domingo, 3 de novembro de 2019

Será que a Amélie vem aí?

        Dizem que a tempestade está para chegar a Portugal.

     Podia ter sido uma promessa, para afastar a anunciada intempérie; foi apenas um passeio para afastar as más energias, o cansaço e alguns sintomas doentios que persistem. E, agora, dizem que está a vir depressão! Coisa escusada! São ventos e chuvas que chegam para derrubar qualquer homem. Era bom que se dissipassem.
       A força da natureza está à vista: depois do sol tímido de um sábado e domingo, muda a cor do céu, a névoa surge, o vento esfria e o mar alteia. De longe, o branco das ondas ameaça pintar as paredes de uma capela, erguida sobre um rochedo, de costas voltadas para as fortes ondas. Em Miramar, a capela barroca do Senhor da Pedra não mira o mar; mira a terra. Impõe-se mais do que Pedro: é pedra sobre rocha, local de culto e peregrinação que, segundo um dos painéis de entrada, está erguido num espaço que terá remotamente recebido cultos pagãos de povos pré-cristãos. Persiste essa natureza natural e panteísta, pela envolvência do mar, da terra e do céu.

Capela do Senhor da Pedra, em Miramar (freguesia de Gulpilhares) - Foto VO

      Construída nos finais do século XVII (1686), a igreja é Património Mundial da UNESCO desde 1996. A sua forma hexagonal e a balaustrada exterior circundante, frequentemente rodeadas pela subida das marés, contribuem para um imaginário singular: o de um escolho santificado. A força da crença cruza-se com alguma sobrenaturalidade. Segundo os antigos, uma imagem de Cristo terá sido trazida pelo oceano: “Que num belo dia pousou sobre aquela pedra onde, mais tarde, veio a ser erguida a capela” (lê-se num outro painel, numa espécie de justificação do nome: “Senhor da Pedra”). No registo da lenda, quando os locais se preparavam para construir uma ermida ao Senhor da Pedra num terreiro conhecido por arraial, frequentemente era vista uma luz sobre os rochedos. A cada noite a luz misteriosa brilhava, pelo que os habitantes começaram a acreditar num sinal enviado do Céu. Assim, o ponto luminoso à beira-mar passou a ser o local de construção da capela. 
      O fantástico e o sobrenatural são ainda sulcados pelo espiritual e pelo religioso: na rocha, por atrás da capela, está incrustada uma marca semelhante a uma pegada de boi, que os habitantes da terra dizem ser de um animal bento (o boi que aquecia Jesus na manjedoura) que, também, por ali havia passado.

     As marcas nos penedos são uma constante nas lendas de cariz religioso. Natureza e fé são motivos para dar cor às religiões. A Amélie tem nome que (além de título para filme) dá para depressões.
      

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