sábado, 13 de fevereiro de 2016

Há 51 anos...

      A noite ficava mais escura e o luar precisava de mais luz.

   Anunciado anteontem que o aeroporto de Lisboa passaria a chamar-se Aeroporto Humberto Delgado, as vozes e opiniões dissonantes não deixaram de se ouvir. Como em tudo na vida, não se pode agradar a gregos e a troianos, mesmo quando os argumentos da História estão aí para fazer lembrar o relevo da figura, tanto no campo da aviação (enquanto fundador da TAP e diretor-geral da Aeronáutica Civil, além de ter impulsionado a aviação comercial nacional) como no da política nacional (ao resistir e enfrentar um regime que acabou por lhe tirar a vida). 
    Como candidato oposicionista, ficou conhecido pela frase "Obviamente demito-o!", proferida quando o questionaram sobre o que faria com Salazar, caso ele vencesse as eleições presidenciais. Tal não veio a acontecer, ainda que as fraudes detetadas em todo o processo tivessem legitimado mais a sua luta do que a vitória de um regime ditatorial associado à figura do Presidente da República Américo Tomás.
     O 'General Sem Medo' foi afastado definitivamente das funções oficiais - à semelhança de muitos outros - e foi objeto da atenção persistentemente persecutória da polícia política, até conseguir exílio no Brasil. Pensando ir ao encontro de opositores ao regime do Estado Novo, Humberto Delgado veio a deslocar-se até à fronteira espanhola em Los Almerines, perto de Olivença, onde, em 13 de Fevereiro de 1965, foi assassinado por um grupo de agentes da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). A sua secretária, Arajaryr Campos, teve o mesmo destino fatídico, sendo os corpos de ambos encontrados perto de Villanueva del Fresno, cerca de 30 km a sul do local do crime.
        Morta a esperança, só quase vinte anos depois se pôde gritar a liberdade.
     Essa mesma morte pode ser antevista nas palavras que Manuel (um dos populares de Felizmente Há Luar!) profere na abertura do ato II do texto de Sttau Monteiro:

Excerto de Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro (1961)
(clicar para ver o texto maior)

    A prisão e a morte anunciada do General Gomes Freire de Andrade são o motivo para a desesperança. Metaforicamente está prenunciado o destino de um outro General: não o dos inícios do século XIX representado no tempo da história, mas o de um outro que, em pleno século XX (o tempo da produção escrita dramática), era a esperança da libertação de um regime ditatorial - daí a perseguição que viria a culminar na morte (política e humana).
      As semelhanças da obra com a vida não são mera coincidência; antes um reflexo da técnica de distanciamento, de visão crítica preconizada por Brecht, e adotada por Sttau Monteiro, para acordar as mentes interessadas no progresso histórico:

Paralelismos temporais (tempo representado vs tempo da escrita) sugeridos
na leitura do texto de Sttau Monteiro

       Na rede de aproximações estabelecida, Felizmente Há Luar! assume-se como texto-metáfora ou um texto entre dois tempos: o da intriga representada (início do século XIX) e o da produção escrita (regime ditatorial de Salazar).

       Um jogo de tempos, uma mensagem a desvelar para que a opressão, o despotismo e a tirania não se repitam na vida humana, a bem da liberdade que se quer conquistada. A História e a Literatura podem ajudar nessa construção.

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