sábado, 3 de março de 2018

"Sempre é uma companhia"

      Citando o título de um conto de Manuel da Fonseca, publicado em O Fogo e as Cinzas (1951) ou o discurso de uma personagem.

      Em qualquer uma das circunstâncias, a referência à telefonia é um dado, para além da sua perspetivação como uma novidade no tempo da narrativa. Centra-se neste facto o núcleo de uma intriga que, uma vez lida no conto mencionado, sempre me fez lembrar um episódio do filme 'O Costa do Castelo' (1943), dirigido por Arthur Duarte. A velhinha película a preto e branco traz, em registo cómico, o que oito anos depois o conto sugere, num contexto mais marcado pela visão neorrealista e pelo retrato de uma ambiência de desesperança a evoluir para a expectativa da mudança e para a construção da esperança possível.
  Nesta exploração interartística (cinema e literatura), há coincidências a rever, paralelismos a construir, referências culturais a traduzir para qualquer momento que se reveja como crítico face à ausência de sinais de alegria ou de felicidade no seio dos homens.
       Assim, (re)vê-se o segmento fílmico, tomando como pré-tarefa do visionamento a construção de aproximações entre o conto e o que a tela / monitor dão a perceber:

Excerto fílmico de 'O Costa do Castelo' (versão de 1943)

        Entre os tópicos possíveis de abordagem / aproximação, registam-se os seguintes:

      a) centralidade da telefonia na alteração de comportamento das personagens (a partir do jantar de aniversário familiar a dar lugar ao baile / animação / prazer);
    b) o portador da telefonia como introdutor do fator de mudança (apologista da mudança e da tecnologia), num contacto com o mundo e na sugestão da música como fuga harmoniosa para uma realidade alternativa ao vivido;
     c) o ato explicativo associado ao funcionamento do aparelho;
    d) um contexto persecutório (associado à personagem do jovem masculino) numa aproximação, ainda que por razões diferenciadas, ao contexto de produção de O Fogo e as Cinzas (a fuga de alguém a um controlo equiparável à ditadura de Salazar, tal como no ambiente de desfavorecidos tomados pela desesperança, a dar lugar a uma esperança possível);
    e) a data da realização fílmica e a da publicação de O Fogo e as Cinzas (onde se insere "Sempre é uma companhia") compreendidas numa época associada à ditadura e ao controlo despótico de Salazar;
     f) a leitura sociopolítica do excerto fílmico equiparada à abordagem sociopolítica de uma narrativa neorrealista (com foco na questão social, na procura de uma saída feliz para uma realidade adversa).

        Mais haverá por certo, numa sugestão convocada por sinais que um tempo propõe à luz do que um par de obras dispõe e o leitor / espectador (re)compõe.

     Um caso de como as memórias do passado (vivido) se redefinem a cada momento que a motivação (da leitura e das aulas associadas) se impõe.
    

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