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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A precisar de açúcar...

    Logo eu que o devo evitar!

    Olho para o pacote de açúcar (há-os com muita sabedoria) que me oferecem com o café e...


    Penso neste mundo que apela à paz e só cria guerras (Paciência!)
    Penso num tempo que se encurta a cada instante (Paciência!)
    Penso na maravilha que desilude, se revela sufocante (Paciência!)
    Penso nos lugares e nas pessoas que perdi, outras eras (Paciência!)
 
    Penso como aqui cheguei, em desassossego, sem querer (Paciência!)
    Penso na chuva que o céu dá e a terra quer, mas incomoda (Paciência!)
    Penso no dia que não chega para o tanto que há a fazer (Paciência!)
    Penso no fim de semana que está para chegar, mas demora (Paciência!)

    Penso naquilo que dizem que só que falta e que já é muito (Paciência!)
    Penso no urgente que anunciam com bastante antecedência (Paciência!)
    Penso nos muitos que são, num instante tornados poucos (Paciência!)
    Penso no prazer pensado, roubado por uma real iminência (Paciência!)

    Penso no sol que se foi e tornou as angústias mais frias (Paciência!)
    Penso na manhã cinza que anuncia noite rapidamente mais escura (Paciência!)
    Penso no cansaço sem o alento ou o tempo do merecido descanso (Paciência!)
    Penso na chávena que terá de multiplicar-se noutra, futura  (Paciência!)

    Penso no sorriso que vai disfarçar a o desgaste, a saturação (Paciência!)
    Penso na força que só vou encontrar nalguns, entre razão e coração (Paciência!)
    Penso que tenho de me despachar, pagar e no trabalho entrar (Paciência!)
   Penso que, no vaivém de tanta lida, terei apenas lembranças do mar (Paciência!)
    
     Depois de tanto pensar,...

    ... levo-o comigo porque preciso DELA (qual é a coisa, qual é ela, que até na foto parece desaparecer?)
      A precisar de me inspirar e de a inspirar (segundo o pacote).

segunda-feira, 8 de abril de 2024

"Isto vai, meus amigos, isto vai"

    Assim começou o dia, citando as palavras de Ary dos Santos.

    Retomada a prática letiva em pleno mês de abril, celebrou-se um dos dias que, há cinquenta anos e entre muitos outros dias, no silêncio estratégico e agregador, deu expressão à liberdade e à democracia, tão queridas ao poeta citado.
    Num incentivo à mudança, com as cores da esperança, cumpriu-se Abril (sim, com maiúscula, pela simbologia convocada). Também podia ser Maio (de novo, com maiúscula), enquanto marca de tempo inspiradora para revoluções (a de Maio de 68 ou outra), voltadas para a melhoria e para o bem comum da humanidade:

Declamação do poema "O Futuro", de Ary dos Santos (in O Sangue das Palavras, 1978)

     Veja-se na palavra poética o movimento dos tempos, das pessoas, dos caminhos feitos com valores de participação, de esforço, de trabalho (ou não seja este um poema pertencente ao "Tríptico do Trabalho" - formado por "O Futuro", "A Terra" e "A Fábrica").

    Estes vão ser os dias, as semanas, o mês de abril, que cabem em cinquenta anos de democracia (a bonança), surgida de uma penosa ditadura (tempestade), para dar lugar ao desenvolvimento, à construção de um regime, de um povo, de um país.

sexta-feira, 8 de março de 2024

De / Sobre / Para Mulher(es)

     Saudados todos os leitores, elas hoje saem destacadas - pelo Dia Internacional da Mulher.

