quinta-feira, 25 de abril de 2019

Nesta madrugada... de há 45 anos!

         Foi esta a madrugada, há quase meio século (faltam cinco anos).

       A televisão difundia a notícia, as orientações e os cuidados para um momento histórico. Não eram ainda sete horas da manhã. Em cerca de quatro minutos, com as vozes de Fernando Balsinha e Fialho Gouveia, anunciava-se e afirmava-se a "missão cívica" do movimento das forças armadas:

Noticiário da RTP aquando da Revolução do 25 de abril de 1974

     Prosseguia a emissão com a Sinfonia nº3 de Beethoven - nada mais apropriado para tempos revolucionários (a conhecida "Eroica", frequentemente apontada como obra representativa da passagem musical da época clássica para a romântica, foi inicialmente dedicada a Napoleão Bonaparte; mais tarde, com a ascensão deste à condição de imperador, a página da dedicatória foi rasgada pelo compositor, em reação adversa ao que considerava uma traição aos ideais revolucionários franceses).
    Passados muitos anos, celebra-se a liberdade e a democracia como direitos, diria não adquiridos, mas em constante construção. Entre o muito que se conseguiu e o que esteja ainda por cumprir, cabe-nos dar, em cada dia, o passo necessário para cimentar a conquista feita, mas já por vezes ameaçada. 25 de abril também precisa de açúcar. para esquecer alguns dos momentos amargos, azedos que o sucederam
    Nos excessos e nas deformações que a liberdade democrática acarreta, a possibilidade de regulação e mudança é efetiva. O mesmo já não se podia dizer do anterior regime, despótico, ditatorial, felizmente derrubado. Deste não há só quase cinquenta anos de despedida; há muitos mais de resistência, de sobrevivência (para quem o conseguiu), de memórias que, ainda hoje, persistem e precisam de ser partilhadas, para que a consciência da libertação e/ou das atrocidades e dos silenciamentos vivenciados solidifique o bem que atualmente se tem face ao mal que algumas vozes teimam ainda em desejar / retomar nos momentos mais críticos do que foi alcançado.
      Tempo para lembrar o fim dos tempos de muitas armas, nomeadamente as cantigas. Tempo de diferença e de canto novo.

      Fica o registo de um dia que é de cravos, porque outros houve de espinhos e acúleos, com tanta gente ora à espera ora na luta contra um cinzentismo destruidor das cores bem vivas que a bandeira tem. 

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Nem de propósito...

      Assim se costuma dizer (e, agora, escrevo) quando de coincidências se trata.

      Ainda há dias redigi um apontamento sobre a música de Mendelssohn, a propósito de "Sonho de uma Noite de Verão". Hoje, no programa televisivo "Joker" apresentado por Vasco Palmeirim (concurso - teste de conhecimento, no qual o concorrente responde a um conjunto de doze questões, cada uma na modalidade de escolha múltipla), alguém fez uma má escolha:

Foto  da emissão televisiva do programa "Joker" (na RTP1)

     Caso para dizer que, se tivesse ido ao Coliseu (no passado dia dezoito) ou tivesse lido o apontamento desta "Carruagem 23", o concorrente teria melhor sorte.

       Não foi feliz este "casamento" musical, a julgar pela alternativa selecionada na imagem.

