quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A morte tornada comédia

       Pode lá ser?! No absurdo, a morte transforma-se na maior comédia.

       A vivência dolorosa de quem vê partir os seus nunca é desejada, por mais preparado que se esteja para tal. Outros dizem que falar dela, da morte, é bom sinal e que até a afasta do nosso circuito (quanto mais não seja por sermos nós a falar dela) - como diz o provérbio "Morte anunciada, vida acrescentada". Certo, certo é o facto de que "A morte não escolhe idades" ou o de que "A certeza da vida é a morte" (a dita inexorabilidade da morte, tão à Ricardo Reis). 
    Televisiva ou criticamente, há um tratamento do tema no mínimo inusitado. Basta ler as mais recentes legendas ou notas de rodapé associadas a dois canais da nossa praça:

Correio da Manhã TV - em versão de filme de terror?

Se em dois mortos morrem oitocentas pessoas, 
quantas mortes serão necessárias para dizimar a população nacional?
(Verdadeiro problema matemático!)

      Chega-se ao absurdo, de tão ridículo, ou ao riso, por tamanha tradução do uso humorístico ou indevido da língua. Mais na segunda imagem, diga-se; na primeira, há sempre a manipulação do que foi difundido, numa brincadeira de quem corta a legenda emitida ("Dois mortos em fuga de gás") e quer fazer passar o registo do ridículo face ao noticiado (que, não raras vezes, se põe a jeito para tal).
    Não sendo filme de terror (com a fuga dos mortos), por um lado, nem proporcionalidade ou raciocínio matemáticos (duas mortes para oitocentas pessoas vai ser a crise para armadores e serviços fúnebres), por outro, há registos jornalísticos que são ou podem revelar-se um autêntico susto (de morte) - ou, então, uma comédia sem fim.

       Caso para dizer que, em ambos os casos, é de 'morrer a rir' (salvo seja!).

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Tempo(s) de muito(s) trabalho(s)

      Fecha-se mais um ciclo formativo.

     Hoje foi tempo para concluir mais uma oficina de formação. O balanço é mais do que positivo quando se veem evidências de trabalho com os alunos, dinâmicas e práticas enformadas pelos pressupostos abordados / focados nesta formação específica.
      Houve demonstrações para todos os gostos: oficinas de escrita como projeto, oficinas de escrita na prática letiva, abordagem da escrita com algumas orientações e processos oficinais na revisão e reescrita,... 


    Foi ótimo ouvir que os alunos gostaram, que se sentiram implicados; que querem repetir a experiência, que avaliaram as práticas das aulas como oportunidade de melhorar, de aperfeiçoar, de consciencializar,...
    Não foi menor a satisfação e o espírito demonstrados, não obstante as dificuldades / os constragimentos, nessas conquistas que aconteceram em aulas de várias escolas, com professores motivados no(s) trabalho(s) desenvolvido(s) e apresentado(s). E, para além de tudo, verificaram-se sentidos de ação colaborativa na planificação, na execução e no acompanhamento, na avaliação produzidos...
      No fim, resultou a partilha, a construção de uma identidade profissional que se define pelos desempenhos atentos aos problemas e orientados para a superação de algumas das múltiplas dificuldades que o processo de ensino-aprendizagem naturalmente implica.

         Passadas trinta horas, ficam o reconhecimento e o agradecimento por a mensagem ter passado das palavras aos atos.
         

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Homonímia anglófona

     É o que dá ser viciado!

     Assim o demonstra o cartoon seguinte:

     O jogo homonímico (na semelhança gráfica e fónica das palavras) é evidente no inglês.
     Só mesmo um viciado no tabaco para pensar que se proíbe o vestuário.

     Ou é o que dá andar de smoking no dia a dia.

domingo, 20 de janeiro de 2019

Pelo andar da carruagem

       Pelo jeito que a coisa vai...

