segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Abrir um buraco no céu

       À falta de teto no local do espetáculo, o céu podia ter sido o limite.

Rami Malek numa interpretação grandiosa de Freddie Mercury
     Na versão fílmica de Bohemian Rhapsody, (dirigida por Bryan Singer), Freddie Mercury assim definiu os efeitos da sua participação, com os Queen, no Live Aid do estádio de Wembley (concerto realizado a 13 de julho de 1985, para obter fundos em favor dos famintos de África, precisamente da Etiópia). Não fosse o facto de a ovação dos espectadores ter sido extraordinária (tanto no estádio como em diferentes pontos do mundo, dada a transmissão do espectáculo por satélite), também não foi menor essa partilha de vozes que público e músicos concertaram ao som de 'We are the Champions', 'Radio Ga Ga' ou 'We Will Rock You'. Abriu-se um buraco no céu, mas também se fez que este descesse à terra.
     Com as sonoridades de 'Love of my life', 'Bohemian Rhapsody', 'Hammer to Fall' ou 'Under Pressure' (em dueto com David Bowie), além de muitos outros êxitos do grupo, veem-se, no filme, "quatro desajustados" que dizem "não se encaixar", mas a tocar para o mundo (que não é feito apenas de desajustados e que os "encaixou" para sempre):

Montagem com os trailers oficiais de Bohemian Rhapsody (2018)

     Entre experimentalismos musicais, fusões de géneros, excentricidades versáteis do vocalista, cumplicidades interativas com um público numeroso e diverso, Queen tornou-se numa das melhores bandas de rock do século XX e teve em Freddie Mercury o cantor, o pianista, o compositor - o criativo que se ofereceu para o grupo nos anos setenta e definitivamente o abandonou em 1991 (com a sua morte, um dia depois de ter assumido publicamente que havia contraído SIDA).
     A associação fílmica do concerto a uma espécie de canto do cisne do vocalista, não sendo facto por ainda ter havido muita produção musical após o Live Aid, resulta numa abordagem emotiva distanciada face às vivências factuais do também conhecido Larry Lurex - aliás, muitos outros momentos da trilha cinematográfica configuram essa emotividade construída, nomeadamente, o da relação com a namorada Mary Austin (surgido muito depois de Mercury já se ter celebrizado); o do conhecimento do companheiro John Hutton (ocorrido numa boate e não num festa doméstica); o da suposta separação dos Queen (não tão assumida quanto o filme faz parecer, nem sequer por Mercury ter sido o primeiro do grupo a ingressar em projetos a solo, pois já o baterista Roger Tylor o havia feito primeiro).
     Numa projeção dos êxitos musicais da banda e num registo semibiográfico de Farrokh Bulsara (Mercury), há também na tela apontamentos do tipo documentário (como os do Live Aid), o que faz de Bohemian Rhapsody uma obra interessante, momento de entretenimento e de revisão do percurso ficcionado dos Queen (desde o enraizamento no grupo Smile, quando um operador de malas do aeroporto de Heathrow conhece o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor) até à construção do álbum de estreia 'Queen' (1973), bem como à gravação do emblemático 'A Night at the Opera' (1975). A par das conquistas e sucessos obtidos pelo mundo, vêm as intrigas na banda entrecruzadas com os dramas de Mercury, pautados entre a excentricidade e a redenção no final da história.

    Um tributo aos Queen e uma homenagem ao percurso de vida desse jovem que, nascido na Tanzânia, contribuiu, nos anos setenta a noventa do século XX, para que fusão de géneros e a criação de sonoridades experimentais fizessem da música expressão nova de uma (outra)"Royal Highness".

Sem comentários:

Enviar um comentário