sábado, 30 de março de 2013

Entre o conserto e a fixação de um olhar

    Não são apenas as palavras lusas que admitem múltiplos significados (por vezes tão distintos quanto opostos). As britânicas também.

     Em inglês, "to fix" serve para significar verbos como "consertar", "fixar", "descobrir acertadamente", "estabelecer", "estabilizar", "curar" ou, ainda, "focar", "focalizar".
      "Fix You" é título para uma canção dos Coldpay (do álbum X&Y, de 2005) que consta ter sido escrita por todos os membros da banda inglesa. Há uma versatilidade musical na composição, audível no recurso a instrumentos como órgão de igreja e piano, guitarra, baixo, bateria, numa progressão e intensidade que abandonam o registo de um falsete íntimo (propício à privacidade de um conselho) para entrar no do clamor (forte como um hino e projetado em coro) para o mundo.


         FIX YOU

When you try your best, but you don't succeed
When you get what you want, but not what you need
When you feel so tired, but you can't sleep
Stuck in reverse

And the tears come streaming down your face
When you lose something you can't replace
When you love someone, but it goes to waste
Could it be worse?

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you

And high up above or down below
When you're too in love to let it go
But if you never try you'll never know
Just what you're worth

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you

Tears stream down on your face
When you lose something you cannot replace
Tears stream down on your face
And I...

Tears stream down on your face
I promise you I will learn from my mistakes
Tears stream down on your face
And I...


    A história de "Fix You" é disputada para vários contextos: canção de encorajamento para os mais necessitados; canção-homenagem às vítimas do atentado de Londres (de 7 de julho de 2005); canção de amor e incentivo à superação da tristeza. 

     Canção-balada com a força de um verdadeiro sentimento, tão necessário ao(s) equilíbrio(s) perdido(s) e desejado(s).
       

sexta-feira, 29 de março de 2013

Um(a viagem de) comboio na carruagem...

     Isto de meter o todo na parte tem coisa que se lhe diga (talvez porque esta precise dele, para o sentido que se quer e se vê na vida).

    Vem a nota a propósito do filme "Comboio Nocturno para Lisboa", realizado pelo dinamarquês Bille August e inspirado na obra homónima do suíço Pascal Mercier (pseudónimo para o filósofo Peter Bieri). Trata-se de uma co-produção levada a cabo em Portugal, Alemanha e Suíça, com um elevado registo de imagens da capital portuguesa no que esta tem de mais típico e internacional. O retrato de Lisboa é-nos facultado enquanto cenário para a movimentação da personagem principal - Raimund Gregorious, professor de Grego e Latim na Suíça -, tanto pelo percurso que nele faz como pela evocação de tempos gerada pelas personagens com que se cruza.
      A história focaliza-se na(s) viagem(ns), na procura que o professor empreende a partir de um livro ficcionado, escrito em língua portuguesa (Um Ourives das Palavras) e associado a um autor imaginariamente construído com o nome Amadeu de Almeida Prado - um jovem médico-escritor português, com origens numa família tradicional e aristocrata conforme ao regime ditatorial de António Oliveira Salazar. O novo membro da família assume-se, contudo, como um opositor, um resistente à ditadura. Pela descoberta do livro, por um bilhete de passagem de comboio com destino a Lisboa, pela impulsiva e compulsiva leitura a que se entrega, Raimund contacta com o pensador Amadeu; aproxima-se da língua portuguesa e da sua sonoridade, num autodidatismo natural e imediato;  abandona repentina e momentaneamente a sua profissão e a sua cidade de Berna, para descobrir a liberdade de ação e o sentido de vida que o preenchem. Assim, Gregorius parte para a capital mais ocidental da Europa, descobrindo a história e a vida de quem lhe deu a ler palavras fascinantes. Cruza-se com pessoas que o lembram e que traçam a recordação num fundo histórico-cultural dos anos sessenta / setenta do século vinte. Consciencializa-se - pela viagem feita em torno da sua própria pessoa - dos seus atos e de um princípio de liberdade partilhados no jogo das convicções e das possibilidades arquitetadas por crenças e vontades pessoais.


    Uma intriga romântica (com uma complexa rede de afectos a pintar um passado faseada e analepticamente revelado, mais uma relação a construir-se no presente), um conjunto de reflexões acerca do sentido da vida e da morte (na obra de Amadeu do Prado - tão imaginária e tão poderosa quanta a vontade que se tem de a encontrar e ler, pela aproximação ao que Bernardo Soares propõe no Livro do Desassossego), um enredo com notações político-pidescas (sem pretensiosismos de fundamento histórico, mas com o enquadramento necessário aos percursos de decisão e de liberdade desejados), um quadro de imagens urbanas (numa sucessão de postais turísticos atrativos) e um fundo sonoro de registo diverso (numa combinação que compagina fado, a guitarra portuguesa e sonatas de Mozart) fazem deste filme uma peça que toca a alma portuguesa e uma sensibilidade queirosiana tão "irremediavelmente" romântica.


      Nas mãos violentadas a um tocador de piano, nas que sedutoramente desafiam a pele de quem se ama, nas que salvam a vida humana independentemente das vontades mais imediatas, nas que folheiam um livro à procura da própria identidade, há obra de dolorosa resistência; de sofrido amor marcado por convicções pessoais; de superior humanismo face a quaisquer dilemas ideológicos; de descoberta e de afirmação pessoal. O discurso produzido por Amadeu no final do curso reflete-se no silêncio e no abandono evidenciados pelos partidários da ditadura, da omnisciência e omnipresença divina defendidas por uma igreja que coarta o que de mais íntimo e pessoal existe na definição dos indivíduos; que clama por promessas de vida eterna para os crentes. Aí, as mãos que batem palmas são as dos que, tal como Amadeu, entendem não poder haver nada pior do que ser condenado a viver para sempre na condição do já instituído.

     De um presente para um passado - progressiva e faseadamente revelado (como que numa analepse espiralada, da camada mais recente para a mais recuada e mais profunda dos tempos) -, afirma-se a condição da viagem. Entre a chegada e a partida de Lisboa, há diferentes instantes de presente - os últimos mais libertos e com possibilidades de futuro. A obra de Amadeu na obra de Pascal Mercier reflete, num efeito de espelho, o espírito de um pensador português no de um professor suíço a aprender um valor de liberdade (feito de impulsos) que não está isento de sofrimentos, vontades e escolhas individuais.


Ai Dante... Dante..., nem divina nem comédia!

     Se o sentido original da palavra 'comédia' se associa ao Paraíso (não pela diversão, mas pelo final bom destinado aos que a vivem), a Tragédia, por contraposição, acaba mal.

