segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Fuga à vida ou vida à morte?

      104 anos depois, mantém-se a questão.

    Nome de referência local e nacional, Manuel Laranjeira é hoje lembrado pela morte que escolheu ao final de quase 35 anos de vida.
   Nascido no concelho de Vila da Feira (Mozelos) e oriundo de uma família pobre, Manuel Laranjeira teve um percurso de vida a tentar contrariar algum determinismo sociológico. Mais de três décadas de vida singraram-no à condição de médico, de intelectual ligado à escrita, à intervenção artística, social e política de então. Era o tempo entre a Geração de 70 (à data de nascimento) e os anos 20 do século seguinte, num Portugal saído da I Guerra Mundial (marcado pela crise constante em que vinha a sobreviver).
    Numa convergência de fatores (desde motivos mais contextuais a razões de carácter mais pessoal), não contrariou um pessimismo tão crítico para o país como fatal para uma visão da vida conjugada num misticismo e numa perspetivação estética, feitos de valores que tanto marcam o seu tempo como estão aquém e além dele.
  Disso mesmo trata a letra do "Fado Rezende (Ao morrer os olhos dizem)", recentemente identificada como produção de Manuel (Fernandes) Laranjeira. Investigações de Anjos de Carvalho, realizadas na década de 90 do século XX no âmbito do fado de Coimbra, e a publicação das quadras no livro Comigo. Versos dum Solitário (1912) atestam-no.
    Às palavras do escritor espinhense juntou-se a música do compositor Alexandre Rezende:

Vídeo de um espetáculo no Café de Santa Cruz (Coimbra)

 Ao morrer, os olhos dizem:
- «Pára, Morte, e espera aí!
Vida não vás tão depressa
Que eu inda te não vivi...»

E a Vida passa e a Morte
É que responde em vez dela:
- «Mas que culpa tem a vida
De que não saibam vivê-la?

    Um fado (ao estilo e registo da academia de Coimbra) para uma letra cujo autor ficou por largos anos incógnito. Quase como se fosse o fatum a negar-lhe a existência da obra, e talvez da vida. Ainda assim,  esta última acabou por ser determinada pelo próprio ser que, de alguma forma, traçou, por antecipação, o seu fim.

     Quem pode avaliar se alguém soube ou não viver a vida? Miguel de Unamuno, no prefácio das Cartas de Manuel Laranjeira, considerou que, ao seu amigo (que via mais como um "sentidor" do que pensador), "Matou-o a vida" e que, "ao matar-se, deu vida à morte!"

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Sem Eco (ou para / até sempre Eco)

     O final do dia trouxe o fim de uma vida, que deixou muita obra.

    Umberto Eco - reconhecido escritor, semiólogo, filósofo, ensaísta - é nome notável para uma obra multifacetada no âmbito das ciências sociais e humanas.
    O meu encontro com alguma da sua obra começou pelos tempos da faculdade, citado que era, como estudioso de referência, ora pelo seu pensamento literário ora pela contribuição dada no domínio da Semiótica (também chamada de Semiologia).
     A morte do autor de O Nome da Rosa abalou não só a Itália como o mundo das Humanidades, que vê 84 anos interrompidos ainda em pleno labor intelectual, conforme o provam as palavras do seu editor (ao anunciar um livro inédito intitulado Papé Satan Alleppe, para maio, no qual se aborda a identidade do Papa Francisco, personalidade admirada por Eco).
  Num espírito sistematicamente desconcertante, muitos foram os pensamentos (críticos) que partilhou com os seus leitores. Em Número Zero (2015), na crítica ao mau jornalismo, à mentira e à manipulação da história, apontou para um universo convulso, em tudo tão coincidente com o dos nossos dias; numa entrevista recente, refletindo sobre o papel das novas tecnologias na difusão de informação, assumiu que as redes sociais proporcionam a uma "legião de imbecis" o direito à palavra, numa escala bem mais preocupante do que a de tempos mais recuados, quando, num "bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade", outros já também imbecis acabavam por ser silenciados. Hoje, o poder da palavra desses é tão ou mais acessível e projetado do que o de grandes intelectuais, nomeadamente os prémios Nobel.
    Na leitura que fazia do seu papel, enquanto intelectual, Eco reconhecia ter formas de protestar, ainda que não tivesse o poder de mudar o mundo. Cultivava, assim, o que chamava de "política da empatia", por forma a criar a rede daqueles cujas estratégias de sobrevivência e defesa da virtude não andariam longe do que deu a ler:

