland e Barbra Streisand). Um tanto de musical com um outro tanto de romantismo são ingredientes para misturar e derivar numa receita a ver na tela.

Trailer Oficial de 'A Star Is Born' (remake de 2018)

     A história consabida do músico, em final de carreira, que estimula e vê ascender artisticamente a mulher amada é o pano de fundo melodramático comum para um enredo quase secular, desta feita composto também pelo protagonismo que a música dá a ouvir na banda sonora. Os planos de 'backstage' de alguns dos concertos ou os preparativos para os shows conjugam-se nesse propósito de representar o percurso regressivo de Jack(son) e a ascensão de Ally (essa 'aliada' que se afirmou e se singularizou como estrela). Se a versão de 1976, com o par Barbra Streisand-Kris Kristofferson, tornou Evergreen melodia oscarizada, o mesmo se prenuncia com muitas das canções agora interpretadas pela dupla Lady Gaga-Bradley Cooper. 
      Talvez o dueto de "Shallow" seja um dos casos a considerar:

Montagem imagem-música (VO) para "Shallow" de 'A Star Is Born' (2008)

      SHALLOW

Tell me something, girl
Are you happy in this modern world?
Or do you need more?
Is there something else you’re searching for?

I’m falling
In all the good times
I find myself longing for change
And in the bad times I fear myself

Tell me something, boy
Aren’t you tired trying to fill that void?
Or do you need more?
Ain’t it hard keeping it so hardcore?

I’m off the deep end, watch as I dive in
I’ll never meet the ground
Crash through the surface
Where they can’t hurt us
We’re far from the shallow now

In the sha-ha- sha-ha-ha -llow,
In the sha-ha- sha-ha-ha- llow,
In the sha-ha- sha-ha-llow,
We’re far from the shallow now


    Também a cantiga final da película - "I'll never love again", numa homenagem a Jack(son) Maine (Bradley Cooper) e na interpretação de Ally Maine (Lady Gaga) - cumpre a marca de um fecho arrasador, para uma narrativa emocionalmente crescente, com a dupla romântica a afirmar-se para lá do que a morte possa impor. Uma breve analepse final traduz essa declaração de amor de Jack, num sentimento que se vê ameaçado pela doença, por um ciúme mitigado de incapacidade e perda progressivas, por jogos de interesse colaterais, por (pres)supostas experiências ou representações que o passado não deixa(ou) apagar.
     A música aproximou Jack de Ally (mesmo quando a necessidade do álcool parecia ser maior); pela música ambos sofreram, vivendo (na composição e na voz) numa entrega que nem sempre se revelou harmoniosa, mas fez vingar o que os uniu. O sonho, tornado real,  revelou-se duro, intenso, sofrido, com a "luz" a incandescer o que de mais doloroso e irónico a vida (também) tem.

      Assim nasce(u) uma estrela, dando brilho também a uma outra que a morte não conseguiu apagar.