domingo, 21 de abril de 2019

Ovo de Páscoa cracoviano

     Regressado a tempo para a Páscoa
"Grande Ovo do Coração (Foto VO)
     Diretamente de Cracóvia, chega o ovo pascal.
  Na praça central de Cracóvia (Rynek Glowny), encontrei uns ovos de Páscoa ('Os Grandes Ovos do Coração"), símbolo da amizade, do amor e da alegria pascal. Uma dádiva aos olhos dos transeuntes e visitantes de boa vontade na região de Koprivnica-Križevci, à semelhança de exposições análogas em galerias e praças de outras cidades do mundo (Nova Iorque, Pittsburgh, Milão, Ferrara, Roma Bruxelas, Klagenfurt, Graz, Slazburg, Viena, Brno, Bratislava, Lendava, Zagreb, entre outras). Um projeto de pintura em estilo naïve, levado a cabo pelos artistas Josip Gregurić, Đuro Jaković, Stjepan Pongrac e Zlatko Štrfiček.
      Ao Papa Emérito Bento XVI foi oferecido um destes ovos, em 2010; eu trouxe um, em registo fotográfico (claro está!), comigo. Apanhei-o de "passagem", em pleno espírito de Páscoa - esta palavra, na sua origem hebraica (Pessach), significa isso mesmo - “passagem” -, a marcar, na mais natural das religiões panteístas, o final do inverno e a chegada da primavera. Para os cristãos, a Páscoa é a festa da ressurreição de Cristo, ocorrida três dias após a sua morte na cruz - também uma "passagem" para uma nova vida.

     Seja este Ovo de Páscoa o nascimento para um novo ciclo da vida. Boa Páscoa para todos.

sábado, 20 de abril de 2019

Transformar corações (com o livro do Senhor Green)

     Talvez um lema; quiça o objetivo da comédia Green book, vencedora do Óscar de Melhor Filme, Melhor Ator Secundário (Mahershala Ali) e Melhor Argumento Original.

    É, pelo menos, o propósito de uma das personagens - conforme se explicita numa das múltiplas situações, de inspiração factual, retratadas e vividas pelo pianista negro Don Shirley (Mahershala Ali), aquando da sua tourné pelo "Deep South" (Estados Unidos).
   Numa parceria improvável a fazer lembrar Amigos Improváveis (2011), desta feita, o patrão é negro; o empregado, branco. Don Shirley e o seu motorista-segurança Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), respetivamente, são antípodas um do outro, quanto à formação, à vida que levam e à posição social que ocupam; contudo, as vivências e as aprendizagens aproximam-nos mais no que têm de semelhante do que nas diferenças que os marcam inicialmente. 
     O empregado branco e o patrão negro são a opção de partida para a desconstrução desejada. A sofisticação e o requinte do segundo contrastam com a limitação superficial e a instintividade do primeiro. Don fica chocado com o linguarejar e a latente discriminação do empregado face aos negros, não obstante a consideração neste observada pelos valores da família, pelo espírito aguerrido e pela irreverência (que acabam por proteger o pianista); Tony reconhece o talento do patrão, bem como a qualidade da sua escrita, acabando por o ajudar nas situações em que, injustamente, a segregação se evidencia, quer entre brancos quer entre negros. Na verdade, o filme aborda não só a desigualdade étnica, baseada essencialmente na questão cor, mas também a diferenciação / representação dos negros entre si - mais especificamente, dos que se encontram relativamente bem posicionados na vida (como Don) e que veem, com distanciamento e rejeição, os que nada têm senão o trabalho forçado, escravo, ou os que se ficam pela camada cultural mais elementar / popular, e vice-versa.
     O roteiro escrito por Farrelly, Brian Hayes Currie e Nick Vallelonga constitui o argumento do filme dirigido por Peter Farrelly, a convocar o livro The Negro Motorist Green Book, abreviada e informalmente conhecido por Green Book - guia turístico para viajantes afroamericanos, redigido por Victor Hugo Green, com o intuito de os auxiliar na procura de dormitórios e restaurantes amigáveis a pessoas de cor, num contexto em que o racismo e o preconceito imperavam no universo americano.

Trailer Oficial de "Green Book - Um Guia para a Vida"

     Entre o cómico de situações e a hipocrisia preconceituosa (nomeadamente a dos brancos que batem palmas ao famoso pianista negro, mas o impedem de frequentar a casa de banho ou de jantar num restaurante para brancos), o filme é uma construção, uma lição de humanidade - uma transformação dos corações e das mentes da década de sessenta nos Estados Unidos da América, inclusivamente os de Tony (que começara por colocar ao lixo dois copos usados por negros) e de Don (que toca para os seus companheiros de cultura negra no registo do jazz).

