Os provérbios têm destas coisas: adaptam-se às circunstâncias e associam-se a valores e a vivências culturais que, por vezes, contrastam em si mesmos.
Nesta medida, entende-se que para o "Quem espera sempre alcança" também haja o "Quem espera desespera". À expectativa positiva do primeiro corresponde a negativa do segundo. E muitas vezes o que se espera não se encontra na esfera possível do nosso comum entendimento. Vem este apontamento na sequência de um pedido:
Q: Gostaria que publicasse aqui uma explicação para a gaffe (ou não) da Manuela Moura Guedes, com o verbo "Dezembro frio... calor no esti(l)o".Tem gerado muita polémica e gostaria de ter a sua opinião como professor de Português.
R: Não tendo assistido à emissão do "Quem quer ser milionário" a que faz referência, tive já conhecimento de que uma concorrente falhou numa questão, quando lhe era solicitado que completasse o provérbio "Dezembro frio, calor no ...". Falhou a concorrente, mas, pelos vistos, não estava contemplada a hipótese mais consabida e/ou previsível na construção (estio). E, assim, entre as alternativas fornecidas (domicílio, aconchego, abrigo, estilo), pretendia a equipa responsável pelo concurso que a resposta fosse "Dezembro frio, calor no estilo". Soube ainda que a locutora reagiu à polémica entretanto surgida, alegando o facto de o patamar / nível (elevado) do prémio exigir uma versão menos conhecida do enunciado, a qual podia ser atestada em várias fontes, nomeadamente "o site da Literatura".
Desconheço o alegado site (ainda por cima definitivizado, como se só houvesse um e/ou de reconhecida qualidade) e ponho em dúvida que possa ser um referencial fidedigno, a julgar pelos muitos sites que divulgam informação literária de credibilidade muito duvidosa. Conheço algumas variantes paramiológicas que apontam no mesmo sentido de contrastar o tempo frio com o calor, o inverno com o verão (é o caso de "Chuva em janeiro e sem frio dá riqueza ao estio"); sei ainda que um dos mecanismos mais comuns na construção dos provérbios é o recurso a sonoridades (aliterações, assonâncias) que (o) "estilo" quebra, por certo. Por rima interna, daria por certa a combinação frio / estio; e se estivesse no concurso, naqueles momentos / diálogos de explicitação do que vai no pensamento à hora da escolha, diria que nenhuma das alternativas correspondia a uma previsibilidade de resposta.
Conclusão: dou por mais certa a chuva e o frio na combinação com o calor e o estio do que o estilo de qualquer pessoa que seja a querer impor o que uma construção linguística (também) não deixa antever. É que os provérbios são construções da língua, mais ou menos estabilizadas e com características que não se dão com um qualquer estilo de resposta, por mais variedade que possa existir (inclusivamente a da descontrução) e muito menos fora do habitual saber popular.
Conclusão: dou por mais certa a chuva e o frio na combinação com o calor e o estio do que o estilo de qualquer pessoa que seja a querer impor o que uma construção linguística (também) não deixa antever. É que os provérbios são construções da língua, mais ou menos estabilizadas e com características que não se dão com um qualquer estilo de resposta, por mais variedade que possa existir (inclusivamente a da descontrução) e muito menos fora do habitual saber popular.
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