     Expressões sinónimas, por certo; mas com o termo "carruagem" há uma identidade da primeira com este blogue que a segunda expressão não tem. 
      Por mais impressiva que seja a situação, deve ser o resultado de uma visita ao Museu Nacional dos Coches (em Belém), depois de ter visto tanta carruagem, coche, berlinda, coupé, sege, liteira, cadeirinha, vitória, phaeton, landau, clarence, charabã, milords, caleça, carrinha, mala-posta... uma vasta coleção de viaturas hipomóveis usada em cortejos de gala ou eventos sociais relacionados com a arte da cavalaria e jogos equestres.
     Muitos foram os exemplares observados neste novo edifício aberto ao público há cerca de três anos, segundo o projeto arquitetado pelo brasileiro Paulo Mendes da Rocha (prémio Pritzker em 2006) em parceria com o arquiteto português Ricardo Bak Gordon.
      Enquanto a guia explicava, apaixonadamente, as características de cada um dos coches expostos e a evolução ocorrida nos transportes ao longo dos séculos, surgia a indicação do significado original da expressão "Pelo andar da carruagem": à medida que a carruagem se aproximava, os observadores locais deduziam acerca da importância, da posição ou da origem social de quem ia dentro dessa carruagem. Seja pelos materiais de construção seja pela quantidade de cavalos que a puxavam, a carruagem era um indicador de quem nela se transportava (rei, rainha, príncipes, nobre, patriarca,...).

Dos sécs. XVI ao XVIII - coches para todo o gosto (Foto VO)

      O acervo museológico contempla dos coches mais antigos do mundo, como o de Filipe II (III de Espanha) ao fundo da foto, aquando da sua viagem de Madrid para Lisboa, em 1619. A designação do transporte ('kocsi' ou 'koci') está relacionada com a cidade húngara de Kotze, origem da construção dos primeiros modelos, posteriormente exportados para Itália, bem como para todas as cortes europeias.
     O nome do Mâgnimo associa-se a vários modelos aparatosos, um dos quais no primeiro plano da foto supra à direita (Coche da Coroa). Este meio de transporte, embora destinado à realeza e às classes aristocratas, teve os seus exemplares mais faustosos usados em momentos solenes da corte, como casamentos reais, batismos de príncipes, aclamação de novos monarcas, embaixadas ao estrangeiro, deslocação de altos dignitários eclesiásticos, receção de soberanos ou figuras de alto prestígio no estrangeiro. Alguns serviram mesmo para um evento singular.

     Coche dos Oceanos - ao centro da foto, 
ladeado à esquerda pelo Coche do Embaixador 
e à direita pelo Coche da Coroação de Lisboa (Foto VO)

    O Coche dos Oceanos é uma das coqueluches do museu, pela espetacularidade ostentatória e faustosa joanina. Restaurado pela Fundação Ricardo Espírito Santo, é um dos três coches do conjunto de quinze que compunham a embaixada enviada por D. João V ao Papa Clemente XI, em Roma (um pouco à imitação do que D. Manuel I fizera ao Papa Leão X, em 1514). A oito de julho de 1716, D. Rodrigo Anes de Sá e Menezes (Marquês de Fontes) fez a sua entrada pública em Roma, antecedido de um magnífico cortejo que espantou não só a população romana como os reis da Europa, que não se atreveram, nos anos seguintes, a repetir o feito. O próprio D. João V mandou que os três coches, construídos em Itália, viessem de barco para Portugal, de forma a que os olhos reais pudessem confirmar a magnificência dos veículos tão comentada em Roma.

Coche da Mesa ou da Troca das Princesas (Foto VO)

    Também dos tempos joaninos é o Coche da Mesa ou o da célebre troca das princesas, junto à fronteira do Caia, a 19 de Janeiro 1729 (de Portugal saía, para Espanha, a princesa Maria Bárbara de Bragança, filha de D. João V, para casar com o príncipe D. Fernando, futuro rei Fernando VI, de Espanha; chegava a Portugal a princesa Mariana Vitoria, filha de Filipe V, para casar com aquele que viria a ser o nosso rei D. José I) - episódio de que se faz uma narração caricatural no segmento XXII de Memorial do Convento, de José Saramago (MC, 17ª ed., Lisboa, Ed. Caminho):