       A viagem dos protagonistas pelo "Deep South" é o confronto com a segregação dos negros; o regresso ao norte é a afirmação dos valores multiculturais e da integração multiétnica. O final, em época de nevada natalícia, é o sublinhar de um percurso assente nos valores da vida, em qualquer cor; no calor humano, amigo e familiar que permite suplantar diferenças, afastamentos, divisionismos, preconceitos. Mais do que justificados os Óscares!

quinta-feira, 18 de abril de 2019

De Shakespeare a Mendelssohn

      Tempo de música (alemã) e literatura (inglesa) em português.

      SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO: o título é shakespeariano, o de uma comédia cujo início foi inspirador para um espetáculo que, não sendo teatral, se tornou música (a partir da composição do alemão Felix Mendelsshon), canto e leitura expressiva. Da combinação resultou um concerto de sonho numa noite de primavera, sem enganos, sem equívocos ou erros interpretativos, sem o registo hilariante da “comedy of errors”; antes com a melodiosa harmonia de instrumentos de sopro, cordas e percussão, a enlevar o auditório com as reconhecidas ‘Abertura’ e ‘Marcha Nupcial’, entre outras. Foi ontem, no Coliseu do Porto, em harmonia, em melodia e a convocar essa fronteira entre o sonho ou a ilusão (dos efeitos emotivos nos espectadores) e a realidade (do que foi dado a ver na execução). 
     Numa parceria com o Centro Cul-tural de Belém e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissio-nal, o ‘Festival Dias da Música’ veio ao Porto, tendo o espe-táculo decorrido de um grande estágio de orquestra, orien-tado pelo maestro Cesário Costa e aberto a alunos de música de Conservatórios Oficiais, de Escolas Profissionais e de Ensino Particular e Cooperativo de todo o país. Com a orquestra (setenta músicos), cerca de noventa vozes fizeram-se ouvir: as do Coro Lira, do Coro dos Meninos Cantores da Trofa, do Coro da Academia de Música de Espinho e as das solistas Ana Maria Pinto e Patrícia Quinta. 
    No seio de tantas estrelas, a jovem promissora Catarina Farias fez-se ouvir com a penetrante sonoridade do seu oboé. 
     Um casamento feliz a três: canto, execução musical, mais a leitura expressiva de Pedro Penim, como narrador, a evocar alguns segmentos traduzidos (por Maria João da Rocha Afonso e Diana Afonso) desse texto dramático inglês. Ficou, assim, enquadrada a progressão de trechos musicais e cantos com a obra literária dos finais do século XVI, recuperando esse 'drama' no qual Egeu pretende casar a filha Hérmia com Demétrio, o qual, por sua vez, ama Helena (amiga de Hérmia). Apaixonada que é a primeira por Lisandro e sem direito a escolha, segundo as leis de Atenas, é a partir de Hérmia que se revelam os primeiros desconcertos no amor (cruzados nos universos da corte, do bosque e da representação dos populares). Fugidos os amantes para um bosque (reino fantástico onde Titânia, rainha das fadas, também está em conflito com o esposo Oberon, rei dos elfos), há feitiços e peripécias dramáticas, nomeadamente as vivenciadas com os “mechanicals”, a ensaiarem, no bosque, uma peça para o casamento dos duques Teseu e Hipólita. Como “All’s well that ends well”, é o amor que acaba por prevalecer.

'Festival Dias da Música' - foto do Coliseu do Porto

     Tal como no final da obra shakespeariana – quando Oberon apela para a música como indicador de recomposição da harmonia e fim do “jangling” (fim das confusões na intriga dramática) -, também os que foram à cidade invicta encontraram na música uma porta de luz, saindo encantados nessa ilusão ou nesse sonho de que há mais para além de um mundo por vezes demasiado duro de real. Tempo, música, companhia e poesia para a vida.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Passos em memória

        O dia de hoje fica marcado pelos passos em direção ao genocídio.


