sexta-feira, 27 de março de 2009

Constância vai sendo uma constante

      Uma visita de estudo que começa a ser uma tradição da escola, para os 10º anos de escolaridade da ESG.

     Lembro-me de, no ano lectivo 2007-2008, ter havido a feliz ideia de um conjunto de professores da Escola Secundária de Gondomar programar uma visita de estudo interdisciplinar (Biologia, Físico-Química, Português) para os 10º anos de escolaridade. Este ano lectivo, juntou-se Matemática.

       Regressámos a Constância - terra que, em tempo de Primavera, faz compreender a razão de o nosso épico quinhentista a ela se ter referido, se é que nela não viveu.

         Lá nos esperava a estátua da autoria de Lagoa Henriques, com os sinais de um homem-poeta que ainda não havia sofrido as agruras de África (preserva os dois olhos); que oferece a sua obra a quem a queira ler; que se encontra sob arcos sugestivos, a relembrar a praticamente certa vivência na Casa dos Arcos; que mantém o contacto directo com a natureza, num amor declarado a tudo o que se compagina com o "vi claramente visto".

Camões (Lagoa Henriques)

      O Jardim-Horto é espantosamente apresentado por uma colega de ofício, conhecedora da história (misturada com alguma lenda) de vida do poeta, bem como da poesia, por ela declamada a ponto de arrancar palmas do auditório. Para cada planta, há a citação de alguns versos da obra poética.

Ilha dos Amores (Lagoa Henriques)
       Junto à Casa dos Arcos, outra obra do mestre Lagoa Henriques: alusão à Ilha dos Amores. Bem foi dito aos alunos que preservassem os púdicos olhos de cenas que os pudessem chocar; mas, à semelhança da proibição de leitura do canto IX de Os Lusíadas nos tempos de Salazar, acabou por ser das peças artísticas mais observadas e com a maior atenção! Provada ficou a estratégia do fruto proibido como a que dá lugar ao que é mais apetecido. Faz lembrar o poeta, quando, nesse mesmo canto, assumia que "Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo."
       Tudo se conjugou para a busca de sentidos.
      Nem mesmo a visão geocêntrica do mundo, apresentada aos nossos olhos de herdeiros heliocêntricos, menorizou a estada numa terra que teve em José Coelho a generosidade e a dádiva reconhecidas em diferentes pontos da localidade. Mesmo junto ao Centro da Ciência Viva, lá se encontra o monumento que "espelha" a Máquina do Mundo camoniana, com os seus sete céus ou as sete esferas em torno da Terra:

A Grande Máquina do Mundo (José Coelho)

"Debaxo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaxo, bélico inimigo;
O claro Olho do Céu, no quarto assento,
E Vénus, que os amores traz consigo,
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaxo vai Diana.

Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre omnipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem co Mar a Terra por seu centro".
in Os Lusíadas, de Luís de Camões
(Canto X - est. 89-90)

      Se é certo que a Literatura não é cópia da realidade, muito dela tem vivido. Um homem culto como Camões não deixou de apresentar poeticamente essa cosmovisão geocêntrica, ptolomaica que vigorou ao longo de cerca de quinze séculos (sécs. II - XVII). Nem Philolau (séc. V a. C.) nem Hicetas de Siracusa (séc. IV a. C.) veriam as suas teses (da Terra enquanto esfera girando em torno de um "fogo central", a que faltava dar o nome de "sol") reconhecidas senão nos séculos XVI, com Copérnico, e XVII, com Kepler e Galileu.

     Assim se fazem as revoluções do conhecimento, sem que se desmereça o valor heróico dos que (ainda) o desconhecem. Neste sentido, a literatura acaba por ver mais longe... numa atitude modelar.

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