     «Porém, ainda se encontram famílias felizes. A real de Espanha é uma. A de Portugal é outra. Casam-se filhos daquela com filhos desta, da banda deles vem Mariana Vitória, da banda nossa vai Maria Bárbara, os noivos são o José de cá e o Fernando de lá, respetivamente, como se costuma dizer. Não são combinações do pé para a mão, os casamentos estão feitos desde mil setecentos e vinte e cinco. Maria Bárbara tem dezassete anos feitos, cara de lua cheia, bexigosa como foi dito, mas é uma boa rapariga, musical a quanto pode chegar uma princesa, pelo menos não caíram em cesto roto as lições do seu mestre Domenico Scarlatti, que com ela seguirá para Madrid, donde não volta. […] virá Mariana Vitória, uma garotinha de onze anos, que, apesar de pouca idade, já tem uma dolorosa experiência de vida, basta dizer que esteve para casar-se com Luís XV de França e foi por ele repudiada, palavra que parece excessiva e nada diplomática, mas que outra se há de usar se uma criança, na tenra idade de quatro anos, vai viver para a corte francesa a fim de se educar para o dito casamento, e dois anos depois é mandada para casa porque de repente deu a febre ao prometido, ou aos interesses de quem o orientava, de ter rapidamente herdeiros a coroa, necessidade que a pobrezinha, por inabilitação fisiológica, não poderia satisfazer antes de decorridos uns oito anos. Veio devolvida a coitada, magrinha e delicada, um pisco a comer, com o mal inventado pretexto de visitar os pais, rei Filipe, rainha Isabel, e pronto, ficou em Madrid, à espera de que lhe arranjassem noivo menos apressado, calhou ser o nosso José, agora com quinze anos, a fazer.» (pág. 297)
...


     «... quando D. João V atravessou o rio, no dia oito de Janeiro, para principiar a sua grande viagem, havia em Aldegalega, à sua espera, para cima de duzentas viaturas, entre estufas, caleças, seges de campo, galeras, carromatos, andas, uns que tinham vindo de Paris, outros feitos de propósito em Lisboa para a ocasião, sem falar nos coches reais, com as douradas frescas, os veludos renovados, as borlas e sanefas penteadas. Da real cavalariça, só em bestas, eram quase duas mil, não se incluindo nelas os cavalos da guarda do corpo e os dos regimentos da tropa que acompanham o cortejo. (...) João Elvas só vê cavalos, gente e viaturas, não sabe quem está dentro ou quem vai fora, mas a nós não nos custa nada imaginar que ao lado dele se foi sentar um fidalgo caridoso e amigo de bem~fazer, que os há e como esse fidalgo é daqueles que tudo sabem de corte e cargo ouçamo-lo com atenção, Olha, João Elvas, depois do tenente e dos trombetas e atabaleiros que já passaram, (...) vem agora o aposentador da corte com os seus subalternos, é ele quem tem a responsabilidade dos cómodos, aqueles seis a cavalo são correios de gabinete, levam e trazem as informações e as ordens, agora passa a berlinda com os confessores do rei, do príncipe e do infante, (...) depois aparece a berlinda com os moços do guarda-roupa (...) e outra vez não te espantes com essas duas berlindas cheias de clérigos e padres da Companhia de Jesus (...), aí tens a berlinda do estribeiro-mor, as três que vêm atrás são do corregedor da corte e dos fidalgos da casa de el-rei, segue-se a estufa do estribeiro-mor, depois os coches dos camaristas dos infantes, e agora atenção, agora é que começa a valer a pena, estes coches e estufas vazios que passam são os coches e estufas de respeito das reais pessoas, a seguir, a cavalo aparece o estribeiro-mor, enfim, chegou o momento, põe o joelho em terra, João Elvas, que estão passando el-rei e o príncipe D. José, e o infante D. António (...), e agora podes-te levantar, já passaram, já lá vão, iam também seis moços de estribeira, a cavalo, estas quatro estufas, aqui, levam a câmara de sua majestade, depois vem a sege do cirurgião (...), daí para trás é que já não há muito que ver, seis seges de reserva, sete cavalos de mão, a guarda de cavalaria com o seu capitão, e mais vinte e cinco seges que são do barbeiro de el-rei, dos copeiros, dos moços de câmara, dos arquitectos, dos capelães, dos médicos, dos boticários, dos oficiais de secretaria, dos reposteiros, dos alfaiates, das lavadeiras, do cozinheiro-mor, e do menor, e mais e mais, duas galeras que levam o guarda-roupa de el-rei e do príncipe, e, a fechar, vinte e seis cavalos de mão (...)» (pág. 300-303)

...