Entrada do Museu AuschWitz-Birkenau (Foto VO)
        Auschwitz é nome de terror. Birkenau, um pouco mais ao lado, é bem pior.
      Aí chegado, a entrada no campo de concentração é imagem familiar, de tão vista em livros de História ou em documentários televisivos, para não falar de filmes que, a propósito da II Segunda Guerra Mundial e do poder nazi, a impõem aos olhos cinéfilos.
        A linha férrea a passar sob um pórtico-vigia altaneiro, como que a separar a vida pacata de uma localidade dessa morte anunciada para os que a ela chegavam, é símbolo de um caminho que muitos fizeram até ao extermínio mais ou menos imediato. Aqui chegaram muitos judeus, especialmente polacos, em massa, mas também os vindos de toda a Europa conquistada pelo exército nazi, excedendo em grande número para a capacidade das prisões até então existentes. Este foi o maior dos campos de concentração, num complexo constituído por Auschwitz I - Stammlager (campo principal e centro administrativo do complexo); Auschwitz II – Birkenau (campo de extermínio); Auschwitz III–Monowitz, para além de mais de 45 outros campos satélites.

Pórtico de entrada de Birkenau ou Auschwitz II  (Foto VO)

        Para lá do pórtico, prossegue ainda a linha de comboio; veem-se campos com barracões, que foram de cavalos e armamento e se tornaram de pessoas; erguem-se, aqui e acolá, postos de vigia, juntos a uma longa extensão de arame farpado, delimitando largos terrenos, até que, ao fundo, se vê um memorial às vítimas e, atrás, uma pequena fileira de bétulas resistentes ao tempo. Talvez tenham assistido a muito desse cenário hediondo que a Humanidade não pode esquecer. Após a invasão da Polónia (setembro de 1939), os soldados alemães fizeram da cidade Oświęcim (traduzida por Auschwitz) um espaço de horror, configurando a floresta de bétulas (Brzezinka) num espaço de genocídio, de extermínio - o lugar para a Solução Final dos judeus (mais de três milhões aqui foram assassinados).

Galeria-memorial às vítimas dos Nazis, em Birkenau (Foto VO)

        A determinada altura, a cada passo dado, os meus e os dos meus companheiros, soou bem na alma o ruído do cascalho misturado com a terra, como a avisar que aquele era chão de desgraça. Há cerca de oitenta décadas, podíamos ter sido nós a ser conduzidos para o trabalho forçado ou os ensaios médicos, na melhor das hipóteses; para as câmaras de gás da "Pequena Casa Vermelha" ou "Pequena Casa Branca", na pior (ou talvez não, por ser das mortes mais imediatas e libertadoras do terror que era viver). Seis crematórios acabariam por fazer dos corpos pó.

Os quartos nos barracos do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau (Foto VO)

       Foi preciso esperar por 27 de janeiro de 1945 para o exército soviético libertar este campo de concentração - facto comemorado mundialmente como o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto

        A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 2002, declarou oficialmente este local como Património da Humanidade. Um triste Património este nosso, prova da crueldade e da tortura de que os Homens são capazes.

domingo, 14 de abril de 2019

Um roteiro com sinais de tragédia

         O dia de hoje trouxe à consciência o sofrimento de há quase oitenta anos.

       O percurso pela Cracóvia da diáspora judaica é um misto de emoções: o da satisfação de uma viagem em boa companhia; o da mágoa de encontrar sinais de um tempo feito de sofrimento de um povo e do imperialismo perverso e antissemita de um outro.

 
Roteiro pelo bairro de Kazimierz - Cracóvia (Vídeo e fotos VO)

         É a oportunidade de calcorrear cenários hollywoodianos (A Lista de Schindler teve neste espaço algumas gravações, nomeadamente nas cenas dos judeus a deixarem as suas casas e a serem concentrados neste bairro medieval), entretanto refeitos com as marcas das memórias e dos restauros, a procurar recuperar de um passado terrível vivenciado no século passado.
       Kazimierz foi constituída no século XIV pelo rei Casimiro III da Polónia (Kazimierz Wielki), tendo-se tornado um local onde os judeus se estabeleceram ao longo de vários séculos em sã convivência com os polacos. Aí se podiam encontrar pontos comerciais, casas e sinagogas para uma população judaica que chegou a atingir 80 mil habitantes, um terço do total da área urbana. Com a invasão nazi, o número acabaria por ser substancialmente reduzido, largo que ficou no das vítimas dos campos de concentração.
       Atualmente, a recuperação do local tem atraído polacos e judeus, como que numa retoma do ambiente anterior à invasão alemã.