Busto de Dante Alighieri, junto â Casa-Museu de Dante
Florença (foto VO)
   Dante assim o quis na sua Comédia, mais tarde rebatizada de A Divina Comédia (por Giovanni Boccaccio), uma vez que o término da obra coincide com a parte do Paraíso (depois de percorridos o Inferno e o Purgatório ).
    No início, quando Dante e Virgílio se deslocam até ao Inferno, deparam à entrada com um letreiro escuro: "Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança" É este o terceiro verso da terceira estrofe do canto III, na primeira parte das três que compõem a obra (tanto três!).
   Há quem o cite para retratar o contexto crítico, paralisante e austero que hoje se vive em Portugal - como se quem faz a citação soubesse que a obra serve de modelo e combate ao adversário político. Os versos, contudo, são um pequeno átomo para toda uma orgânica da narrativa épica e surgem descontextualizados na associação feita: ao contrário de Dante, nós não entramos no Inferno; já nele estamos e alguém por certo abriu bem a porta. Mesmo na contingência (se não for certeza) de o caminho pelo Inferno e pelo Purgatório poder vir a ser pior do que o esperado, estamos em curso, sabe-se lá se com a fé ou a graça de uma Beatriz, a acalentar a possível esperança de atingir o Paraíso. Não será o mestre Virgílio, ou quem o represente no seu exercício de suposta racionalidade, a fazê-lo - talvez porque haja muitas razões, e não apenas uma, a considerar.
      Mais do que uns versos, citar o renascentista toscano implica saber que o também autor da Vita Nuova e partidário dos "guelfos" (uma das fações políticas da Florença dos séculos XIII-XIV, a par da dos gibelinos) vê a mulher amada levá-lo até ao rio Lete, aquele cujas águas, uma vez bebidas, apagam a memória e os pecados, como condição necessária ao renascimento. Esperar-se-á que também sejamos dominados por tal esquecimento?
    Selecionar o que se cita, sem considerar todo um contexto, é jogo que pode ser lido como falseador, ma-nipuladoramente re-dutor.

Fresco de 
Domenico di Michelino:  
A Comédia ilumina Florença
(na parede da 
Duomo de Florença 
de Santa Maria del Fiori
- foto VO)

     Se é criticável (porque desencorajador) o letreiro de entrada no Inferno, é bom reconhecer que nenhum Lete pode anular evidências herdadas de um passado ainda tão presente. Nem em tempo de Páscoa a redenção é possível, quando a "comédia" (desejada e em construção) está longe da ética de alguns protagonistas que nos têm governado nas últimas décadas, inclusive dos que têm reaparecido sem estarem isentos pelas (in)ações e pelas saídas que assumiram.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Poesia no Dia Internacional do Teatro

    Depois de ter ido ao teatro no Dia da Poesia, é justo que no Dia Internacional do Teatro proponha um poema.

    Pelos versos de Herberto Helder, fica o retrato poético dessa figura essencial à representação, esse ser que dá cara, mão, peito... corpo ao teatro: o ator.

O ACTOR

O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

                                                              in Poesia toda
                                                                                           Lisboa, Assírio e Alvim, 1981

       Este um poema nascido do corpo e feito corpo, pela escrita, num exercício da ordem da experiência e da transformação criativa. Enquanto forma de expressão, tem, na criação, no fingimento, essa eterna imagem da representação, semelhante à do ator em contínua transfiguração.

      Esta a imagem de um dia com história, escrita na minha mente e à qual nenhuma cortina ou palco de vida porá fim.

terça-feira, 26 de março de 2013

O que fazem o vento e a névoa de areia!...

    Do domingo passado até hoje, ficou em papel.

    Fica, agora, em suporte virtual, um momento que, na insuportável solidão, se afogou nas palavras, nos versos e nas rimas.


     No decurso do tempo, há sentidos que surgem, mesmo quando não se vê sentido nenhum na realidade que se vive.

      Sem papel, ficam os versos de hoje até sempre.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Fico-me pela música!

     Há filmes que são tão áridos quanto algumas das paisagens que apresentam.

     Ao final de quase duas horas, o balanço para o filme de Martin McDonagh intitulado "Os sete psicopatas" é o de uma sucessão de imagens de sangue a inundar a vista; de típicos desertos da Grande Bacia dos EUA a amarelar ou alaranjar a tela; de uma história que, entre o despropositado e o bizarro, toca o registo da comédia só pelo que revela de absurdo.
    O estilo não anda longe de um 'made à la Tarantino', com o inconveniente de, em termos de intriga, esta não se afirmar por qualidade alguma. A comédia tem a nota do humor negro. O desafio é o de encontrar um propósito, um sentido significativo para toda a história produzida, com personagens excêntricas (psicopatas, claro, e logo sete...), um cão (Shih Tzu) e situações caracterizadas entre o inusitado e o forçado.
    Marty Faranan (Colin Farrell), um argumentista a viver um período crítico de inspiração, procura concluir o guião fílmico "Sete Psicopatas". De resto, o filme é uma espécie de meta-narrativa cinematográfica sobre o ato criativo, refletido na construção de toda a ação e das personagens. Cruzam-se ficções com a realidade vivenciada pelas personagens, sendo uma destas Billy (Sam Rockwell). Amigo de Martin, procura ajudar o companheiro na crise instalada, propondo-lhe a escrita sobre psicopatas. Ao roubar o cachorro de estimação de um gangster (Woody Harrelson) - um criminoso obcecado pelo seu Shih Tzu -, traz para sua esfera de ação uma série de personagens e comportamentos obsessivas e tresloucadas, num desvirtuamento e numa desregração que parece não ter fim.
    No final, de positivo, regista-se a música que abre e fecha a sessão. Vale a pena recordar aquela que é a melodia original, dos finais dos anos sessenta (1967), para versões mais contemporâneas como as de Rod Stewart ou Sheryl Crow: "The first cut is the deepest", música escrita por Cat Stevens para a voz soul de P. P. Arnold.
    Fica esse original:


   THE FIRST CUT IS THE DEEPEST

I would have given you all of my heart
but there's someone who's torn it apart
and she's taking almost all that I've got
but if you want, I'll try to love again
baby I'll try to love again but I know

The first cut is the deepest, baby I know
The first cut is the deepest
'cause when it comes to being lucky she's cursed
when it comes to lovin' me she's worst
but when it comes to being loved she's first
that's how I know

The first cut is the deepest, baby I know
The first cut is the deepest

I still want you by my side
just to help me dry the tears that I've cried
cause I'm sure gonna give you a try
and if you want, I'll try to love again
but baby, I'll try to love again, but I know

The first cut is the deepest, baby I know
The first cut is the deepest

'Cause when it comes to being lucky she's cursed
when it comes to lovin' me she's worst
but when it comes to being loved she's first
that's how I know

The first cut is the deepest, baby I know

The first cut is the deepest

    Fica ainda a versão hoje mais conhecida, na voz de Sheryl Crow:


    Se, pelo filme em causa, a minha opinião é a de que este não rezará história na sétima arte, regresso à primeira de todas (a música) para dar expressão a um tempo sempre feito com sentido.

sábado, 23 de março de 2013

Raízes... com; raiz... sem

    Agora que anda por aí mais um filme com imagens de Lisboa (Comboio Noturno para Lisboa), lembrei-me de um outro, português, que também se rendeu à capital.

