quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Uma questão de "*perar" (porque 'quem *pera sempre alcança' ou '*despera')

     Estará a acontecer mais um caso de evolução da língua?

    A frequência de uso do verbo '*tar' é tão comum na oralidade que já foi aqui, mais do que uma vez, denunciada pelas evidências do escrito - bem reveladoras de falha na consciência morfológica (deformação na consciência da base da palavra) e fortes implicações com a sintaxe (confundindo o verbo copulativo ou o auxiliar 'estar' com o verbo principal ou o auxiliar 'ter').
     Hoje, à semelhança de outros dias, a interação foi fantástica, a julgar pela reprodução do diálogo:

     - Ó professor, *pere.
     - Se faz favor, é bonito e eu gosto.
     - *Pere, se faz favor.
    - Não *pero nada, porque não sei o que é isso de *perar. Verbo tão estranho! Eu *pero, tu *peras, ele *pera, nós *peramos, vós *perais, eles *peram! (a gargalhada começa a ser geral). E se fosse no imperfeito do conjuntivo? Se eu *perasse, se tu *perasses, se ele *perasse, se nós *perássemos, se vós * perásseis, se eles *perassem! (mais gargalhada). Ai, e o pretérito perfeito composto! Eu tenho *perado, tu tens *perado, ele *tem perado... (continuam a gargalhar, até que o olhar sério e a pergunta mudam o registo, aind mantendo a brincadeira) Como seria o futuro?
      - Eu *perarei, tu *perarás, ele *perará... (responde uma)
      - Muito bem! E o condicional?
     - Esse é o tempo das Marias (coitados dos Manéis desta vida!): eu *peraria, tu *perarias, ele *peraria...
     - Bem, isto está a soar-me a peras a mais!
     - É cada fruta, professor!
     - Tens razão, é melhor parar, antes que façamos uma salada muito pouco variada e indigesta!

     Para terminar o momento, lá foi o reparo:

      - Espere, por favor, caríssimo X!

     E lá veio a resposta que daria outra conjugação:
     
      -   *Tá bem, professor.

      Alguns, mas só alguns, riram-se, bem cientes de que eu já não "*tava" a ficar muito bem.

     Quando abordar os processos de evolução fonológica, vou pensar se não será melhor começar já a abordar a aférese dos sons na sílaba inicial de 'EStar' e 'ESperar'. Quase me apetece dizer, em variação paremiológica, 'Quem *pera tem *perança' ou, então 'Quem *pera *despera'.

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