sábado, 22 de maio de 2021

Hoje, depois de ontem, com versos de séculos

     Ontem foi o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento; hoje fica a lembrança da celebração.

      A ocorrência do dia celebrado a 21 de maio, segundo proclamação da Assembleia Geral da ONU há dezanove anos (com a "Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural", onde se reconhece esta última como património comum da humanidade), deve repetir-se a cada dia pelo significado que tem para o bem-estar de todos em todos os tempos. 
    Celebrar a diversidade cultural é respeitar e defender valores fundamentais como a liberdade, a democracia, a tolerância, a igualdade, a não discriminação, o respeito pelo estado de direito, os direitos humanos, a solidariedade entre povos, o sentido de paz e de fraternidade harmoniosas.
  Enquanto imperativo ético, no respeito pela dignidade humana e pela aceitação de valores diversos e multiculturais, sublinha-se com esta efeméride a aprendizagem do que é a vivência conjunta, integrada e inclusiva; a luta contra estereótipos culturais, preconceitos e fundamentalismos, num diálogo contínuo enquanto garante de um generalizado desenvolvimento sustentável.
      Assim também o pensou Camões, como o sugere, por exemplo, "Endechas a Bárbara Escrava":

Montagem de imagens e declamação do poema camoniano "Endechas a Bárbara Escrava".

     Uma composição poética contraposta às tendências dominantes dos padrões de beleza num tempo clássico, quando os traços da pele clara e dos cabelos louros se impunham; a singularidade de uma "Pretidão de Amor", de uma negritude que, afinal, não é bárbara (por mais que desta tenha o nome próprio). Assim se marcava a diferença nessa expressão versificatória da corrente tradicional, bem distinta da medida nova (mais superlativizadora do ideal feminino dos "Ondados fios de ouro reluzente"):

Padrões de beleza camoniana bem contrastivos 
("Endechas a Bárbara Escrava" e o soneto "Ondados fios d'ouro reluzente")

    Numa versão musicada por Zeca Afonso e interpretada por Sérgio Godinho, a conhecida trova escrita em redondilha menor progride numa melodia que se vai intensificando na harmonização sonora, sem deixar de sublinhar a excecionalidade da figura retratada.

Interpretação de Sérgio Godinho, para a letra de Camões e a música de Zeca Afonso

     O canto poético quinhentista traduziu um pensamento que se mostra atual, contemporâneo, liberto de preconceitos, feito dessa universalidade revista num "Todos diferentes, todos iguais". Nada melhor para literariamente relembrar o dia que passou.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Fragilidade da vida

      Tema mais do que atual face aos tempos pandémicos que se vivem.

      Camões, no final do canto I, reflete sobre esse tema, mencionando o "... Caminho de vida nunca certo: / Que aonde a gente põe sua esperança, / Tenha a vida tão pouca segurança". Enquanto "fraco humano" ou "bicho da terra tão pequeno", há forças que nos superam (no mar, na terra, no Céu). Não há domínio que nos deixe de testar, a ponto de a pergunta surgir: "Onde pode acolher-se um fraco humano, / Onde terá segura a curta vida...?" Mais do que interrogação (retórica), será a constatação da pequenez e da insignificância humanas face ao poder das forças que gravitam em seu torno, fazendo-as cair de um pedestal antinatural e a todo o momento questionável. E, assim, da temática quinhentista rapidamente se dá o passo para a contemporaneidade.
"Shattering", de Leon Keer
   Leon Keer, artista holandês reconhe-cido pela sua 3D Street Art - essa capacidade de trans-formar uma superfí-cie plana numa obra-prima multiní-vel -, criou um mural para o festival de arte de rua em Helsingborg, na Suécia. Retratando quatro chávenas de chá empilhadas de modo instável, aca-bou por descrever a obra conseguida com as seguintes palavras: "A vida é tão frágil quanto uma xícara de chá"; "Quero mostrar que a nossa vida pode mudar repentina-mente. Podemos perder um ente querido. Ou a nossa casa. Ou outros grandes artistas mundiais, expoentes da cultura. Por isso, nas xícaras de chá, pintei todos os cenários apocalípticos." 
       Desta forma, as chávenas que figuram no mural (as Rörstrand, uma conhecida marca de cerâmica centenária muito popular na Suécia) passam a representar uma realidade aumentada, cada uma delas a propor, metaforicamente, um episódio ilustrativo dos efeitos decorrentes, por exemplo, das mudanças climáticas; das falhas e das perdas que fazem com que a terra e o ser humano estejam prestes a "cair".

       Um caso evidente de arte pedagógica, consciencializadora, preventiva e intemporal na mensagem a transmitir. Na aproximação com Camões, Leon Keer é mais um exemplo contemporâneo de pintura a rimar com literatura.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Passiva, sim... sem agente! (nova versão)

      Lá está... a mensagem vai passando (com mais uma passiva sem agente).

   Tudo porque nem tudo o que parece é, por mais semelhança que haja.

