E voltamos à questão dos plurais de 'ão'.
Deve ser a proximidade da Páscoa. Trouxe ao diálogo, entre dois professores, a questão do plural de 'sacristão'. Perguntavam-me, em jeito de reclamação, por que motivo tinha de ser 'sacristães', se a palavra estava relacionada com cristão, que forma o plural 'cristãos'.
Há tempos vi, no 'Bom Português' (RTP1), que esta tinha sido a pergunta lançada aos transeuntes, muitos a tenderem precisamente para o 'sacristãos'. Eis que chegou a vez de entrevistar uma freirinha toda simpática, que, sorridente e como quem sabia do ofício, afirmava convictamente que o plural era 'sacristães'. Ora sem mais, a voz-off confirma o dado (na base da consultoria do programa) e falta saber quem o (vai) usa(r).
Na verdade, consultando a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 182), de Lindley Cintra e Celso Cunha, podem aí ser encontrados os casos de um reduzido número de palavras que tem o plural formado em 'ães': alemão, bastião, cão, capelão, capitão (em dissemelhança com ‘capitanus’), catalão, charlatão, guardião (e muitos a preferir os ‘charlatões’ e os ‘guardiões’), escrivão, pão, sacristão, tabelião. Contudo, não deixa de ser um dado o cenário de palavras terminadas em 'ão' admitirem dois ou três plurais (um ora de natureza mais etimológica e outro ora de uma tradição mais popular: anãos, anões; corrimãos, corrimões; refrãos, refrães (que poucos dizem,
preferindo os 'refrões'); verões, verãos; vilãos, vilões / aldeãos, aldeões, aldeães; anciãos, anciões, anciães; ermitãos, ermitões, ermitães; sultões, sultães, sultãos). Dicionários há, como o Houaiss, que admitem 'sacristães' e 'sacristãos'.
Há dias, a propósito de uma reportagem, voltaram a palavra e o seu plural à baila:
Assim sendo, pela gramática e também sustentado pela reportagem, lá respondi 'sacristães', tal como 'capelães' ou 'ermitães' (embora, neste último caso, as outras formas de plural também sejam válidas).
Sem muita fé no que toca a palavras que não fazem parte de um uso frequente ou que não são ativadas tão regularmente, diria que a consciência morfológica da questão está em deriva ou numa instabilidade que a sincronia procura regularizar, nos novos termos, para 'ões' (cf. camiões, aviões, corrimões, apagões e outros casos que tais).
Não se trata de uma questão de religião nem de fé: na língua, fazem-se algumas conversões, concessões e alterações que uma gramática mais normativa entende como corrupções, mas que muitos estudiosos veem como variações, evoluções próprias de uma língua viva, sujeita a transformações. Algumas até demasiado presidenciais!
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