    O filme de Paulo Rocha, "A Raiz do Coração", foi dedicado aos realizadores Jean Renoir e Frederico Fellini e também homenageou a capital portuguesa. Lisboa é a personagem principal, mostrando-se como cidade de futuro, mágica e colorida, sem esquecer as raízes do seu passado.
    Muito questionador dos hábitos e costumes tradicionais, a película é apresentada, em capa de DVD, da pior forma possível (ou, estrategicamente, quebrando as tradições gráficas).
     Dizem as regras ortográficas que o 'i' e o 'u' quando precedidos de vogal com a qual não formam ditongo não são acentuados graficamente, particularmente os seguidos de 'l, m, n, r, z' que não iniciem sílabas. Daí escrever-se, sem acento, 
. juiz;
. raiz;
. paul;
. Raul;
. ruim;
. Saul.  
     Fosse o título no plural, já não haveria problema, pois, a forma correta seria acentuada: raízes (tal como juízes). Contudo, no singular, "Raiz" nunca teve acento.
     Escritas destas, como as da capa, são escusadas.

    Valha-nos Manuel de Oliveira, que se deixou encantar pela capital do Norte e nos ofereceu um Aniki Bobó, a preto e branco e com os devidos acentos.

sexta-feira, 22 de março de 2013

A um pequeno GRANDE HOMEM e ENORME PROFESSOR

     Há nomes tão grandes que não desmerecem as pessoas exemplares que os têm, por mais pequenas que nos surjam aos olhos.

     Lembro-me, enquanto estudante do ensino secundário, que era dos nomes mais citados sempre que se pretendia referenciar ou desenvolver algum trabalho sobre literatura. A História da Literatura Portuguesa era, então, título consabidamente conhecido entre os jovens que se orientavam para os cursos de Letras (como eram então conhecidos, na década de oitenta do século passado). Não quer isto dizer que os de Ciências o desconhecessem, mas havia já um sentido de identidade que os alunos dos cursos humanísticos assumiam na frequência com que ouviam falar tanto de António José Saraiva como de Óscar Lopes.
    Quando, em 1984, entrei para o curso de Línguas e Literaturas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, voltei a deparar-me com o nome do Professor Doutor Óscar Lopes no momento de inscrição nos horários de Introdução aos Estudos Linguísticos. Ganhava aí a consciência da extensão maior de saber num homem: do historiador de literatura para o linguista. Copiava então um nome que já respeitava e que imaginava na grandiosidade física proporcional à imponência do saber. Verificado o horário da disciplina, mais o local, apresentei-me no anfiteatro pequeno da faculdade, então localizada na Rua do Campo Alegre, num edifício junto ao Jardim Botânico. A curiosidade era imensa: se a compatibilidade horária com outras cadeiras do plano de estudos de Português-Inglês me fez assistir e frequentar as aulas da Professora Fernanda Irene Fonseca (circunstância de que não me arrependo em absoluto), não pude deixar de me infiltrar num grupo que iria trabalhar com quem, à partida, eu gostaria de ter ficado mais tempo e mais perto.
     Recordo-me das primeiras linhas de apontamentos que tentei tirar, depois do espanto de ter visto entrar e ficar à minha frente um professor de pequena estatura, aspeto franzino, semblante aquilino e trato afável. Explicou a todos os presentes que tinha ido almoçar muito rapidamente à Alicantina e acabara por gizar, num pequeno e fino guardanapo de papel (entretanto retirado, e desdobrado, do bolso do sobretudo),  os tópicos para o tema de que ia falar: sinais e linguagem. E, para tal, nada melhor do que convocar experiências e conhecimentos de mundo.
    Tentei tirar apontamentos, sim,... tentei. Mas o assombro do que foi essa aula estava mais para apreciar o que ouvia do que para me perder na escrita. Cheguei mesmo a listar as ciências e/ou áreas de saber que foram evocadas naquela sessão de 120 minutos:  astrologia e astronomia, biologia, ciências náuticas, física, química, economia, geografia, sociologia, filosofia, medicina, música, pintura, arquitetura... Entre a angústia de pensar que era melhor registar o que ouvia (para não perder) e o prazer de escutar, de acompanhar os raciocínios e a argumentação produzidos, fiquei-me pela segunda.
    Repeti a experiência por mais cinco / seis lições, com o mesmo fascínio e, reconheço, a vontade de poder dominar só uma pequeníssima parte de todo aquele saber, conjugado com naturalidade e humildade capazes de motivar qualquer público.
     Nesta grandeza, explica-se como era possível encontrar o Professor caminhando no passeio da Avenida da Boavista, junto à parede das casas, sem qualquer nota de protagonismo e como que humildemente procurando proteção e generosamente oferecendo o espaço restante aos que com ele se cruzavam.
     Anos mais tarde, em maio de 1996, quis o destino que fizesse parte de uma comissão organizadora de homenagem a Óscar Lopes - o 1º encontro de professores de português (a língua mãe e a paixão de aprender), promovido pela Areal Editores no Salão Nobre da Câmara Municipal de Matosinhos. Dava eu aulas, nessa altura, na Escola EB2,3 de S. Pedro da Cova. Assim que o Professor o soube, pediu-me que ensinasse e fizesse o melhor que pudesse por aquelas gentes de que tanto se lembrava e estimava. Assim o quis fazer, por não poder ser por menos - nessa altura, Vasco Graça Moura, que nunca tinha sido aluno direto de Óscar Lopes e todavia sempre se sentira como se o tivesse, chamou-lhe "o Professor dos Professores" (expressão de correção e rigor).
      Com Óscar Lopes ficou-me uma máxima: "O sentir liberta-se quando o pensar está bem arrumado" [in Gramática Simbólica do Português (um esboço), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971]. Também, um princípio pedagógico-didático: "O aluno não precisa de saber exactamente para onde vai, mas o professor precisa; e, se o souber, descobrirá muito mais facilmente qual o modo mais adequado de interrogar, de estimular problemas interpretativos, e qual a melhor altura para inculcar as peças de raciocínio simbólico, e para, pouco a pouco, as articular com vantagens correlativas no domínio da precisão racional e no do apuramento da sensibilidade" (idem, pág. 8).
    Transcrevo aqui algumas das sábias palavras que ouvi há quase vinte anos e que (re)leio hoje na pertinência e no ajustamento de qualquer tempo:

      "Eu chamo a esta disciplina [falando do Português] uma superdisciplina, porque, no fundo, deveria coroar todo o ensino, ou toda a comunicação. É na língua materna que tende a confluir tudo o que se aprende, e por isso esta é, por excelência, a disciplina em que há sempre algo de novo, em que o professor, com a integridade dos seus dons, ultrapassa de longe o próprio programa. É preciso estar atento ao novo que se exprime literariamente, incluindo o mundo que se traduz em qualquer língua estrangeira (...). Por outro lado, a nossa gramática escolar tem de condizer com a mais exacta das nossas disciplinas, a matemática, que assenta não no algarismo (o algarismo decimal veio do Oriente, no século XII, com os Árabes - os Árabes! -, e só nos familiarizámos com esse sistema de numeração no século XVIII), mas nas operações mentais, que se realizam em qualquer das sete ou oito mil línguas do mundo. É indispensável que o professor de língua materna e o professor de cálculo formal (ou matemático) se compreendam um ao outro, porque, de contrário, somos nós que não nos entendemos, impotentes, perante uma grande manifestação de esquizofrenia real que já não pode vencer-se".
(Excerto da alocução do Professor Óscar Lopes,
no 1º encontro de professores de português - homenagem a Óscar Lopes,
2-3 de maio de 1996)

      Um Professor que teve a paixão de ensinar, pela paixão que teve com e pelas causas justas.
      RIP


quinta-feira, 21 de março de 2013

Em dia de poesia, fiquei-me pelo teatro.