   Ainda que assinalado desde o início do século XX (com variações na data da celebração), em dezembro de 1977, este veio a ser o dia oficialmente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 32/142, para sublinhar os direitos conquistados pelas mulheres até então: o direito ao voto, a salário igual, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica, ao acesso à educação. Fossem direitos já adquiridos, não haveria a necessidade de tomar o dia pela diferença, nomeadamente nalguns pontos do globo, onde muitos deles estão ainda por cumprir.
     Hoje, lembrei-me de uma mulher que recentemente me ofereceu uma edição / publicação poética (o esforço que fiz para não escrever o masculino 'livro'!), da autoria de uma professora minha de Literatura Inglesa na Faculdade de Letras do Porto:

               O SOPRO

A mulher sentada à minha frente

brinca com a carteira –
distraída

Gira e revira a asa
da carteira,
enrola-a entre os dedos,
volta após volta

Ana Luísa Amaral (2021: 80-81),
in Mundo, Porto, Assírio e Alvim

Como um pássaro breve e dançarino,
a asa da carteira ganha vida
nos dedos da mulher

A carteira é azul e o fecho é amarelo,
a mulher é velha,
a saia desbotada, uma blusa cansada
e também velha, usa chinelos

Mas brinca com a asa
da carteira
num ar feliz de criança ou pardal,
sem se preocupar com as pessoas sérias
de mãos serenamente,
seriamente pousadas sobre o colo,
lendo quietamente o seu jornal

A mulher sentada
à minha frente
brinca com a carteira,
distraída


Distraída, a mulher? Ou a carteira?

fazendo piruetas,
volteios elegantes, curtos passos de dança,
ao dar-lhe o sol de lado, na cabeça,
a mulher fica quase bonita
no seu ar distraído de criança
ao dar vida à carteira,
que dança

distraída
no seu colo
      Um poema para todas as mulheres, de uma mulher, acerca de mulher(es), com palavras que são colo, calor, luz e sopro de vida, independentemente da(s) idade(s) e do(s) género(s).
     Quem puder leia outra mulher que escreveu uma narrativa muito feminina, que cruzei com "O Sopro" numa viagem e numa progressão temporal que me fizeram (re)ver "Georgina" em verso.

      Bem hajam, Mulheres. Felicitações por este dia, a espelhar no dia-a-dia do resto do ano.

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Dia Nacional da Cultura Científica

         Poucos minutos, mas para minha memória futura.

       Uma turma de 10º ano, uma lição de Físico-Química A e o motivo do Diretor na sala de aula: um cartaz assinado que havia motivado dois dedos de conversa sobre Rómulo de Carvalho e o Dia Nacional da Cultura Científica, mais uns poemas que importava partilhar. O convite "Queres vir à aula, amanhã?" foi imediatamente aceite.

Saberes que cruzam letras, planetas, forças e número em abraço

        Há 117 anos, nascia aquele que viria a ser professor de físico-química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes, Liceu D. João III (Coimbra) e no Liceu Camões; pedagogo, investigador da história da ciência em Portugal... e poeta, sob o pseudónimo de António Gedeão. Há 25 anos celebra-se o "Dia", inspirado neste professor e divulgador de ciência. Também escritor literário. Razões mais do que suficientes para o homenagear. "Pedra Filosofal", "Lição da Água", "Lágrima de Preta" são das mais reconhecidas produções poéticas.
         Li "Impressão digital".
      A propósito dos "olhos", lembrei Camões e "Se Helena apartar / do campo seus olhos / nascerão abrolhos" - os efeitos do olhar de Helena na natureza são transformadores (sejam olhos verdes da "cor do limão" sejam de outra cor, mas "olhos do meu coração"). Os olhos de Gedeão são outros. Mais próximos dos contemporâneos, por certo, com abordagem e orientação temática bem distintas, sublinhando e definindo o que nos singulariza, o que nos faz ser diferentes, tal como uma "impressão digital".
      O tema da relativização do que se vê, da perceção das coisas, do copo meio cheio / meio vazio, da visão otimista em confronto com a pessimista são lições para a vida, para o crescimento do entendimento do universo. É / são saber(es) que o texto / poema dá, vindo(s) de alguém que se fez Homem da Ciência e das Letras, mostrando que a fronteira entre conhecimentos não faz sentido.
António Gedeão, no Parque dos Poetas (Oeiras)
     Ficou o convite para se deslocarem a Oeiras, ao Parque dos Poetas, e verificarem como uma estátua em honra do poeta António Gedeão não desdiz o físico Rómulo de Carvalho, mais os seus tubos de ensaio. Com física ou química, há lugar para a poesia, nas palavras que se atraem, noutras que se afastam - forças que a física designa de atração e de repulsa. Também há flores e escolhos (que rimam com os camonianos abrolhos); pedras pisadas, gnomos e fadas; moinhos e gigantes.