Romance editado em 1994
- Vede, caro Roberto, o senhor de Salazar não diz que o sensato deve simular. Sugere-vos, se bem entendi, que deve aprender a dissimular. Simula-se o que não se é, dissimula-se o que se é. Se vos gabardes do que não fizestes, sois um simulador. Mas se evitardes, sem fazê-lo notar, mostrar em pleno o que fizestes, então dissimulais. É virtude acima de todas as virtudes dissimular a virtude. O senhor de Salazar está a ensinar-vos um modo prudente de ser virtuoso, ou de ser virtuoso de acordo com a prudência. Desde que o primeiro homem abriu os olhos e soube que estava nu, procurou cobrir-se até à vista do seu Fazedor: assim a diligência no esconder quase nasceu com o próprio mundo. Dissimular é estender um véu composto de trevas honestas, do qual não se forma o falso mas sim dá algum repouso ao verdadeiro. 
    A rosa parece bela porque à primeira vista dissimula ser coisa tão caduca, e embora da beleza mortal costume dizer-se que não parece coisa terrena, ela não é mais do que um cadáver dissimulado pelo favor da idade. Nesta vida nem sempre se deve ser de coração aberto, e as verdades que mais nos importam dizem-se sempre até meio. A dissimulação não é uma fraude. É uma indústria de não mostrar as coisas como são. E é indústria difícil: para nela ser excelente é preciso que os outros não reconheçam a nossa excelência. Se alguém ficasse célebre pela sua capacidade de camuflar-se, como os actores, todos saberiam que ele não é o que finge ser. Mas dos excelentes dissimuladores, que existiram e existem, não se tem notícia alguma. 
     - E notai - acrescentou o senhor de Salazar -, que convidando a dissimular não vos convidamos a permanecer mudo como um parvo. Pelo contrário. Deveis aprender a fazer com a palavra arguta o que não podeis fazer com a palavra aberta; a mover-vos num mundo que privilegia a aparência, com todos os desembaraços da eloquência, a ser tecelão de palavras de seda. Se as flechas perfuram o corpo, as palavras podem trespassar a alma. 

     Poder de palavra já clássico: o de movere (a par de docere e delectare).
     E nisto não deixa de estar o pensamento que Eco tão bem traduziu:


     Moral ou lição de vida? A virtude de dissimular a virtude, ou a virtude de quem partilha um saber que nem sempre se revela fácil de cumprir, por mais que até seja simples de compreender. Basta estar atento à vida (também ela feita de morte, ou não formulássemos frequentemente o lamento desta com um simples "É a vida!").

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

You, me and us... for it.

     Cerca de um mês depois da apresentação televisiva, mais uma música destinada ao sucesso, numa voz nacional.

   Uma estrela para querer ouvir, por certo, tanto pela interpretação como pelo facto de ser, efetivamente, uma "The voice", em Portugal.

Apresentação da canção no programa "The Voice - Portugal"
(RTP 1 - 10 de janeiro)

       I DIDN'T MEAN IT

You say the words I wanna hear
But they're as empty as the air
Just like you mean it
But you didn't mean it
At all

As I go walking through this night
Telling myself I will survive
I wish I could mean it
But you didn't mean it
At all

We can tell so far how endless is
And you can be someone that you can be
It's a gentle lie
But it will leave me crying through the night
But that's how it is, sometimes
But that's how it is, sometimes

Didn't think love should be like this
You and I both know what this is
You wanted to mean it, 
But you didn't mean it
At all

     Por mais que o amor, às vezes, não seja o que se quer, venha a música dizê-lo para que todos o saibam (para não se apresentar como mentira ou dor).

      Foi o que quis dizer ("I mean it!" and I meant it).

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Modalidade(s) de 'poder'

      Entre as várias multifuncionalidades que 'poder' tem, para lá da que decorre de uma capacidade / habilitação para algo, vem também a que se impõe pela crença e pelo desejo.