    Na linha de um "ridendo castigat mores" aplicado à época setecentista e com evidentes ecos no tempo contemporâneo, Pierre Marivaux viu muito além do seu tempo (ou aquilo que fica, porque somos nós que passamos).

    Uma adaptação e combinação de vários textos de Marivaux (L’Amour et la vérité, Le Chemin de la fortune, La Réunion des amours, Félicie e Le Cabinet du philosophe) é o manto que a adaptação e encenação de Luís Miguel Cintra propõe aos espectadores para uma noite no Teatro Nacional de S. João, com a peça Os Desastres do Amor, levada à cena pelo Teatro da Cornucópia. Nela assiste-se à representação de um mundo composto de alegorias para valores, virtudes que se perde(ra)m ao longo do tempo(s).
    Passam os séculos, a mudança impõe-se paulatina e repetidamente. Aspira-se a novos padrões, novos princípios, mas o confronto final é feito sempre com o que se julgava já perdido. Entre balanços e confrontos com visões da vida, passamos.
   Do Cupido-menino, que cresceu e se tornou 'Amore', a um Dom Cupidom que radicaliza a vivência amorosa, evidencia-se a decadência dos costumes (inclusive a de uma herança cultural, mitológica, desconstruída ao longo de gerações), pela forma de um 'palácio da Fortuna' cuja piscina seca dá lugar a um palco de cruzamentos, animações, festas para entreter personagens com percursos feitos de desequilíbrio, injúria, despudor, arrogância, poder inconsistente, interesseiro e interessado no que há de mais físico, material e centrado no prazer de ser, sentir e ter.
    Numa primeira parte, há o tempo para se "apostilar o exórdio": um homem (Amor) e uma mulher (Verdade) dialogam para que todos saibam que a mentira está na cidade ("indigno comércio de complacências e de logros que a Lisonja aqui introduziu").
Os Desastres do Amor - Teatro da Cornucópia  (foto de Sara Santos)
     Na segunda, Felícia, uma viúva de meia-idade em busca da felicidade e da verdade, descobre não ser fácil (senão impossível) amar, mesmo dizendo que tudo controla na aproximação àquele que lhe oferece a oportunidade de vi-ver esse sentimento. Parece desconhecer os limites na apreensão do amor, em particular, e da vida, em geral; aprende-os pelo percurso feito, mas passa por eles praticamente incólume, sob a proteção constante de uma fada-madrinha (a Doutora, Diana, Fortuna, a dona do 'Palácio da Fortuna') que, pouco tendo de virtuosa, é uma espécie de deusa suprema, pondo à prova seres e almas que quer ver trabalhados e analisados num mundo composto por uma babel linguística (italiano, espanhol, francês, inglês, português). Nele brincam ricos e gaudérios, comportando-se como deuses do Olimpo. Sofrido e desiludido fica o "amador" Dimitri: um estrangeiro que amou; um pobre que procurou lutar e escolher uma vida que ele queria construída à medida das suas ideias e dos seus ideais.  
      Bem que podiam ser estas as palavras do apaixonado, revistas na inspirada e famosa canção napolitana dos anos trinta composta por Enzo Fusco:

      DICITENCELLO VUJE

Dicitencello
a ‘sta cumpagna vosta
ch’aggio perduto ‘o suonno
e ‘a fantasia.

Ch’ ‘a penzo sempe,
ch’ è tutt”a vita mia.
I’ nce ‘o vvulesse dicere,
ma nun ce ‘o ssaccio dì­.

‘A voglio bene
‘A voglio bene assaje.
Dicitencello vuje
ca nun mm’ ‘a scordo maje.

E’ na passione
cchiù forte ‘e na catena,
ca mme turmenta ll’anema
e nun mme fa campà.


Dicitencello
ch’ è na rosa ‘e maggio,
ch’ è assaje cchiù bella
‘e na jurnata ‘e sole.


Da ‘a vocca soja,
cchiù fresca d”e vviole,
i già vulesse sèntere
ch’è ‘nnammurata ‘e me.


Na lacrema lucente
v’è caduta,
dice­teme nu poco:
a che penzate?

Cu st’ uocchie doce,
vuje sola mme guardate.
Levammoce ‘sta maschera,
dicimmo ‘a verità.

Te voglio bene.
Te voglio bene assaje.
Si’ tu chesta catena
ca nun se spezza maje.

Suonno gentile,
suspiro mio carnale,
te cerco comm ‘a ll’aria,
te voglio pe’ campà.

Te voglio pe’ campà!


"Dicitencello Vuie" na voz dos tenores Placido Domingo, Luciano Pavarotti e Jose Carreras

   Sem sucesso. As palavras e a melodia não seduzem o coração feminino: Felícia rende-se à moral dominante, não explorando as possibilidades de realização e de felicidade oferecidas por quem a ama. 
   Duas vítimas jazem no palco: Modéstia, a companheira cedida pela fada-madrinha, que não permitira ousadias na busca da felicidade; um "escort" de luxo, Apolo, com muitas "artes de sobrevivência", mas sem final feliz.

      E assim chega o momento de "apostilar o epílogo": se Escrúpulo é a personagem pela qual todos devem passar para entrar no "Palácio da Fortuna", neste último parece tudo haver, à exceção do amor terno e puro que não vence; a fortuna fica mais para a materialidade (a do prazer e do dinheiro) do que para a sorte ou destino, na virtude e na honestidade. Que escrúpulos são estes? Mudança de tempos, mudança de sorte, mudança de valores? O tempo o dirá.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A história do mundo em dois minutos

      Já são tantos os milénios e tudo cabe na sucessão de um breve instante.

      Este é o vídeo que sintetiza, em pouco mais de dois minutos, toda a história do mundo:


      Em quatro andamentos musicais, poder-se-á captar a evolução dos tempos - das origens ao ciclo do eterno retorno.

      No andamento daquele que é o nosso tempo, há do melhor e do pior do que o Homem tem sido capaz.

Imprópria para consumo

      Por mais que se anuncie a(s) virtude(s), há vício(s) que deita(m) tudo por água abaixo.

      Não há credibilidade que resista a tanto erro. Escapa a primeira frase.


      O sujeito composto da segunda frase deveria dar lugar à concordância com o verbo no plural ('tornam-na'), para não falar numa estrutura frágil da coordenação - entre a definitivização do primeiro termo ("A sua fraca mineralização") e a ausência dela no segundo grupo nominal (que deveria ser "o baixo teor de nitratos"). 
     Depois de tudo isto há ainda uma vírgula impensável a separar esse longo sujeito do respetivo predicado.
     Não havia necessidade!
     Que tal contratar alguém que trate da imagem linguística da empresa?