        Um dia que se marcou pela diferença, nas ciências que se complementam, por cruzarem saberes e darem outro sabor - um halo diferente na vida. Obrigado, AMT.

sábado, 22 de outubro de 2022

Pomba negra

         Pelo que não se alcança e tanto se deseja.

      Os tempos estão difíceis, por mais que se tematize o ano como sendo de paz e de harmonia globais (como, por exemplo, o faz a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias [IFLA], organismo internacional que representa os interesses dos serviços de biblioteca e informação e dos seus utilizadores ou usuários). Tudo parece ficar pela intenção, pelas palavras, sem os atos.

POMBA NEGRA
À falta de pomba branca ou do que ela representa
Queria pintar-se da brancura que,
negada na cor, dá sempre espaço
a todas as outras - qual solitário braço
ansiando por abraço; por toque
feito de Amor, lembrando regaço.

Queria o voo azul, livre, solto,
sem a ameaça de opacas nuvens
ou sombria noite; sem as passagens
de ruidosos e bélicos aviões velozes
ou de impulsionados mísseis algozes.

Queria planar sem pressa, ao vento,
esperando pelo ritmado bater de asas
a cumprir distâncias, viagens rasas
às copas, aos telhados, à humanidade.
Seria esta a sua instintiva felicidade!

Passado o espaço, cumprido o tempo,
chegaria ao pouso, ao ninho sedento
de paz, conforto, cuidado, alimento.
Cega à nascença, teve a visão capaz
de que nem todo o Homem se vê sagaz.

Seria assim menor o negrume,
maior a tonalidade da esperança:
ter no céu pássaros em volante dança.
Porém, há dor, ferida, fogo, lume
a arder, a queimar quem, na terra,
brinca com o poder e deste faz guerra.

Espinho, 22-10-2022

         Estranha esta pomba, que mais parece humana, nos desejos e nas vontades, relativamente àqueles que, na terra, se dizem feitos de poder e de razão.

         Bom seria que a pomba (branca, negra ou de qualquer outra cor) em paz volteasse, de novo, os céus da humanidade.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Um dueto com "olhos de Deus"

        Uma versão musical que, em dueto, resulta numa peça singular.

        A letra de Pedro Abrunhosa e o canto de Ana Moura são combinação perfeita para um fado-canção que ganha também com a interpretação do compositor. Assim se apresentou televisivamente (na TVI, primeiro, na RTP-1, hoje, em "A Casa d'Amália") esta composição tão genuína nas sonoridades e no texto:

Versão em dueto de "Tens os olhos de Deus" 
(emissão televisiva da TVI)

TENS OS OLHOS DE DEUS

Tens os olhos de Deus
E os teus lábios nos meus
São duas pétalas vivas
E os abraços que dás
Rasgos de luz e de paz
Num céu de asas feridas
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Dos teus olhos de Deus

Num perpétuo adeus
Azuis de sol e de lágrimas
Dizes: fica comigo
És o meu porto de abrigo
E a despedida uma lâmina
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Embarca em mim

Que o tempo é curto
Lá vem a noite
Faz-te mais perto
Amarra assim
O vento ao corpo
Embarca em mim
Que o tempo é curto
Embarca em mim

Tens os olhos de Deus

E cada qual com os seus
Vê a lonjura que quer
E quando me tocas por dentro
De ti recolho o alento
Que cada beijo trouxer
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Nos teus olhos de Deus

Habitam astros e céus
Foguetes rosa e carmim
Rodas na festa da aldeia
Palpitam sinos na veia
Cantam ao longe que sim
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Vídeo oficial do original (no álbum "Moura", de 2015)

         O cruzamento com a boa música portuguesa tem acontecido a diferentes tempos, mas com zonas comuns de reconhecimento. A voz de Ana Moura tem sido uma das constantes.

