A propósito de pronúncia (e particularmente do Norte) muito há a dizer. Por isso, fica aqui mais um registo, em modo de "apuntamentu du Nuorte, carago"!
Tudo começa pelo registo noticioso dado a ver e a ouvir pela TVI (e, já agora, apresentado por uma mulher do Norte que, por razões profissionais, se deixou naturalmente padronizar pela variedade centro-sul do português):
Reportagem da TVI no Jornal das 8
O facto é que as provas estão à vista e são linguistas que o dizem (conforme o expõe o Professor João Veloso, do Centro de Linguística da Universidade do Porto). Poderíamos mesmo recorrer a um dos primeiros gramáticos da língua (João de Barros) que, no século XVI, na consciência da função social e pedagógica das línguas vernáculas, defende para o português o louvor atribuído ao latim como língua transmissora de conhecimento. Daí a construção de um projeto pedagógico-didático com uma gramática, uma cartilha para aprendizagem da leitura e da escrita, mais dois debates dialogados entre um pai e um filho, intitulados "Diálogo da Viciosa Vergonha" e "Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem". É neste último que, em 1540, já se pode ler o seguinte, numa das réplicas do Pai:
Retrato de João de Barros, gramático quinhentista
"A mim, muito me contentam os termos que se conformam com o latim, embora sejam antigos: cá destes devemo-nos muito prezar, quando acharmos não serem tão corruptos que sua menção lhes faça perder a autoridade. E não somente dos que achamos nas escrituras antigas, mas de muitos que se usam entre o Douro e o Minho, conservadores da semente portugue-sa, os quais alguns indoutos desprezam, por não saberem a raiz de onde provêm."
Ainda que a extinção da escola literária galaico-portuguesa se conjugue com a deslocação do centro de domínio da língua para o eixo Coimbra-Lisboa (e a consequente distinção deste como núcleo de uma norma instituída por razões políticas e culturais - a que a fixação da Universidade ora em Lisboa ora em Coimbra não é estranha), é um facto que a variedade entre o Douro e Minho se reconhece como estando na origem do Português, que se estendeu para sul, por ação da reconquista cristã, e nesse domínio geográfico viria a encontrar o espaço de consolidação da sua norma padronizada. Da variedade original, assumidamente mais conservadora, há estudos que sublinham como alguns dos seus traços fonológicos e morfossintáticos podem ser revistos em variedades continentais europeias e não-europeias da língua (como, por exemplo, Rosa Virgínia Mattos e Silva o adianta em obras como O Português Arcaico - Fonologia ou ainda Estruturas Trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico).
Reside aqui a importância e a autenticidade do(s) dialeto(s) nortenhos: no característico conservadorismo mais próximo da génese da língua portuguesa e na projeção desta pela península e pelo mundo com alguns desses traços originais - dados que a variedade padronizada não deve ignorar (por dele[s] também derivar) e os "indoutos" destes tempos não podem esquecer.
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