      Caso para dizer que não foi esta água que me levou ao moinho. E registe-se, por fim, que há mais "todos", para lá de bebés, idosos e hipertensos (mas isso que o consumidor conclua).

segunda-feira, 18 de março de 2013

Tem o valor que tem

     Nada melhor a dizer para se expressar a relativização dos factos, por mais repetitivo que o enunciado possa parecer.

     Hoje dei cumprimento ao que me foi solicitado na escola: preencher um inquérito internacional de ensino e aprendizagem (TALIS) 2013, no âmbito das Escolas Pisa, organizado pela OCDE e Portugal (em conjunto com mais de trinta países participantes, a fornecerem informação para análise da educação e do desenvolvimento das políticas educativas). Disseram-me, na semana passada, ter sido um dos 32 selecionados na escola para o efeito. Bastou-me ter um aluno com quinze anos e ser considerado professor com vínculo estável à escola. Saiu-me o berlinde!
     À medida que leio o inquérito e o preencho, vou minimizando o interesse e o propósito. Levo a ação até ao fim, ainda que a vontade seja praticamente nula. Pergunto-me mesmo se vale a pena ser sério nas respostas. Vou em frente, mantendo-me bem intencionado.
     A razão do mal-estar é recorrente, e pior ainda quando se apresenta como uma prática e um documento de natureza oficial, acompanhados por uma estrutura do Ministério da Educação e Ciência (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência).
     Cá vão os motivos, mais precisamente quatro.

     a) Numa folha de instruções para o preenchimento online, lê-se:

         (caso para dizer que, afinal, não são apenas os alunos a confundir a acentuação gráfica do futuro com a das contrações: distinga-se o necessário acento agudo na primeira do acento grave só aplicado nas segundas);

      b) A encabeçar uma sequência de questões, aparece a seguinte introdução:

        (entre vírgula a separar o complemento direto do respetivo núcleo verbal ou a ausência de uma segunda vírgula a justificar um encaixe, o resultado prático é o mesmo: um erro básico de pontuação);

      c) Uma das questões a abordar propõe o seguinte enunciado:

        (não bastava o enunciado, a remeter para uma realidade que até pode tomar-se por risível - face ao que sucede no contexto educativo português -, e ainda tinha de haver uma vírgula a separar o sujeito do devido predicado... É dose!)

       d) Outra das questões é introduzida pelo parágrafo dado:

         (não se fosse pensar que o caso anterior era a ocorrência de uma simples gralha, insiste-se no erro crasso: separa-se o sujeito do predicado com uma só vírgula, só para contrariar uma das poucas regras certas, estáveis neste sinal de pontuação).

       Numa folha de apresentação do inquérito e dos procedimentos necessários ao seu preenchimento, lê-se que é possível encontrar algum desajustamento face aos contextos de aplicação do documento. É um facto! E no que toca à utilização correta da dimensão gráfica da língua isso é mais do que evidente.

      Mais um caso para testemunhar o que não vem de cima. Daí que isto tenha o valor que tem. Quando, a propósito dos dados do PISA, se disser que os alunos revelam / não revelam o indicador X ou Y, saiba-se que o problema não é só deles.

domingo, 17 de março de 2013

Questões de tempo e sentimento.

     Da nostalgia ao prazer presente.

     O presente tem destas coisas: vive do instante, evoca o já passado, espera pelo que vem. 
     Depois das lembranças de ontem, o pedido é de um hoje para não haver futuro em separação.
   Com a voz de Héber Marques, os HMB (Joel Silva, na bateria; Daniel Lima, nos teclados; Fred Martinho, na guitarra, e Joel Xavier, no baixo) exploram sonoridades da música soul e do rythm and blues.
    Desde os valores mais políticos (que sugerem a emigração como saída para os jovens) aos que se tomem por mais pessoais (para bem das relações que queiram presente e futuro), esta canção faz todo o sentido.

Vídeo oficial de 'Não me deixes partir' - HMB

          NÃO ME DEIXES PARTIR

Fecho os olhos e imagino que não vivo mais, não vivo mais
E o que importa se louco sou
E somos desiguais, dizem os demais

Fui criança com pressa de crescer
Mas hoje a vida à força faz-me perceber
Que tudo a seu tempo tem o seu valor
Tudo a seu tempo tem o seu valor

Não, não me deixes partir
Sem entender o que temos aqui
Não, não me deixes partir
Sem entender o que temos nós dois

Quem sabe, de repente, faz-me um sinal
Apenas um sinal
Um gesto simples, não complicado nem ousado
Apenas um sinal

Fui criança com pressa de crescer
Mas hoje a vida à força faz-me perceber
Que tudo a seu tempo tem o seu valor
Tudo a seu tempo tem o seu valor

Não, não me deixes partir
Sem entender o que temos aqui
Não, não me deixes partir
Sem entender o que temos nós dois

       Um pedido, numa relação, insistente, para um presente que talvez dê futuro.

      Há quem diga que o presente não é tempo, de tão genérico que se vê. Nesta canção, ele é o tudo que existe entre um 'eu' e um 'tu' (combinados em 'nós'), num 'aqui' e num 'hoje' (que não se querem sós).

Sozinho

     Em ondas de revivalismo no rock português, chegaram os Taxi (sem acento, para não se confundir com nenhum meio de transporte).

     Na década de oitenta do século passado, um grupo do Porto fazia carreira musical no género do novo rock português, tornando-se o primeiro a obter um disco de ouro nessa onda então por conhecer. Era o álbum "Táxi" a cumprir o feito, mas seria "Cairo" a assumir-se como a pedrada no charco, apresentando-se ao público em formato vinil e numa inovadora capa de lata circular (face aos habituais quadrados em cartão). Três dias foram suficientes para, na lista de vendas, se atingir o disco de prata; nem numa semana, foi conseguido novo ouro.
      A formação de João Grande (voz), Henrique Oliveira (guitarra), Rodrigo Freitas (bateria) e Rui Taborda (baixo) conta na sua lista de êxitos com uma balada intitulada "Sozinho", do Long Play "In the twinkling of an eye" (1985). 


       Nos tempos de adolescência, algo me fazia gostar da melodia; hoje, a letra ganha mais sentido.

     SOZINHO

Ai, como eu queria
Ver anoitecer
Foi mais um dia
Sem chegar a ser

Abro a janela, saio pra rua
Não vejo mais ninguém
Vivo pela noite, sempre correndo
Sentindo que ela vem

Tudo vai e vem sem dar por mim
Tudo vai e vem sem ter um fim

Vou sair, vou andar sozinho
Vou sair, vou dançar sozinho

Eu nao sabia
O que era perder
Vem mais um dia
E eu sem esquecer

    A noite é sempre desejável quando os dias não o são ou quando só servem para cumprir calendário.

      Momentos, tempos de nostalgia que a música apazigua.

sábado, 16 de março de 2013

Na rua... enquanto questão de sintaxe

     Mesmo com chuva, nada como saber como andar na rua.