          Do álbum "Moura" (o sexto, da fadista - 2015) vem o original. Cinco anos depois, está aí umas das composições, com novas interpretações.

sábado, 9 de maio de 2020

"Enquanto houver ventos e mar"

       Também podia ser "Enquanto houver estrada para andar".

       Nestes tempos, há sempre um momento para dar atenção a belíssimas letras de canção.
       E quando delas se fazem ótimas interpretações, repete-se a audição.

Jorge Palma ao vivo - Coliseu dos Recreios (20.11.2007)

A GENTE VAI CONTINUAR

Tira a mão do queixo, não penses mais nisso 
o que lá vai já deu o que tinha a dar 
quem ganhou, ganhou e usou-se disso 
quem perdeu há-de ter mais cartas para dar 
e enquanto alguns fazem figura 
outros sucumbem à batota 
chega aonde tu quiseres 
mas goza bem a tua rota 

Enquanto houver estrada para andar 
a gente vai continuar 
enquanto houver estrada para andar 
enquanto houver ventos e mar 
a gente não vai parar 
enquanto houver ventos e mar 

Todos nós pagamos por tudo o que usamos 
o sistema é antigo e não poupa ninguém 
somos todos escravos do que precisamos 
reduz as necessidades se queres passar bem 
que a dependência é uma besta que dá cabo do desejo 
e a liberdade é uma maluca 
que sabe quanto vale um beijo 

Jorge Palma (letra e música)

Versão de Mafalda Veiga, acompanhada ao piano por Jorge Palma.

       Esta é uma canção de momento, de poesia a responder à realidade; a ensinar-nos a sobreviver.

       Isso mesmo - entre o poder ser e o ser fica o título: "A gente vai continuar".

sábado, 25 de abril de 2020

Celebrar a liberdade (ansiando pela libertação)

       Há sempre razões para celebrar a liberdade surgida da ditadura.

       Para que não se esqueça o passado mal vivido e se tenha presente as conquistas conseguidas, faz sentido celebrar este dia, aquele que "acordou" sem o peso dos grilhões do autoritarismo e do despotismo; do controlo e do poder ditatoriais que não dão felicidade nem permitem afirmar a dignidade humana; do medo da perseguição.
       Hoje, sem a liberdade de movimentos desejada, persiste a liberdade da democracia. Confinados, sim, mas livres do jugo político que alguma ideologia possa representar - aspirando à libertação, porém, com a liberdade garantida.
       Este é o 25 de abril dos tempos da pandemia. Ainda assim, 25 de abril: aquele que precisou de vítimas, de heróis, de canções e de poemas "de guerra" em "vozes de rebate" (com o diria Antero de Quental, em "A um Poeta"); de luta contra a resignação; de espírito de resistência.
      A poesia e o canto, comprometidos com a revolução (seja esta qual for), fazem ainda sentido. Hoje também é preciso "acordar" as mentalidades para a mudança de comportamentos; para os cuidados que trarão o desconfinamento necessário a uma vida com mais cor, dando-nos maior liberdade. 
   Por isso, relembro "Acordai", canção heroica, um dos hinos nacionais de resistência, que contribuíram para exaltar a liberdade e motivar quem lutava contra o salazarismo. Inicialmente publicada em 1946, foi silenciada pela Censura; contudo, muitos resistentes a divulgaram, de forma subreptícia, em encontros clandestinos ou em países de exílio. Hoje partilho-a sem "a dor / dos silêncios vis" de outrora; antes com a distância dos que, limitados, não são servis:

ACORDAI

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

A voz de Teresa Salgueiro 
com os versos de José Gomes Ferreira e a música de Fernando Lopes Graça

       Acordai ou a cor dai a este dia (sem frenesins), pelo que foi, pelo que é e pelo que poderá e deverá continuar a ser, sem que nada acinzente a democracia.

