segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Referências de leitura: imperativo / conjuntivo

    Recupero um comentário que, pela solicitação feita, merece a autonomia de publicação. Frutos de um encontro de e entre profissionais.

       Q: Caro colega,
     Como aprecio muito o manual 'Das Palavras aos Actos', estive hoje na excelente acção de formação dinamizada pelo Vítor no Porto. Relativamente a uma explicação que deu, agradecia imenso se me pudesse dar uma informação. Sempre considerei, tal como referiu o Vítor, que no Imperativo apenas existe a 2.ª pessoa e a forma afirmativa; e que, em todos os outros casos, se usa o presente do conjuntivo com valor imperativo. No entanto, como todas as gramáticas escolares recentes que tenho consultado ultimamente consideram a conjugação do imperativo em todas as pessoas e na forma negativa (coincidindo com o presente do conjuntivo), tenho explicado aos alunos que me parece ser essa a posição dominante da gramática actual, na linha do que é considerado na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (mas que eu julgava estar mais de acordo com a nomenclatura brasileira). Ora, quando hoje ouvi o Vítor afirmar de forma tão categórica que o Imperativo apenas conta com a 2.ª pessoa e a forma afirmativa, percebi que continua então a ser essa a posição "oficial" em Portugal. Sendo assim, será possível o Vítor indicar-me que gramática(s) (ou outros estudos) validam inequivocamente esta posição relativamente ao Imperativo, para assim todos os colegas da escola passarem a adoptá-la (visto que não é isso que acontece actualmente).
      Muito obrigado e mais uma vez muitos parabéns pelo seu trabalho.

      R: Caríssimo colega,
     Antes de mais, o meu agradecimento pelas suas palavras simpáticas bem como pela sua presença num encontro que, dadas as condições climatéricas, me surpreendeu pela adesão de tantos profissionais motivados e interessados. Desde já, o meu bem haja.
   Quanto ao esclarecimento que me solicita, creio que um primeiro dado a estabelecer é de carácter morfológico. Ambos os modos verbais apresentam paradigmas flexionais distintos. Outro dado tem a ver com a diferenciação entre a designação de tipos de frase (frases de tipo imperativo) e a dos modos verbais: se, para o primeiro caso, podem concorrer vários modos e formas verbais (imperativo, conjuntivo, indicativo; infinitivo), para o segundo, a questão morfológica é decididamente distintiva (veja-se Inês Duarte e a obra Língua Portuguesa – Instrumentos de Análise, pág. 80; a Gramática da Língua Portuguesa, coordenada pela Professora Maria Helena Mira Mateus, pág. 934-936).
    A por si referida gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra não deixa de ser sintomática: na distinção entre imperativo afirmativo e imperativo negativo (e aqui entendo que a noção de “imperativo” esteja mais próxima da questão do tipo de frase do que da do modo verbal), é clara a afirmação de que “o imperativo afirmativo possui formas próprias somente para as segundas pessoas do singular e do plural (sujeitos ‘tu’ e ‘vós’). As demais pessoas são expressas pelas formas correspondentes do presente do conjuntivo.” E, quanto ao imperativo negativo, “não tem nenhuma forma própria. É integralmente suprido pelo presente do conjuntivo” (pág. 474, da Nova Gramática do Português Contemporâneo). Na página 465 da obra citada, é ainda assumido, na alínea e), que o conjuntivo independente (por contraste com o conjuntivo de carácter subordinativo, na linha etimológica da própria designação do modo) se emprega em contextos de ordem / proibição (na terceira pessoa), embora eu acrescente que se possa alargar ainda mais o efeito perlocutório de mais enunciados (pedido, conselho, entre outros).
     Na mesma linha de pensamento, sugiro a leitura da Gramática da Língua Portuguesa, de Mário Vilela (Almedina), da qual cito a página 175: “O imperativo, como vimos, apresenta um quadro de formas com lacunas, em que o conjuntivo completa normalmente as formas que faltam ao imperativo.”
     Uma última sugestão: leitura do artigo “Subjonctif et impératif – une contribution à l’étude de la configuration linguistique du SOUHAIT, de l’ORDRE, du REGRET et du REPROCHE”, de Fernanda Irene Fonseca, ao qual poderá aceder na publicação intitulada Gramática e Pragmática – Estudos de Linguística Geral e de Linguística Aplicada ao Ensino do Português (Porto Editora).
    Espero ter sido esclarecedor e orientador nas referências a consultar.
    Sempre ao dispor.
    Cumprimentos.

