quarta-feira, 18 de março de 2009

Poesia, Som e Voz(es) em Pessoa(s)

    Entre o terreno do sensível e as alturas do inteligível, entre o sentido da pluralidade colectiva e a singular unicidade, constrói-se a diversidade na unidade.

      Imaginário(s), espaço(s), voz(es) e Pessoa(s).

Interpretação do poema pessoano "Do vale à montanha" por Mariza (Cavaleiro monge)

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por plainos desertos
Sem ter horizontes,
Caminhais libertos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por ínvios caminhos,
Por rios sem ponte,
Caminhais sozinhos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.

24-10-1932
Fernando Pessoa, in Poesias de Fernando Pessoa
Edições Ática

      A elevação, a ascensão que se faz do sopé, do vale à montanha; a figuração do múltiplo da montanha na unidade do monte; a visão do coletivo no singular são percursos que Pessoa poetizou. Caminhou no sentido de uma espiritualidade de que o cavaleiro monge é símbolo; percorreu caminhos que não existem (senão na imaginação por ele sentida), que têm um sentido e o seu contrário. Dir-se-ia tratar-se de um percurso iniciático, no qual os obstáculos são provas para a superação e a transcendência necessárias à condição absoluta de felicidade.
    E, assim, cavaleiro e cavalo de sombra (que de real nada tem) "caminham" aliados, secretos, libertos, sozinhos, em mim. Esta a progressão das estrofes, sublinhando-se a dimensão de uma inconsciência que o eu-poético quer em si (enquanto sinónimo de idealização e de plenitude que mais parecem fruto de um "sentir com a imaginação"), até como forma de apagar o enleio da consciência, da realidade.
    Este é um poema com as linhas mestras da teoria de um fingimento artístico (sinónimo de criação), onde cabem o único e o múltiplo, a unidade e a diversidade, a realidade e a espiritualidade, a consciência e a inconsciência pessoanos.

     A conjugação perfeita da poesia, da voz, do espaço, da imagem - para um imaginário da espiritualidade.

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