       Outro dia poderá ser mais feliz, mas tem este a liberdade há quarenta e seis anos conquistada.
        

sábado, 18 de janeiro de 2020

Nós contigo

       Hoje, o pensamento deu em versos.

       Assim se quer. Assim se sente. E tudo o mais é o que a vida faz.

Resiste,
Persiste.

É bom ver-te


Rir das nossas graças,
Apesar da dor, do desânimo
Gravados no teu pensamento.

Persiste.
Resiste,

O que vivemos
É para lembrar contigo,
Hoje, amanhã e ainda depois…
A todo o tempo, aqui, ali e longe.

Resiste,
Persiste.

Temos-te agora,
Queremos-te mais tarde,
Para que todos vejamos futuro
A cada passo por ti vivido, sobrevivido.

Persiste,
Resiste.

Dás-nos a graça,
A alegria de te rever;
De te sentir ainda feliz, agora
Ou no reencontro prestes a acontecer.
Resiste,
Persiste.

Vemo-nos em ti,
Nessa luta diária, sempre
À procura da vontade, da saída
Para os árduos (des)caminhos da vida.

Persiste,
Resiste.        


       Assim o queiras. Assim o sintas. E tudo o mais é o que a vida te der.

       Assim vamos, a cada dia vivido. Todos.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

A começar o ano

      Abre-se 2019 com poesia.

      Em Português, do Brasil, há uma receita de ano novo a cumprir. Boa forma de começar o ano.

Declamação do poema "Receita de Ano-Novo" (Carlos Drummond de Andrade)

RECEITA DE ANO-NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo 
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido) 
para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo 
até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior) 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?)

Não precisa 
fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumadas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.

                                                     Carlos Drummond de Andrade, op. cit, pág. 85

    Algarismos somados (2+0+1+9), chega-se ao número de meses do novo ano; somado o 1+2, chega-se ao 3.

   Parece ser ano divino, pela perfeição e totalidade simbólicas do número. Assim o façamos e o mereçamos (e, já agora, que deixe de cochilar dentro de nós e se erga para a vida).

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Um presente... natalício

    Na véspera de mais um Natal, sem (des)(en)canto,...
   
    Mais um ciclo prestes a fechar, para que um outro se abra. É ainda Natal. Em qualquer registo.

Presente natalício (Foto VO)

    Do presente, que é tempo e que é dádiva, se faz também o lugar e a pessoa cumpridos a cada nascimento. E pode ser o do mais bonito poema de Natal.

    ... que este seja o presente de cada dia - porque o Natal é quando um Homem quiser.

domingo, 3 de junho de 2018

A velha casa e outros dias

    Gondomar, na Biblioteca Municipal. Com amizade.

    Um dia depois de uma amiga ver o seu livro publicado nas mãos de alguns dos leitores e de ter assistido a uma apresentação da obra por alguém que a lera (e muito bem), ficou-me a vontade de apreciar mais a narrativa matizada de oral e poesia, com boa literatura à mistura.
  Um registo diarístico ficcionado; uma personagem (Madalena) cheia de vida, dando à palavra 'reformada' o sentido de mulher (bem) formada e com oportunidade(s) de reformular, retomar e reformar percursos e projetos; marcas de espaço e de tempo que se (re)visitam para se lhes dar novas cores, sabores e vivências, sem esquecer os tons, as pessoas e as memórias que a novidade faz e traz na (re)criação afetiva do lugar, das estações ciclicamente retomadas e renovadas, do fluir e do fluxo de vida e de comunhão com os outros e consigo própria - de tudo isto o livro se compõe, num jogo de ficção e realidade em que qualquer semelhança (ou coincidência) sai motivada e inspirada por lembranças, pela condição de presente e pelo desejo de futuro.
       E porque este último se complementa com presente e com passado, na linha do tempo, os projetos também se compõem de vivências e de memórias, inclusivamente aquelas que se revisitam pela tradição oral numa literatura feita em verso familiar, popular, universal pelas lições e pelos exemplos de vida configurados:


Poema da D. Marieta (in A Velha Casa e Outros Dias)

"Os Velhos" (in A Velha Casa e Outros Dias)

      Porque o ser humano se faz de, no e com tempo; porque também ele ocupa um espaço mais ou menos difuso, real, virtual ou fictivo; porque ele se (re)vê num espelho em que a imagem observada fica aquém da que verdadeiramente se expõe ou reflete, busca-se, nas linhas da narrativa, os traços de que uma mulher é feita, num retrato e numa vivência com sinais de passado recordado, de presente em ação e de futuro projetado.
      Liberta das contingências de uma vida entregue aos vários papéis que plenamente desempenhou, Madalena é feita de dores (etimologicamente de 'dolores'), de perdas, de conquistas, de ganhos, mas sempre de afetos e de expectativas, na demanda dessa utopia de felicidade que, na vida, não pode ter fim.

     ... porque o outono da vida há de sempre dar em novas primaveras, não obstante as intensidades do inverno e do verão.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Da noite para o dia de... Reis

      Hoje trabalhei e amanhã devia ser feriado. Tenho dito (ou melhor, escrito).

     Sou do tempo em que o início do segundo período letivo só acontecia depois desta celebração. Creio que não perdi muito com isso; hoje, acho que ganharia uns dias de descanso que a pausa letiva de Natal não deu. Ao menos, o dia de manhã - era uma boa forma de começar os feriados no novo ano.
    Na tradição católica cristã e segundo o Evangelho de S. Mateus (2: 1), Cristo recebeu a visita dos magos do oriente logo após o seu nascimento. Ora, a noite de 5 para 6 de janeiro homenageia este evento, num costume que data do século VIII. Belchior, Gaspar e Baltazar (sacerdotes para uns, magos para outros, sábios para alguns, reis para muitos mais) são três. Há quem diga que tenham sido mais; todavia, a bem dos três presentes oferecidos a Cristo (ouro, incenso e mirra), ficou tudo reduzido a uma tríade, nomeadamente os magos - que o Venerável Beda (monge inglês do século VIII) regista como sendo, respetivamente, um velho de setenta anos, um moço de vinte e um mouro de quarenta.
      Em Espanha, a troca de prendas natalícias acontece nesta noite. Em Portugal, anteciparam-se as ofertas para a noite de 24 de dezembro. Resta, agora, comer o bolo-rei (hoje já sem brinde nem fava - na família, quem encontrasse esta última devia trazer o bolo de Reis do ano seguinte) e ouvir "as janeiras" ou as "reisadas" (cantar de reis), de grupos que cantam músicas populares e tradicionais de porta em porta, algumas das quais com poemas singelos alusivos:

Dia de Reis

Vieram os três Reis Magos
Das suas terras distantes
Guiados por uma estrela,
Cujos raios cintilantes
Os levaram ao Deus Menino
Que, a sorrir de bondade,
Recebeu os seus presentes
E os acolheu com amizade.



Os Três Reis Magos

Já os três reis são chegados
À lapinha de Belém
A adorar o Deus Menino
Nos braços da Virgem Mãe.

Os três reis do Oriente
Vieram com grande cuidado
Visitar o Deus Menino
Por uma estrela guiados.