     A pergunta, veio em estilo de pedido de confirmação.

   Q: Qual é a função sintática de "na rua" em "Encontrei um amigo na rua"? Complemento ou modificador?

    R: Trata-se de um complemento oblíquo. Assim o determina a estrutura argumental do verbo 'encontrar': alguém ENCONTRAR algo / alguém em algum sítio
      A expressão sublinhada é o argumento sintático-semântico associado à configuração 'na rua'. O verbo principal seleciona este último, na mesma linha significativa e lógica de verbos como COLOCAR, GRAVAR, GUARDAR, PROCURAR.
       Neste sentido, o verbo 'encontrar' é um exemplo de verbo transitivo direto (ao selecionar complemento direto) e indireto (ao selecionar complemento oblíquo).

       E para quem tiver dúvidas acerca disto, aposto que, se disser que encontrei um pote de ouro, toda a gente vai querer saber onde. E mais não digo.

      

quinta-feira, 14 de março de 2013

Exemplos... maus.

     A prova de que as referências são relativas (muito relativas) é cada vez maior.

     Foi lido, ficou a dúvida e o confronto fez-se. Vamos lá ver se alguém chega à luz.

     Q: Consultei uma gramática e encontrei lá os exemplos "arruivado" e "emproado" para dar conta da formação de palavras por parassíntese. Considera que são bons exemplos? E, já agora, "desodorizar"?

     R: Em apontamentos anteriores, chamei a atenção já para o facto de a parassíntese ser um processo típico para a formação de verbos denominais ou deadjetivais, com prefixo e sufixo simultâneos. O mesmo sucedeu com processos de formação sequenciais, com faseamentos distintos.
     Ora, o caso de "arruivado" é um exemplo formado a partir da base "arruivar", pelo que se processa apenas derivação por sufixação na base considerada. De igual modo, "emproado" é obtido a partir de "emproar". Só as formas verbais mencionadas correspondem a casos de parassíntese, atendendo aos nomes / adjetivos que estiveram implicados na formação delas.
  Quanto a "desodorizar", não se trata seguramente de parassíntese, pois só se obtém essa forma verbal com "odorizar"; daí, tratar-se de um caso de derivação por prefixação que sucede a um processo anterior, no qual uma base derivante nominal (odor) deu lugar a um verbo derivado por sufixação (odorIZAR).

     A julgar pelo que esteja escrito na consulta feita, este é mais um caso morfológico que se revela crítico no que ao ensino-aprendizagem da gramática  diz respeito.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Entre Assis e Xavier, fica Francisco

       Hoje foi dia de fumo branco, pelo final da tarde - está eleito o novo Papa.

    Entre as novidades (primeiro Papa oriundo da América Latina, primeiro Papa filiado na Companhia de Jesus), surge também o primeiro Francisco no historial do papado.
    A escolha do nome é marcante, seja na santidade evocada com São Francisco de Assis (fundador da ordem mendicante dos frades menores, séc. XIII) seja na de São Francisco Xavier (co-fundador dos missionários jesuítas, o "apóstolo do Oriente", no séc. XVI).
      A possível inspiração nestas duas referências eclesiásticas poderá estar na base de alguns dos gestos ora simples e despojados ora abrangentes e dedicados, que marcaram a apresentação do novo Sumo Pontífice ao mundo: a aproximação ao povo pelo toque humorístico (ao dizer que o foram buscar "ao fim do mundo") e pelo posicionamento humilde (submetendo-se à oração dos crentes e com estes; solicitando consideração e agradecendo ao seu antecessor); o apelo ao silêncio (conseguido); o sentido de maior serviço e de missão (numa lógica menor de poder) para com a comunidade e desta recebendo a bênção.
    De ambos os exemplos santificados, biograficamente associados a famílias abastadas, devia resultar ainda o desprendimento aos bens materiais, às riquezas mundanais. O Papa nada disso vai seguir, por certo, ao presidir a um dos estados com riquezas incalculáveis - de que o Museu do Vaticano é um pequeno exemplo, com os grandes salões de esculturas greco-romanas, de tapeçarias, de pinturas de vários séculos marcantes, entre outros.
     Resta ao sucessor de Pedro distinguir-se e deixar-se orientar pelo sentido de humanidade e pela preocupação social. Para já, passará a ter lugar no friso cronológico sucessório dos Papas visível no cimo das galerias da Basílica de São Paulo Extramuros.

Friso cronológico dos Papas nas paredes superiores das galerias (cimo)
Imagens dos Papas João Paulo II, do Papa Emérito Bento XVI e o círculo para o novo Papa Francisco (baixo) 



   Como se pode ver na imagem, ao fundo e à esquerda, lá está o espaço destinado a FRANCISCVS I.
     Trata-se de uma das cinco basílicas papais romanas (além da de S. Pedro, de S. João de Latrão, de Santa Maria Maior e de S. Lourenço Extramuros), localizada fora do Vaticano, mais precisamente na zona moderna de Roma, a que foi construída por Mussolini para a Exposição Universal de Roma (EUR) - evento que acabou por não se concretizar dado o início da II Guerra Mundial.

Um percurso por terras italianas - viagem por São Paulo Extra-muros (Roma)

     Em território laico, a jurisdição do espaço é, contudo, católica e papal. Encontra-se aí o que as escavações arqueológicas e as investigações de perícia têm identificado como o local do martírio e da sepultura de S, Paulo (este, por ser cidadão romano, foi decapitado, por ordem de Nero, fora das muralhas da cidade imperial).

     Ainda agora foi eleito o novo Papa e já lhe traçam um percurso junto de forças políticas e de interesses questionáveis, dúbios, no que aos valores católicos e cristãos diz respeito. A maioria está em grande expectativa e os sinais já dados nas breves comunicações produzidas, se forem continuados, anunciam uma ação evangelizadora e pastoral que pode ser significativamente marcante.

terça-feira, 12 de março de 2013

Fumo cinzento

      Em dia de primeira votação para a eleição de um novo Papa, foi dinamizada uma ação de formação sobre avaliação externa. Se para a primeira houve fumo negro, na segunda a coisa ficou pelo cinzento.