      Tudo a propósito de uma dúvida que me chega pela manhã (é nesta que se começa o dia):

     Q: Que modalidade e valor pensas estar presente neste segmento: "Não pode ser, não pode ser. Deus não podia consentir em tal" (Maria, em Frei Luís de Sousa). Obrigada.

       R: Comecemos por situar o "tal" - o tema / assunto de que se fala.

    "E pensar que havia de morrer às mãos de mouros, no meio de um deserto, que numa hora se havia de apagar toda a ousadia refletida que está naqueles olhos rasgados, no apertar daquela boca! Não pode ser, não pode ser. Deus não podia consentir em tal."

Telmo (João Villaret) e  Maria (Maria Dulce) 
no filme "Frei Luís de Sousa" (1950) 

       Na interlocução de Maria com Telmo (cena I do ato II), o enunciado proposto é revelador de uma crença do falante (Maria) face a um acontecimento. 
      Convocando uma crença religiosa assumida, a filha de Madalena e Manuel de Sousa Coutinho não acredita num facto que, naturalmente, não deseja e que, em função do contexto e da época representados na ação (príncípios do século XVII, conforme se lê na didascália inicial do primeiro ato), alimentou a esperança sebastianista do tempo: a da morte do jovem rei (condição necessária para que o seu regresso pudesse efetivar-se).
    Focando o segmento sublinhado, este reflete uma construção com o verbo modal 'poder' a transmitir a negação de uma possibilidade, matizada por uma subjetividade assente numa crença ("Não pode ser. Não pode ser") que acaba por ser projetada para um futuro (a ler-se na forma 'podia' do enunciado seguinte: "Deus não podia consentir em tal").
     Esta forma ‘podia’ atende a características específicas, à semelhança do que acontece em inglês com o contraste 'can / could'. Segundo Tim Stowell1, estes modais apresentam-se frequentemente neutralizados na sua interpretação presente/passado, em determinados contextos sintático-semânticos. Não obstante a forma do pretérito imperfeito, 'podia' ('could') não tem necessariamente interpretação de passado - o que pode ser exemplificado com o final da réplica de Maria. A negação, a recusa que subjaz a 'não podia' aponta para várias implicaturas: não querer que D. Sebastião tenha morrido; a morte de D. Sebastião é uma tragédia; Deus não permite que tal tragédia possa acontecer. Resulta, assim, uma enunciação a refletir uma posição pautada pela incerteza velada face à factualidade (a morte de D. Sebastião) e por um perigo iminente face à crença (a de que Deus possa agir de alguma forma contra o rei). 
     Em suma, exprime-se a não factualidade (desejada) da situação e uma crença (sujeita aos limites de qualquer fé), implicando uma força argumentativa próxima da expressão do desejo do falante.
     Consideradas as condições pragmáticas na produção do discurso e uma vez analisada a realização de 'poder' neste segmento textual, evidencia-se uma réplica que está para o ato da recusa, da rejeição, encarado pela personagem Maria, no plano da modalidade epistémica marcada pelo valor do impossível, mais matizado pelo fator das crenças e dos desejos do que pelo da realidade ou factualidade das certezas - um 'poder' que, não o sendo, é a possibilidade negada ou a impossibilidade subjetivamente equacionada.
    É neste enquadramento que a linguista americana Angelika Kratzer2 refere o conceito de modalidade "bulética" (numa tradução livre e literalmente aportuguesada, a partir de ‘bouletic’), para transmitir, enquanto subtipo da modalidade epistémica, o que é possível ou necessário no âmbito dos desejos ou das expectativas do falante.
NOTAS: 
1) STOWELL, Tim (2004:621-636) - "Tense and modals" 
in GUÉRON, Jacqueline e LECARME, Jacqueline (eds.) - The syntax of time, Cambridge, MIT Press

2) KRATZER, Angelika (1981: 38-74) - "The notional category of modality",
in EIKMEYER, H-J.e RIESER, H. (eds) - Word, worlds, and contexts: new approaches to word semantics
Berlin, W. de Gruyter

      A (im)possibilidade das crenças sempre moldou o saber e o conhecer - pelo menos, enquanto assim se desejou.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Há 51 anos...

      A noite ficava mais escura e o luar precisava de mais luz.

