segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Conclusão de uma ação, com oralidade na poesia

      Que a poesia, desde a sua origem, tem o registo da oralidade já não é nenhuma novidade!

      Desde os primórdios poéticos, música e canto acompanham os poemas. Na literatura portuguesa, a existência das cantigas (de amor, de amigo, de escárnio e maldizer) e a dos cancioneiros provam-no. Se ler uma notícia de jornal não é o mesmo que ler um poema, é porque a modulação da voz e a impressão de um ritmo (musical) se impõem.
      Além de tudo isto, uma das entradas para o entendimento de um texto há de sempre ser a representação da voz que corre no pensamento, mesmo na mais silenciosa das leituras.
     Este foi o desafio criado com o separador que distribuí na última sessão do "Ensino-Aprendizagem da oralidade: princípios, campos de trabalho, estratégias e práticas avaliativas". A escolha poética incidiu sobre Jorge de Sena e dois dos seus poemas marcados pelo experimentalismo linguístico que moldou, por exemplo, a produção dos quatro poemas a Afrodite Anadiómena. Um deles, "Pandemos" (o primeiro dos quatro, publicado em Metamorfoses ou Poesia II), foi inicialmente apresentado no formato da prosa e sem identificação da autoria:


     Ler com os sinais que a escrita convencionou é seguramente pouco quando a disposição gráfica ganha outra orientação e recupera outros códigos que a literatura potencia:


     No final, pela forma de soneto e com a identificação do verdadeiro autor, houve palmas para a voz que leu; que fez dos sons, da intensidade, da entoação, do ritmo e da fluência um potencial significado.
   Assim que este último foi perguntado, a questão foi devolvida para recreação ou recriação, sem esquecer as palavras que o poeta deixou a propósito, conforme se pode ler numa citação que Gastão Cruz faz das palavras do próprio Sena:

      “O que eu pretendo é que as palavras deixem de significar semanticamente, para representarem um complexo de imagens suscitadas à consciência liminar pelas associações sonoras que as compõem."

CRUZ, Gastão - “Jorge de Sena na poesia do seu tempo ou ‘a arte de ser moderno em Portugal’”
 in Relâmpago - Revista de poesia, Lisboa, nº 21, outubro de 2007, p.33-54.
     
     Assim se concluiu uma formação, na consciência das vantagens que o trabalho e a avaliação do oral incutem na aprendizagem das línguas (materna e estrangeiras).

4 comentários:

  1. Já agora acrescento:

    Timbórica, morfia, ó persefessa,
    meláina, andrófona, repitimbídia,
    ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
    amata cíprea, calipígea, tressa

    de jardinatas nigras, pasifessa,
    luni-rosácea lambidando erídia,
    erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
    eurínoma, ambológera, donlessa.

    Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos
    alipigmaios, atilícios, futos
    da lívia damitada, organissanta,

    agonimais se esforem morituros,
    necrotentavos de escancárias duros,
    tantisqua abradimembra a teia canta.

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    1. Ao ler esse soneto (o quarto de "Afrodite Anadiómena", intitulado "Amátia"), penso sempre que a melhor forma de responder é o segundo: "Anósia"

      Que marinais sob tão pora luva
      de esbanforida pel retinada
      não dão volpúcia de imajar anteada
      a que moltínea se adamenta ocuva?

      Bocam dedetos calcurando a fuva
      que arfala e dúpia de antegor tutada,
      e que tessalta de nigrors nevada.
      Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!

      Labiliperta-se infanal a esvebe,
      agluta, acedirasma, sucamina,
      e maniter suavira o termidodo.

      Que marinais dulcífima contebe,
      ejacicasto, ejacifasto, arina!...
      Que marinais, tão pora luva, todo...

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  2. Pois é...

    Ainda assim, eu gostava mesmo era de perceber o que está em tão literários versos? A sério que sim.
    Cumprimentos.

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    1. Viva.
      Não sei se terei resposta para tal pedido, mas tentarei uma aproximação em apontamento próximo.
      Obrigado pelo contacto.
      Cumprimentos.

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