         Cracóvia, na sua beleza, tem a densidade e o peso de uma história triste para a Humanidade.
        

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Complementos sim..., mas cada um no seu galho.

         Poderemos até falar de árvores, se elas ajudarem a ver o nível de análise (ou na frase ou no grupo de palavras).

     A propósito de um exercício de um manual de décimo ano de escolaridade e depois de a professora se confrontar com a solução, veio a questão:

      Q: Nos versos camonianos "S'imaginando tanta beleza / de si, em nova glória, a alma s'esquece / que fará quando a vir...", o sublinhado é identificado, nas soluções do manual, como complemento oblíquo. Não pode ser complemento do nome?



   
       R: Pode, sim, tomada a forma verbal 'imaginar' como realização transitiva direta (ALGUÉM IMAGINAR ALGUMA COISA) e 'tanta beleza de si' como o objeto desse exercício de imaginação / idealização. Trata-se de uma leitura possível, na exploração de alguma ambiguidade sintática que o enunciado traz para um leitor menos focado em recursos estilístico-literários do nosso poeta clássico, nomeadamente inversões motivadas por efeitos rimáticos (entre outros efeitos estéticos, temáticos e estilísticos).
     Neste caso, o segmento 'de ti' é encarado como expansão de um núcleo nominal (> "beleza / de si"), pelo que, nessa medida, é face a este núcleo que se impõe determinar o nível de análise e a identificação da devida função sintática interna (ou de segundo nível). Portanto, pela dependência face a um nome (que se expande ou com modificadores ou com complementos internos), interessará saber se este último corresponde ou não aos que se pautam pela seleção de argumentos na sua estrutura lexical (diga-se, aos seguidos por complementos).
      Na tipologia típica dos nomes que selecionam complementos argumentais,  'beleza' é apontado como nominalização de qualidade, isto é, termo tipicamente associado a derivação de adjetivo denotando propriedade (ser belo > ter beleza). As entidades a que esta última se atribui constituem, por norma, os seus argumentos (ex: 'a amabilidade dos anfitriões', 'a beleza da jovem', 'a franqueza do amigo', 'a rugosidade da cortiça', 'a surdez do avô'). Segundo Ana Maria Brito (in Gramática da Língua Portuguesa (coord. Maria Helena Mira Mateus, Lisboa, Ed. Caminho, pp. 330-332), trata-se de um nome lexicalmente relacionado / derivado de um adjetivo (nome deadjetival), traduzível pela sequência 'o facto de ser p' belo > beleza', seguindo-se a este último um grupo preposicional (com valor de genitivo) tomado como complemento de nome.
       Retomando o reconhecido verso de Camões e assumida a beleza de uma entidade (por mais abstrata que seja), no plano da imaginação / idealização petrarquista, esta mesma ('beleza de si') é o resultado de uma relação predicativa ('a entidade é bela') que, por nominalização, se revê na estrutura lexical de um grupo nominal cujo núcleo é expandido por um complemento de nome ('beleza da entidade' > 'beleza dela' ou 'beleza de si').

      Outras leituras poderiam resultar da abordagem destes mesmos versos camonianos (particularmente se a ordem sintática natural fosse mais associada a > 'Se imaginando tanta beleza, em nova glória, a alma se esquece de si'). A multiplicidade de sentidos e a exploração de mecanismos literários (nomeadamente, convocando-se inversões) admitiriam outro tipo de disposições, configurações sintáticas, com implicações  diversas no significado. Nesse outro caso, outros níveis (de análise) e/ou "galhos" surgiriam (e outras funções sintáticas também).