       A velha questão entre o que é o plano de orientação para ação e a ação propriamente dita é a visão díptica que Licínio Lima desenha para explicar o que é o funcionamento da organização escolar a diferentes níveis de análise (entre o mais centralizador e o mais contingencial), onde algumas infidelidades normativas não deixam de ter lugar.
       No âmbito da avaliação docente, pode concretizar-se esse funcionamento díptico: entre o espírito da letra de um normativo e a sua concretização, interpõem-se representações, esquemas de ação, concetualizações tão variáveis quanto redutores à medida que se pretende operacionalizar um mecanismo avaliativo que não pode esquecer os participantes nele implicados (sob pena de tornar retórico e vão tudo o que sejam enquadramentos, preâmbulos, orientações genéricas para a avaliação).
       Isso mesmo pôde ser constatado ao longo de um dia de trabalho que procurou orientar para uma reflexão da avaliação docente, segundo um discurso, uma atitude, uma processualidade e uma metodologia assentes em tudo o que são pressupostos supervisivos (pré-observação, observação, pós-observação; dimensão pré-ativa, ativa e pós-ativa; contacto prévio, planificação de aula, execução, reflexão e análise). Entrecortava-se esta visão com ressalvas que comprometiam, de alguma forma, esta orientação inicial: ora constatando uma dimensão quase inspetiva dos avaliadores externos ora admitindo possibilidades que um exercício de sensatez, compromisso e equilíbrio no desenvolvimento profissional não pode evitar.
       Na discussão do que é distintivo entre supervisão e avaliação docente, evitavam-se frequentemente as relações que podem e devem ser mantidas entre os processos de construção da profissionalidade docente e a supervisão. Este é um desafio a perspetivar, tendo como referência as mais recentes contribuições investigativas e o horizonte das novas tarefas de âmbito supervisivo, nomeadamente a que diz respeito à avaliação do desempenho docente.
      Ainda que a saliência da avaliação externa configure uma vertente que culmina num peso significativo da modalidade sumativa na avaliação, este aspeto não colide com uma componente formativa necessária ao objetivo do desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional docente. Assim se exploram oportunidades de ação, intervenção, orientação focadas nas práticas e na observação de aulas, nas quais a supervisão ocorre ainda que de uma forma mais restrita (comparativamente a uma avaliação interna, por exemplo).
     Melhor do que eu o possa dizer, cito Isabel Alarcão e Maria do Céu Roldão, na obra Supervisão. Um contexto de desenvolvimento profissional dos professores (2ªed., Edições Pedago, 2010, pág. 19):

      “No caso dos professores que se encontram já em contexto de trabalho, esta supervisão [a dos estudantes / futuros professores em situação de estágio], a que poderíamos chamar vertical, dá (ou devia dar) lugar à supervisão interpares, colaborativa, horizontal, que, aliás, deve acompanhar, e acompanha muitas vezes, a supervisão vertical. Nenhuma delas exclui a importância da auto-supervisão, de natureza intrapessoal. As novas tendências supervisivas apontam para uma concepção democrática de supervisão e estratégias que valorizam a reflexão, a aprendizagem em colaboração, o desenvolvimento de mecanismos de auto-supervisão e auto-aprendizagem, a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, a assunção da escola como comunidade reflexiva e aprendente, capaz de criar para todos os que nela trabalham (incluindo os que nela estagiam) condições de desenvolvimento e de aprendizagem"

     Antevejo aqui um desafio para a supervisão na avaliação do desempenho docente, a julgar que o princípio do desenvolvimento profissional não é retórico; que a avaliação entre pares faz sentido numa perspetiva eminentemente cooperativa, colaborativa, intersubjetiva; que os valores de participação democrática e compromissiva são mais convergentes e orientados para desempenhos integrados, integrantes e integrativos.

      No que haverá a construir para a claridade em todo este processo, seria bom que as oportunidades de desenvolvimento não se perdessem em favor de uma lógica fechada, voltada para produtos acabados em que a excelência se construísse apenas na base do que é apriorístico, tecnicista, exclusivamente racional e de uma pretensa objetividade. Naquelas creio haver um reconhecimento de a(tua)ção mais alargado do que nesta. Porque a escola é uma organização feita por pessoas e para pessoas que se "formam".

segunda-feira, 11 de março de 2013

O poder do frango

      O poder criativo da língua tem algumas previsibilidades.

    Na estrada, à minha frente, uma carrinha circulava com destino a algum posto, armazém, talho, restaurante ou loja a fornecer. Fornecer o quê? Frangos.
      Ele há frangos para todos os gostos (desde os que se veem, por vezes, nos estádios de futebol aos franguinhos ou franganotes que se armam em chicos espertos e têm a mania que querem ser galos); mas os da carrinha são pintos da galinha já desenvolvidos, à espera de confeção e de prato, para consumidor que os aprecie.
      Para quem tenha dúvida na qualidade do produto, a empresa Lusiaves dá a conhecer novo vocábulo, entre a sonoridade similar com o 'francamente' e a derivação sufixal aplicada a partir de 'frango' (masculino que, pela transformação flexional típica em feminino, é base derivante para um advérbio criativo, na mesma lógica dos advérbios deadjetivais).
     Em termos fonético-fonológicos, poder-se-ia ainda falar do par mínimo representado nas oclusivas velares [k] e [g], para o contraste surdo / sonoro dos termos 'francamente / frangamente'.

      E no meio disto tudo, a criatividade linguística impõe-se, à custa do frango e no franco propósito de conquista de mais apreciadores.

domingo, 10 de março de 2013

Portugal? Qual?

      Cruzei-me com um poema de Alexandre O'Neill.

     Eram os anos sessenta e surgia Feira Cabisbaixa (1965), título de livro para um jogo ser-aparência, para a expressão da sátira e do manifesto que desvela um tempo de vida vazia, de um conformismo incomodativo. Um tempo para um país a descobrir ("se fosses só três sílabas" implicita que não o era à altura da escrita): do que era pintado a heroísmo para o que se revelava "cabisbaixo" e "desmanchado" como a feira.

(do programa da RTP "Um poema por semana", ideia de Paula Moura Pinheiro e declamação da jornalista Maria José Marques)


           PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...


      Do verso nacional ao reverso poético, há um percurso feito de incomodidade, uma visão toldada de desajustamento, da insatisfação e do remorso.

      Mais valia dizer que me cruzei com um Portugal, aquele que, no poema, me parece a este tempo tão igual! Qual?! O de um país que foi posto a perder, com tantos por responsabilizar e por sofrer.

sábado, 9 de março de 2013

Marcadores (e não são de livros)

     Há perguntas que, no vazio, são pouco clarificadoras.

     Fiquei dominado pelo insólito de uma simples pergunta; todavia, vinda de quem vem, não quero crer que seja para dar conhecimento da existência de algum ponteiro, instrumento para sublinhar texto ou indicador de página para o livro que se esteja a ler.

     Q: O que entende por 'marcadores'?

     R: Entendendo que o referencial de trabalho é o da análise dos discursos, "marcador" é uma designação genérica para um conjunto de unidades linguísticas invariáveis, de natureza pragmático-discursiva, associado à produção de atos de fala e que permitem estabelecer relações entre enunciados (para os orientar argumentativamente, para introduzir novos temas e/ou, ainda, estruturar a informação partilhada num ato comunicativo). Evidenciam-se, com ele, os propósitos de ordenar / hierarquizar, de conectar logicamente, de reformular ou retificar, de explicar, de proceder à verificação / manutenção dos circuitos ou dos elementos em comunicação.
      A par de outras situações em que já tive a oportunidade de me referir a marcadores, acrescentaria que, se os articuladores / conectores exprimem relações semânticas entre as unidades interligadas apoiadas em lógicas e conhecimentos de mundo partilhado (experienciais), os marcadores  focalizam mais a produção de atos de fala (independentemente do suporte oral ou escrito), deslocações ou movimentos discursivos, o relevo informacional a atribuir a determinados segmentos discursivos - tudo muito mais dependente da lógica do dizer, do ato de fala produzido.
      Comparando os enunciados seguintes -

     1a) Se tudo correr bem, chegamos ao Porto por volta das dez da noite.
     1b) Se estás à procura do livro, guardei-o.