   Anunciado anteontem que o aeroporto de Lisboa passaria a chamar-se Aeroporto Humberto Delgado, as vozes e opiniões dissonantes não deixaram de se ouvir. Como em tudo na vida, não se pode agradar a gregos e a troianos, mesmo quando os argumentos da História estão aí para fazer lembrar o relevo da figura, tanto no campo da aviação (enquanto fundador da TAP e diretor-geral da Aeronáutica Civil, além de ter impulsionado a aviação comercial nacional) como no da política nacional (ao resistir e enfrentar um regime que acabou por lhe tirar a vida). 
    Como candidato oposicionista, ficou conhecido pela frase "Obviamente demito-o!", proferida quando o questionaram sobre o que faria com Salazar, caso ele vencesse as eleições presidenciais. Tal não veio a acontecer, ainda que as fraudes detetadas em todo o processo tivessem legitimado mais a sua luta do que a vitória de um regime ditatorial associado à figura do Presidente da República Américo Tomás.
     O 'General Sem Medo' foi afastado definitivamente das funções oficiais - à semelhança de muitos outros - e foi objeto da atenção persistentemente persecutória da polícia política, até conseguir exílio no Brasil. Pensando ir ao encontro de opositores ao regime do Estado Novo, Humberto Delgado veio a deslocar-se até à fronteira espanhola em Los Almerines, perto de Olivença, onde, em 13 de Fevereiro de 1965, foi assassinado por um grupo de agentes da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). A sua secretária, Arajaryr Campos, teve o mesmo destino fatídico, sendo os corpos de ambos encontrados perto de Villanueva del Fresno, cerca de 30 km a sul do local do crime.
        Morta a esperança, só quase vinte anos depois se pôde gritar a liberdade.
     Essa mesma morte pode ser antevista nas palavras que Manuel (um dos populares de Felizmente Há Luar!) profere na abertura do ato II do texto de Sttau Monteiro:

Excerto de Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro (1961)
(clicar para ver o texto maior)

    A prisão e a morte anunciada do General Gomes Freire de Andrade são o motivo para a desesperança. Metaforicamente está prenunciado o destino de um outro General: não o dos inícios do século XIX representado no tempo da história, mas o de um outro que, em pleno século XX (o tempo da produção escrita dramática), era a esperança da libertação de um regime ditatorial - daí a perseguição que viria a culminar na morte (política e humana).
      As semelhanças da obra com a vida não são mera coincidência; antes um reflexo da técnica de distanciamento, de visão crítica preconizada por Brecht, e adotada por Sttau Monteiro, para acordar as mentes interessadas no progresso histórico:

Paralelismos temporais (tempo representado vs tempo da escrita) sugeridos
na leitura do texto de Sttau Monteiro

       Na rede de aproximações estabelecida, Felizmente Há Luar! assume-se como texto-metáfora ou um texto entre dois tempos: o da intriga representada (início do século XIX) e o da produção escrita (regime ditatorial de Salazar).

       Um jogo de tempos, uma mensagem a desvelar para que a opressão, o despotismo e a tirania não se repitam na vida humana, a bem da liberdade que se quer conquistada. A História e a Literatura podem ajudar nessa construção.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

E a chuva continua...

    Tem sido assim; parece que assim vai ser.

    Os últimos dias têm dado em chuva. Porque persiste, no chapinhar dos caminhos, entre a corrida que dela nos põe em fuga ou na face molhada que lhe dá a cara, resta descobrir a beleza deste tempo. Para quem pense que tal não existe, já o poeta o constatou em dois simples versos:

Montagem de imagens e do dístico caeiriano - VO

    Porque é natural, é belo; porque existe, é. Até pode haver quem não goste de um dia destes (eu tenho dias...!); há quem só queira calor e sol (sou mais deste tempo!). 

Caricatura de Viegas, em 'Pessoa Forever"

    Mas, se a chuva banha a natureza, só pode ser bela. Lava-a, equilibra-a e prepara-a para continuar a ser como é.
   Só tu, Caeiro, para - qual mestre - nos ensinares que o tempo é presente, por isso vale e nos acompanha a cada instante. Somos com ele e ele está connosco. Mesmo com chuva!

      Lá fora chove e cá dentro o tempo corre.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Uma questão de 'dar' (e sua finalidade)

      Cá chega uma questão de muita índole... gramatical... pela qual vou dar a cara (ainda que de 'dar' haja muito a falar).