   Que este seja um sinal da rede, da parceria, das colaborações sugeridas e necessárias para os trabalhos e desafios que a todo o tempo nos surgem... e que, neste momento, são de monta.

4 comentários:

  1. Caro colega,

    Agradeço imenso a sua douta resposta e a prontidão com que a enviou. Claro que não me importo nada que publique a minha dúvida no seu blogue. Pelo contrário, penso que essa metodologia deveria ser a dominante na nossa profissão; o ideal seria precisamente trabalharmos todos em rede, em que os contributos de cada um de nós formassem uma enorme base de dados organizada e acessível a todos.
    Quanto à sua resposta, foi sobejamente esclarecedora e útil para aquilo de que necessitava. Eu só coloquei a questão porque, se é verdade que o autor, na 'Nova Gramática do Português Contemporâneo', afirma que

    “o imperativo afirmativo possui formas próprias somente para as segundas pessoas do singular e do plural (sujeitos ‘tu’ e ‘vós’). As demais pessoas são expressas pelas formas correspondentes do presente do conjuntivo”; e, quanto ao imperativo negativo, “não tem nenhuma forma própria. É integralmente suprido pelo presente do conjuntivo”,

    logo de seguida, na mesma página, no ponto 2, acrescenta "Como no IMPERATIVO o indivíduo que fala se dirige a um interlocutor, só admite este modo as pessoas que indicam aquele a quem se fala:
    a) (...)
    b) as 3.ªs pessoas do singular e do plural (...)
    c) a 1.ª pessoa do plural (...).

    Depois, no ponto 3, acrescenta ainda "Cumpre distinguir das correspondentes do IMPERATIVO certas formas do PRESENTE DO CONJUNTIVO empregadas sem a anteposição do que (...). O IMPERATIVO, neste caso, exprime a ordem, ou exortação; o CONJUNTIVO, o desejo, ou apelo." E, a meu ver, contraditoriamente, num dos exemplos que dá, "Caiam de bruços!", acrescenta a classificação de IMPERATIVO(?!)

    Na página 465, o autor, de facto, na alínea d) (da 2.ª edição) afirma que o conjuntivo independente se emprega em contextos de ordem / proibição (3.ª pessoa), mas parece-me ser em casos bem diferentes daqueles em que dou uma ordem a alguém, plural, que trato por vocês, como é o caso do ex, dado anteriormente, "Caiam de bruços!".

    Por outro lado, no início do capítulo referente ao verbo, o autor, no esquema dos tempos e modos, p. 379, apresenta como Imperativo - Presente as seguintes formas estuda, estude, estudemos, estudai, estudem.
    Nessa linha, apresenta em todos os quadros da conjugação dos verbos modelares ou irregulares o Imperativo afirmativo e negativo (pp. 398-399, por exemplo).

    Ou seja, a meu ver, essa gramática não é nada esclarecedora acerca deste assunto; daí eu ter solicitado a indicação de outras referências bibliográficas, onde se afirmasse categoricamente que o imperativo apenas conta com aquelas duas pessoas, na forma afirmativa.

    Mais uma vez, muito obrigado e bem haja.
    Com os melhores cumprimentos

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  2. Prezado colega
    Manuel Seixas,

    É verdade que a gramática de Celso Cunha et al. apresenta oscilações e inconsistências. Daí ela ter sido objecto de bastantes apreciações críticas, não obstante a sua condição de referência até cerca de meados dos anos 80-90 do século passado.
    Não menos verdade é o facto de muitas gramáticas escolares também a reproduzirem, para além de muitas vezes incorrerem em generalizações abusivas a partir dela.
    Seja como for, as restantes referências indicadas dilucidarão este ponto, crítico, apontando para a aproximação e generalização inadequadas do termo 'imperativo' tanto para modo verbal como para tipo de frase. Não havendo linearidade e relação biunívoca entre os sentidos do termo, será sempre determinante a indicação de que a nível de entendimento nos encontramos. E no que toca ao morfológico (pois a questão do modo verbal coloca-se a esse nível, o da morfologia flexional), a distinção é clara.
    Agradecimento pela consideração e pela disponibilização da informação para o blog.
    Cumprimentos.

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  3. me ajudou muito em um trabalho de literatura que eu precisei fazer; escreve muito bem, e sabe como usar as palavras corretas para uma boa explicação, está de parabéns.

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  4. Muito obrigado, pelas palavras simpáticas.
    Fico feliz por ter ajudado em alguma coisa.
    Cumprimentos

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