     2a) Eu queria saber as horas, mas o meu relógio tinha parado. 
     2b) - Podes dizer-me as horas?
           - Mas tu tens o teu relógio!

      - julgo ser possível exemplificar o que são realizações de natureza mais pragmática (1b e 2b). 
     Enquanto em 1a) a chegada ao Porto pelas dez horas está condicionada ao cenário de tudo correr bem, em 1b) não é possível apoiar a interpretação do enunciado segundo a lógica da experiência dos acontecimentos: guardar o livro não está condicionado pelo facto de alguém o procurar. O que está em causa é bem mais dar conta de uma situação para a qual a produção do ato assertivo "guardei-o" se torna um dado / uma informação relevante; ou seja, o ato introduzido pelo 'Se' indica a condição na qual o ato assertivo seguinte ganha sentido. É mais um propósito conversacional que está em jogo.
     No par 2a)-2b), a dimensão pragmática do marcador de contraste pode ser encontrada, em diferentes níveis, em ambos os termos do par. O caso 2b) é mais exemplificativo desse aspeto pela própria possibilidade de ocorrência do marcador no início de frases / parágrafos / atos enunciativos / turnos de fala, explorando relações de coesão com o anteriormente dito.

     Assim os discursos aparecem matizados pelo ponto de vista, pelos propósitos, pelo relevo informacional, pela aproximação / pelo distanciamento face ao dito. Para isso muito contribuem os marcadores no ato de dizer, contribuindo para a construção da coerência e coesão dos discursos.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia da mulher: na partilha e no brilho.

     A várias vozes... femininas e mais algumas (poucas) masculinas.

   Que melhor dia haveria, senão o de hoje, para se divulgar ao mundo "One Woman", uma canção da Organização das Nações Unidas (ONU) para assinalar o Dia Internacional da Mulher?


     Numa mensagem que sublinha problemas comuns (apesar de distintos na gravidade, na contingência e no contexto cultural), a voz é múltipla, mas una, numa diversidade cultural representada por várias sonoridades e vários cantores de mais de vinte países. As imagens da vida do quotidiano surgem, no relevo que o feminino tem.
     Na linguagem universal da música, inspira-se um pensamento: o da promoção dos direitos das mulheres e da igualdade do género. Trata-se de uma causa que - ora ainda por reconhecer ora por estar ameaçada com variadas formas de violência - merece ser lembrada (bom seria que assim não tivesse de ser!)

In Kigali, she wakes up,
She makes a choice,
In Hanoi, Natal, Ramallah.
In Tangier, she takes a breath,
Lifts up her voice,
In Lahore, La Paz, Kampala.
Though she’s half a world away
Something in me wants to say …

We are One Woman,
You cry and I hear you.
We are One Woman,
You hurt, and I hurt, too.
We are One Woman,
Your hopes are mine.
And we shall shine. 


In Juarez she speaks the truth,
She reaches out,
Then teaches others how to.
In Jaipur, she gives her name,
She lives without shame
In Manila, Salta, Embu.
Though we’re different as can be,
We’re connected, she with me 


We are One Woman, 
Your courage keeps me strong.
We are One Woman,
You sing, I sing along.
We are One Woman,
Your dreams are mine.
And we shall shine.
We shall shine. 


And one man, he hears her voice. 
And one man, he fights her fight.
Day by day, he lets go the old ways,
One Woman at a time.
Though she’s half a world away,
Something in me wants to say. 


We are One Woman,
Your victories lift us all.
We are One Woman,
You rise and I stand tall.
We are One Woman

Your world is mine
And we shall shine.Shine, shine, shine.
We shall shine.Shine, shine, shine.

    Ao minuto 54, Ana Bacalhau (vocalista dos 'Deolinda') canta "Something in me wants to say", juntando a sua voz à de Bebel Gilberto (Brasil), Rokia Traoré (Mali), Anoushka Shankar (Índia), Yuna (Coreia do Sul) e Concha Buika (Espanha), Angelique Kidjo (Benin), entre outras.

    No apelo da unidade, fica o pensamento: "We are One Woman / your world is mine / and we shall shine".

quinta-feira, 7 de março de 2013

Sujeitos preposicionados... talvez!

     Mais um caso de leitor do outro lado do oceano, com um pedido.

     Uma questão de configuração do sujeito... com preposição.

      Q: Olá!
      Sou professor de Português. Moro no Brasil. Lançarei uma gramática em maio. Nela, coloco que o sujeito pode vir preposicionado (não regido de preposição, o que é diferente, como sabe): "Entre cinco e dez alunos passaram na prova". Gostaria de saber que pensa sobre isso.
      Grande abraço!

     R: Os elementos constituintes de um sujeito podem ser de natureza muito diversa, por certo, mas não considero que um grupo preposicional possa ser uma realização típica dessa função.
      Pode dizer-se que há realizações, algo particulares, que podem ir nesse sentido. O caso apontado poderá ser um deles, mas tratar-se-á sempre de um cenário algo marginal, se não for entendido como discutível. 
         Fazer corresponder a "Entre cinco e dez alunos" o pronome pessoal "eles" é admitir uma das propriedades do sujeito sintático - a permuta por um pronome pessoal tónico de caso nominativo; todavia, creio que não está aqui em questão a natureza nominal do sujeito (referência a alunos). A configuração desta função tem essa referência como nuclear, à qual se ajusta uma operação de determinação ou quantificação imprecisa. Ou seja, à entidade nominal de base acresce uma expressão sintática de quantificação (traduzida pelo correlato 'entre... e...').
         Vai na mesma linha de raciocínio a frase 'Cerca de oito alunos passaram na prova': não é por se iniciar com 'cerca de' que a nuclearidade nominal 'oito alunos' fica comprometida; há, sim, uma expressão de quantificação projetada no grupo nominal. 
      São muito marginais as realizações do grupo preposicional na função central de sujeito - praticamente associadas à nominalização de expressões temporais / locativas / de modo - e não se pode dizer que sejam ocorrências padronizadas da língua:

 i) Às oito horas é bom horário para o encontro.
   (cf. a concordância: 'Às oito horas e às dezassete são bons horários para o encontro').

 ii) À janela é um local perigoso.
    (cf. À janela e à varanda são locais perigosos).

 iii) De pé é posição cansativa. 
     (cf. De pé e de cócoras são posições cansativas).

    A possibilidade de ver um sujeito nos itálicos (pelo confronto de um princípio típico desta função: o da concordância com o núcleo verbal do predicado) não exclui perspetivas de análise da língua centradas em fatores que estão para além da sintaxe, muitos destes relacionados com aspetos de tematização discursiva, de orientação argumentativa, de inversão e de elipse sintática até. 

     Residem essencialmente aqui as minhas reservas quanto a uma leitura estritamente sintática dos enunciados, particularmente os que não são exemplo de regularidades gramaticais.