     «Caía a noite quando as primeiras viaturas da comitiva de D. Maria Ana começaram a entrar em Vendas Novas, mais parecendo um exército em debandada do que um cortejo real. As cavalgaduras, derreadas, mal podiam arrastar as berlindas e os coches, algumas iam-se abaixo das mãos e morriam ali mesmo, presas aos arreios. (...) Foi uma noite de grande desastre. Quisera a rainha seguir para Évora nessa mesma madrugada, mas foi-lhe representado o perigo da empresa, além de virem atrasadas muitas carruagens, o que resultaria em prejuízo da dignidade do cortejo.» (pág. 306-7)

    Depois, com o século XIX, são tantas as variedades de transporte urbano (basta lembrar a diversidade representada nos romances queirosianos, cruzando as ruas lisboetas) que uma ala do museu é praticamente ocupada com os modelos que a aristocracia, os burgueses e classe média mostravam à sociedade. Fico-me pela malaposta (dos inícios do século XIX), a poder dizer que é o transporte público mais remoto, dado o limite de transporte de dezasseis pessoas, entre a primeira e a segunda classes. Ao povo, restava-lhe o tejadilho, junto com as malas do correio (sem cinto de segurança e sem seguro, não obstante as quedas frequentes no trajeto).

     Num quatro rodas, com motor a gasóleo e muitos cavalos, fez-se o regresso a casa em cerca de quatro horas (saber que há pouco mais de um século, sem a hipótese do comboio, a viagem Lisboa-Porto ocupava mais de dia e meio).

sábado, 19 de janeiro de 2019

Aventura dos cinco

      Não se trata dos heróis infantis da Enid Blyton, não! Antes uns leitores adultos e bem queirosianos, reanimados pela Torre da Lagariça.
Rumo à Torre da Lagariça (Foto VO)
      O pretexto é a venda anunciada da Torre. Já que não pode ser comprada pelos próprios, estes vão ao encontro da que se diz ser a torre inspiradora de Eça de Queirós para a construção de A Ilustre Casa de Ramires (AICR). Já sabem que não vão encontrar lá Gonçalo Mendes Ramires nem  o projetado romance, em dois volumes, centrado no antepassado ou "avoengo" Tructesindo Mendes Ramires. O imaginário romanesco é motivo suficiente para juntar cinco amigos, fazê-los viajar pela zona norte de Portugal, dar umas gargalhadas e aproveitar um sábado chuvoso para ficar na história das respetivas memórias. Não há pretensão de escrita (pronto, talvez este singelo apontamento) nem intento genealógico e/ou político (como o de Gonçalinho); talvez o desejo de conhecer um pouco mais do país tão à mão, mas sempre tão ignorado pela sua interioridade. No final, já se sabe que haverá muitas histórias para contar e recontar, acrescentar uma piada, brincar com as palavras e as situações - um pouco como nas narrativas que o protagonista queirosiano lê, revê e reescreve à medida que com elas se cruza.
     Do Porto a Baião, entre curvas e contracurvas, procurou-se esse defensivo e sólido torreão, essa "robusta sobrevivência do Paço acastelado da falada Honra de Santa Ireneia, solar dos Mendes Ramires desde os meados do século X" (AICR, Lisboa, Edições Livros do Brasil, p. 6). Falar da casa de Ramires não parecia ser muito esclarecedor na busca de orientações; em contrapartida, a "Torre da Lagariça" já era tomada pela consabida tradição da marca da defesa da linha do Douro na época da Reconquista; aquela que, mais tarde, perdido o seu interesse e significado militares - com as fronteiras mais a norte - acaba, no século XVI, nas mãos da família Pinto (senhores da Torre da Chã e do Paço de Covelas, descendente de Paio Soares Pinto, que lutara ao lado de Afonso Henriques na Batalha de Ourique).
      Com a sua fachada granítica resistente ao tempo, lá se encontrava ela: a "famosa Torre, mais velha que Portugal" ou "a antiquíssima Torre (...) com uma pouca de hera no cunhal rachado" (AICR, ibidem) no seu formato quadrado e escuro, im-ponente, forte, a contras-tar com o fantasmagórico branco de uma decadência maior no solar anexo. Tal como o dissera uma habitante local, ao seu jeito popular e familiar, esta não tem lá ninguém. Mostra-se, na sua gran-deza, como testemunho histórico-literário da "fre-guesia de S. Cipriano, concelho de Resende, distrito de Viseu... e aqui estou eu".
    Um caminho rural estreito permitiu chegar mais perto. A densa vegetação envolvente, a invadir e bloquear o que foram acessos à casa e à torre, não impediu o calcorrear do miradouro, da muralha em torno do solar, nem a observação das fenestradas paredes de pedra típica nas fortalezas ameadas.
     Persistente, a chuva convidava ao abrigo nessas portas destruídas pelo tempo, a deixarem antever o que seria o espaço solarengo hoje abandonado. A vegetação desordenada, invasiva toma conta do vazio. O que foi um jardim torna-se tão natural quanto o tempo permite. Sobrevivem ali buganvílias entrelaçadas com silvas; folhas e ramos secos, mortos a par ou sobre tufos de musgo viçoso, com verdor.
     A resiliência dos  aventureiros (mais uns do que outros) resultou em registo fotográfico. Talvez, daqui a uns anos ou décadas, a imagem venha a ser diferente. Quem sabe - seria bom que assim não fosse - ausente.
       Hoje ficou esta:

