Vergílio Ferreira: há 95 anos nascia para uma biografia mais tardia.
Esta pelo menos é a ideia das palavras do autor de Aparição, num excerto de um documentário realizado por Lauro António, intitulado "Prefácio a Vergílio Ferreira".
Lembro-me de me ter cruzado com o escritor, de sentir a sua imponência física quando, a propósito do centenário de Eça e Os Maias (1988) e no auditório da velhinha Faculdade de Letras (junto ao Palacete Burmester), o ouvi falar sobre uma das questões essenciais ao romance e à narrativa em geral. Em "Os Maias - que tema?" (artigo publicado no livro de Actas do I Encontro Internacional de Queirosianos, editado em 1990, pelas Edições Asa), surgia então a questão do tempo que, nas palavras do criador de Para Sempre e Até ao fim, é um problema que se coloca ao homem ocidental desde que este se questionou sobre si mesmo.
Questionação e consciência das condições da existência, percursos de solidão, história do sentir são eixos filosóficos e estruturantes nas letras e na escrita romanesca e diarística de Vergílio Ferreira.
Na busca de sentido do universo; no confronto com o vazio de valores; no percurso de descoberta que se impõe ao 'eu' diante de um mundo, da vida e da morte, surgem as reflexões sobre as motivações e limitações humanas para os actos e para o pensar, sobre o mistério, sobre a arte:
"... são muito complexas
as relações do «real» e do «imaginário».
Mas (...), se uma personagem se nos impõe como tal,
as relações do «real» e do «imaginário».
Mas (...), se uma personagem se nos impõe como tal,
ela existiu mesmo.
E com efeito: que pessoas existiram,
se alguém as não fez existir?
E que diferença fazem no seu real
das que nunca de facto existiram?"
Na revelação a / de si mesmo, na aparição da(s) verdade(s) que compõe(m) a existência, Vergílio Ferreira impõe-se como um dos grandes escritores nacionais do século XX, um problematizador da vida e da sua finitude.
Funda-se assim a grandeza de um homem no reconhecimento de todas as perdas (de Deus, do amor, das suas personagens, do sentido para a existência) e na constatação do absurdo da condição humana, rumando à aceitação do que (nos) é acidental e da grandeza cósmica que a / nos transcende.
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