     E para não se ficar no diz que disse, cá vai o escrito (que alguns eruditos - como Santo Agostinho - dizem ser mais perene).

    Q: Como classificas a oração subordinada da frase "Dei-lhe ordem que se sentasse"? Eu diria "Ordenei-lhe que se sentasse" e, por isso, parece-me substantiva completiva, mas dizem-me que é subordinada adverbial final...

    R: A transformação operada ("Ordenei-lhe" < "Dei-lhe ordem") faz algum sentido, sendo bem representativa e resultante de uma realização de 'dar' próxima de um verbo funcional - ou seja, sem o estatuto de verbo principal -, encarado como termo gramatical seguido de uma nominalização - no caso 'ordem' (obtida a partir de "ordenei").
      Ainda assim, neste caso, a análise sintática a fazer é a da frase que serve de ponto de partida, com o núcleo verbal (dar) a selecionar um complemento direto nominal ("ordem") e um indireto pronominal ("lhe"), os quais já se encontram inscritos no quadro sintático proposto. 
     "Que se sentasse" é, efetivamente, uma oração subordinada substantiva completiva, a funcionar como complemento direto, na realização com o verbo 'ordenar'. Todavia, na frase com o verbo 'dar', a mesma oração subordinada surge a seguir aos complementos selecionados, com um comportamento típico de adjunto adverbial (enquanto modificador), numa construção elíptica a exprimir o valor lógico da intenção, da finalidade ou do propósito. Daí tratar-se de uma subordinada adverbial final (> Dei-lhe ordem para que se sentasse / para se sentar / a fim de que se sentasse), até pelos complementos já inscritos na oração subordinante.

     Dou por concluído o esclarecimento (com mais uma realização de 'dar', desta feita similar a uma construção transitiva-predicativa), na expectativa de que a clareza tenha luz suficiente para dissipar a dúvida.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

"Ridendo castigat mores"

    Máxima vicentina acompanhada de tabefe, lambada, estalo ou bofetada valente (de luva branca não é, até por ser azul). Em tempos talvez tenha funcionado. Hoje, tenho dúvidas.

    Pelo menos para aqueles que aprenderam de vez a corrigir o erro, é possível que um valente tabefe tenha sido um santo remédio. Para os que não deixaram de o cometer, foi pedagogia falível. Ainda assim, sorrio com a imagem:


    Por cómico que seja, a vontade às vezes é muita - passar das palavras aos atos. Não sei se é razão para heroísmos, mas, por certo, é motivo de desgaste, de cansaço, de consciência de que não adianta falar sempre no mesmo e às vezes a uma mesma pessoa. Daí ter de se criar a versão contrária do "Água mole em pedra dura tanto dá até que fura".
   Não fura nem furará, quando tantos ignoram e/ou relativizam a questão. Pena que estes não saibam que a ignorância e/ou relativização neste domínio é apre(e)ndida e aplicada, depois, a muitas outras situações que também não serão levadas a sério (por mais que as queiramos ou venhamos a ver como tal).
    Será que a vítima aprendeu como se escreve 'bateste' (TU bateSTE)? Para que não se pense que é apenas uma questão de hífen, bom seria considerar que a gramática daria uma ajudazita importante, caso a morfologia fosse sistematicamente trabalhada (tal como em 'estudaste > TU estudaSTE', 'cresceste > TU cresceSTE', 'sorriste > TU sorriSTE'). Dar-se-ia conta da terminação verbal na segunda pessoa gramatical, e não de uma construção sintática associada à pronominalização (com 'te').
     Uma questão de domínios gramaticais com relações evidentes na leitura e na escrita - o que não significa, portanto, deixar de trabalhar morfologia e sintaxe. Se o bom desempenho daqueles domínios programáticos depende destes domínios linguísticos é neles que interessa apostar (quanto mais não seja para não ver anúncios tão mal escritos).

     Agora veja-se o peso que a gramática tem nos programas de ensino do Português, nomeadamente no Ensino Secundário! Só falta ouvir dizer que a questão crítica evidenciada é para alunos do ensino básico. Alguém está a precisar de uma valentíssima bofetada, para ver se acorda para o mundo e para a realidade. Belo pensamento para começar fevereiro!