Torre da Lagariça e o solar anexo (Foto VO)

      De regresso ao Porto, os cinco, sem que a imaginação os leve "sempre a exagerar até à mentira", vivenciaram uma viagem bem real, alimentaram o corpo e o espírito com o que de bom a vida também tem, sempre com "A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades..." - por ora diria que bastava resolver o interesse em preservar um espaço, uma memória cultural e histórica, um motivo literário do interesse e da especulação imobiliários, no respeito pelo "silêncio e doçura da tarde (...), pedindo a paz de Deus para Gonçalo, para todos os homens, para campos e casais adormecidos, e para a terra formosa de Portugal, tão cheia de graça amorável, que sempre bendita fosse entre as terras" (final de AICR, pág. 362).  
   

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Andar / estar na berlinda

        Hoje cruzei-me com esta expressão, mais concretamente com uma das suas explicações.

     A guia da visita ao Museu Nacional dos Coches (Lisboa), depois de ter apresentado vários exemplares desse que foi ou tem sido (desde há séculos) o meio de transporte da realeza ou da aristocracia nobiliárquica, e também eclesiástica, chegou à demonstração do que era uma berlinda ou, do alemão, uma 'Berline':

Berlinda da Casa Real - Museu Nacional dos Coches (Foto VO)

     Comparativamente ao acervo de viaturas que havia sido anteriormente apresentado (faustoso e destinado a usos muito específicos e, por vezes, singulares), esta era uma carruagem de quatro rodas, leve e, por isso, mais rápida. Distinta do coche pelo tipo de suspensão, a caixa de transporte deixa de estar suspensa, mais comodamente assentando sobre duas fortes correias de couro (que dão maior estabilidade). Construída nas décadas finais do século XVII para Frederico Guilherme I de Brandemburgo, recebeu a designação da capital de Brandemburgo - actualmente capital da Alemanha: Berlim.
    Neste caso, estar ou andar na berlinda significaria dar nas vistas, chamar a atenção, estar em destaque, numa relação sinonímica de ostentação, luxo, riqueza. 
   Há, contudo, uma outra versão para a origem desta expressão: 'berlinda' é também palavra proveniente do italiano para referir um poste de madeira que, em praça pública, servia para expor a cabeça dos condenados ou para executar / açoitar criminosos, expondo-os a escárnio público.

     Em qualquer dos casos seria uma forma de chamar atenção, de evidenciar algo - razões, porém, bem diferentes, por certo, a ponto de se justificar a preferência pela versão do meio de transporte.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Tudo uma questão de muros

     Anda tanta gente a falar do muro do Trump (eu também já falei, escrevi...)

     E, pelos vistos, continuo.
   Desta feita, apetece-me dizer que não percebo quem tanto critica a questão. Eu sou a favor do muro:

Foto colhida do Facebook: 'O muro do Trump'

    Pronto, eu sei. Não é o muro que Trump quer como fronteira dos Estados Unidos da América. Contudo, é o muro do Trump.
     Até acho que andam por aí uns políticos (?!) que precisam de ser emparedados, murados, para que ganhem, talvez, uma visão maior das coisas. Pensam apenas em preto e branco, como se na vida não houvesse cinzentos (e não falo do cinzentismo estagnador e de paz podre) em diferentes graus e tonalidades. 
    Só porque se é preto, o branco não serve. Se é branco, não pode conceder ao que de bom o preto dá. Lamentável!