A linda estrela os guiou
Até à sua cabaninha
Onde estava o Deus Menino
Deitadinho na palhinha.

Venho dar as Boas Festas
As Boas Festas d' Alegria
Que vos manda o Rei da Glória
Filho da Virgem Maria.


     Nalgumas localidades do interior português (Vale de Salgueiro, em Mirandela), há tradições que se cruzam, nomeadamente a católica cristã com a celta. Daí o registo de algumas práticas hoje encaradas como singulares:

Registo da RTP1 sobre a tradição dos Reis em Vale de Salgueiro

     Há quem chame a esta festividade "Epifania". Eu só queria que a revelação fosse a de que amanhã é feriado! Essa seria a manifestação suprema!

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Pandemos!

     Assim começou a sessão de formação de hoje: Pandemos!

    Sem o significado, o grupo não sabia o que dizer. Ainda houve quem avançasse com a ideia de "pândega" - a necessidade de diversão, festa é muita nestes tempos em que, cada vez mais, nos mandam trabalhar. Dei-lhes o texto,... o contexto e, mesmo assim, a questão não se tornou fácil. 
   A necessidade do significado, por vezes, é ditatorial; ainda assim, os experimentalismos de Jorge de Sena desafiam-na, a ponto de termos a oportunidade de trabalhar a consciência morfológica dos falantes - até porque esta surge, por norma, quando se desconhece uma palavra; se pretende formar uma nova; se processa um trabalho de análise crítica e corretiva (a ponto de constituir uma tipologia de erros morfológicos).
     Lido o poema seniano (e agora digam que a palavra não existe!), lá fomos à construção do que estava em falta, pela "janela" da morfologia.
   Ter encontrado formas como "baissai", "refucarai" e "contumai" (primeiro terceto), ou, ainda "lambidonai" (segundo terceto), por mais desconhecidas que também sejam, convocou a funcionalidade do convite, da sugestão dirigida a uma segunda pessoa. Não se soube muito bem para quê, é certo, mas lá que várias coisas eram propostas não havia dúvida. O "Pandemos" era só mais uma, desta feita para uma primeira pessoa (do plural). E, assim, todos entramos na estratégia da descodificação do termo.
      A consciência morfológica foi ativada, no reconhecimento de formas verbais flexionadas, a ponto de se chegar ao verbo 'pandar' (com o radical 'pand-', a vogal temática '-a-' e o afixo de infinitivo '-r'). Em 'pandemos', era visível a flexão do conjuntivo, no afixo '-e-', e a da amálgama pessoa-número, em '-mos' (ainda que com o valor típico das frases de tipo imperativo ou dos atos de fala diretivos).

     Outras janelas, por certo, seriam precisas para se atingir a projeção máxima do significado e do sentido. Todavia, desta feita, "pandemos" valeu pelo que nos fez pensar, recorrendo ao processo de segmentação e análise morfológica.
      

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

E a chuva continua...

    Tem sido assim; parece que assim vai ser.

    Os últimos dias têm dado em chuva. Porque persiste, no chapinhar dos caminhos, entre a corrida que dela nos põe em fuga ou na face molhada que lhe dá a cara, resta descobrir a beleza deste tempo. Para quem pense que tal não existe, já o poeta o constatou em dois simples versos:

Montagem de imagens e do dístico caeiriano - VO

    Porque é natural, é belo; porque existe, é. Até pode haver quem não goste de um dia destes (eu tenho dias...!); há quem só queira calor e sol (sou mais deste tempo!). 

Caricatura de Viegas, em 'Pessoa Forever"

    Mas, se a chuva banha a natureza, só pode ser bela. Lava-a, equilibra-a e prepara-a para continuar a ser como é.
   Só tu, Caeiro, para - qual mestre - nos ensinares que o tempo é presente, por isso vale e nos acompanha a cada instante. Somos com ele e ele está connosco. Mesmo com chuva!

      Lá fora chove e cá dentro o tempo corre.