    Quando há questões estruturantes e estruturadoras para o bem comum, a política (a boa política) devia impor-se. Soubessem isto alguns políticos e o país (no todo e nas suas realidades locais) agradeceria. 

sábado, 5 de janeiro de 2019

Apontamentos do Senhor Américo

      Continuando no registo da comédia e da sátira.

      O jogo do Senhor Américo / Apontamentos Europa América tem efeito cómico, numa crítica a um auxiliar de estudo a que muitos estudantes recorrem para, em vez de ler uma obra, poderem saber qualquer coisa (mesmo qualquer coisa) sobre esta. Não é louvável a escolha e Ricardo Araújo Pereira (RAP) sabe-o bem. Denunciou-o numa rubrica transmitida pela Rádio Comercial, há cerca de seis anos, intitulada "Mixórdia de Temáticas" - uma concorrenciazita bem humorada, com o contributo e o registo do Senhor Américo (mais económico e acessível do que os próprios resumos).
       Ainda por cima, tudo feito a propósito do romance queirosiano Os Maias:

Montagem fílmica baseada em registos da 'Mixórdia de Temáticas' (2012)

      Um apontamento que até pode dispor bem, mas que não serve o propósito do estudo, por certo. A nota de humor visa aqueles estudantes que, não gostando de ler obras literárias, também não perdem tempo com os resumos destas. E, assim, um clássico da Literatura Portuguesa é reinventado num uso de língua tão informal que, entre o dó e o riso, pouco tem de auxiliar.
    Para quem conhece o romance, é possível entender o cómico, na perspetivação crítica fundamentada; para quem ainda não o leu, o (sor)riso fica-se pelo absurdo, pelo insólito, pelos comentários paralelos - humor superficial.

      De novo, o interesse de ler o romance queirosiano impõe-se, quanto mais não seja para que se descodifique o humor convenientemente, no que tem de propósito e também de inusitado.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Vamos ao cartoon...

       Regressado ao trabalho, nada como levar isto com espírito cómico.

      Não se vai a lado nenhum. Apenas se vai tratar / abordar o cartoon enquanto género textual tão propício à crítica, à visão do mundo denunciadora de algumas fragilidades, ao trabalho de aspetos polémicos tão atuais quanto remotos - alguns dos quais com anacronismos evidentes.

Slide 1: Apresentação

Slide 2: Informação genérica (I)

Slide 3: Informação genérica (II)

Slide 4: Instruções de trabalho

Slide 5: Exemplos de dois cartoons

Slide 6: Construções de tópicos a partir das instruções de análise (I)


Slide 7: Construções de tópicos a partir das instruções de análise (II)

     Do grafismo icónico ao texto, planificam-se tópicos (com base na análise feita em interação) e, depois, há sempre a oportunidade de orientar para a produção escrita de apreciações críticas: um parágrafo para se descrever o que se observa objetivamente; outro para interpretar os dados descritos à luz da análise e da intencionalidade crítica; um final para uma tomada de posição apreciativa / depreciativa, fundamentada, face à construção do cartoon. Dado o esquema / plano textual, a partir daqui é só facultar o tempo de textualizar, de interagir pontualmente - atentando na mancha gráfica / no esquema textual, na extensão frásica (que não deverá estender-se por mais de duas linhas), na coesão interfrásica e na seleção / adequação vocabular. Isto para começar. Depois far-se-á o trabalho corretivo mais ao nível da microestrutura (da ortografia e da pontuação). Não se pode ter a pretensão de corrigir tudo de imediato.

        Passo a passo, vai-se construindo uma oficina de escrita, articulada com conteúdos de leitura (programaticamente contemplados na disciplina de Português).
        

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A começar o ano

      Abre-se 2019 com poesia.

      Em Português, do Brasil, há uma receita de ano novo a cumprir. Boa forma de começar o ano.

Declamação do poema "Receita de Ano-Novo" (Carlos Drummond de Andrade)

RECEITA DE ANO-NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo 
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido) 
para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo 
até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior) 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?)

Não precisa 
fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumadas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.

                                                     Carlos Drummond de Andrade, op. cit, pág. 85

    Algarismos somados (2+0+1+9), chega-se ao número de meses do novo ano; somado o 1+2, chega-se ao 3.

   Parece ser ano divino, pela perfeição e totalidade simbólicas do número. Assim o façamos e o mereçamos (e, já agora, que deixe de cochilar dentro de nós e se erga para a vida).