      Q: Vítor, na frase 'O processo foi reclassificado por via administrativa', o 'por via administrativa' pode ser considerado um complemento do adjetivo?

       R: Garantidamente, não.
       Um complemento do adjetivo é uma expansão de um adjetivo. Ora, na frase dada, 'reclassificado' não é adjetivo, mas, sim, a forma verbal principal (no particípio passado) antecedida pelo verbo auxiliar da passiva.
        A construção passiva em causa é configuradora de uma ativa ('Reclassificou-se o processo por via administrativa') que, na transformação operada, mantém o modificador do grupo verbal original ('por via administrativa').
     Assim, para o sujeito 'O processo' é apresentado o predicado ('foi reclassificado por via administrativa'), com o complexo verbal do verbo auxiliar ('foi'), o verbo principal ('reclassificado'), mais o modificador do grupo verbal ('por via administrativa') a integrar esse mesmo predicado.
        Se é verdade que muitos adjetivos, na língua portuguesa, são formados a partir da forma de particípio passado dos verbos, em termos sintagmáticos não se deve confundir os primeiros com os segundos, particularmente em construções passivas (cujo complexo verbal tem de assumir, pelo menos, dois verbos - o auxiliar e o auxiliado / principal).

       Uns diriam complemente agente da passiva! Nunca. Outros diriam complemento do adjetivo! Muito menos. Fiquemo-nos pelo modificador do grupo verbal (a traduzir o modo, isto é, como foi feita a reclassificação), retirável da frase e sem o qual esta última se manteria correta.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Reação "poética"!

       Disseram-me para ler um poema que lhes dizia muito.

      Gosto destas partilhas genuínas, capazes de transformar o mundo e fazer de nós melhores pessoas. E quando de um poema se trata, digo que estou na minha zona de predileção.
      Ei-lo:

As palavras que sempre te direi: aprende a pontuar.

      Se ainda fosse para ouvir, até a mensagem poderia resultar (no conteúdo, sem atentar muito no vocabulário pobre da escrita). Como me pediram para ler, só me resta dizer: pontua melhor e serás grande!
    Talvez devesse dizer versos, mas apetece-me ficar pelas dez linhas do texto, que me apresentaram como poema. Escapa a última. Nas sete primeiras, uma vírgula separa sistematicamente o sujeito do predicado - o que nunca pode acontecer, enquanto regra essencial da língua; na passagem da oitava para a nona, existe um ponto e vírgula com uso estranhíssimo (melhor, incorreto) a separar o verbo - 'interfere' - do seu complemento - 'Naqueles que estão ao meu redor'.
      Nunca!
      Duas regras basilares da pontuação: não separar NUNCA o sujeito do predicado por uma só vírgula; não separar NUNCA o verbo dos seus complementos / predicativos por uma só vírgula (ou ponto e vírgula).

      Esta foi, assim, a melhor pessoa que "o poema" despertou em mim: a que denuncia os erros de pontuação, garantidamente, como exemplos a não repetir. É este o meu princípio de boa fé.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Passiva sim... sem complemento agente

       São perguntas que têm vindo a acontecer desde há algum tempo... e agora mais ainda!

       Comecemos por uma delas:

       Q: Vítor, na frase "O povo foi reconhecido pela sua lealdade", pode classificar-   -se o sublinhado como complemento agente da passiva?

        R: Não, seguramente. 
    Não se pode confundir ou associar o grupo preposicional 'por X ( > pela sua lealdade) a complemento agente da passiva, apesar de a frase estar configurada numa construção passiva (o complexo verbal 'foi reconhecido' confirma-o). A função sintática proposta não tem cabimento, a partir do momento em que a expressão 'a sua lealdade', desde logo, não pode ser tomada como agente, enquanto papel temático semântico. Trata-se, no fundo, da causa implicada na construção ativa subjacente: "Alguém reconheceu o povo pela sua lealdade" (> por causa da sua lealdade).
   O agente da ativa ('Alguém') encontra-se elidido na frase passiva ('por alguém'), dada a sua indeterminação. Nestes contextos frásicos, o complemento agente da passiva não aparece configurado na transformação passiva. Esse 'por alguém' seria, sim, o agente do processo de reconhecimento; a lealdade é a propriedade reconhecida no objeto da ativa ('o povo'), tornado sujeito na construção passiva.
      Não é, portanto, possível entender a causa da ativa (prefigurada num modificador) como agente da passiva. São funções sintáticas com papéis semânticos bem distintos.
      Situação análoga encontra-se abaixo esquematizada:

Frases com sintagmas e constituintes afins, mas funções sintáticas distintas

      Se, no primeiro caso, o professor elogia o aluno, no segundo, as notas não elogiam o João (são, antes, a causa do elogio). Não se confunde, assim, um complemento agente da passiva (primeiro caso) com um modificador (segundo), apesar de sintagmaticamente aparecerem frases com os mesmos constituintes.
      Por isto, é crítico aquele discurso que assume 'por alguém / algo / alguma coisa' como a função sintática questionada. A frase sugerida é um bom exemplo dessa generalização errada. Outras mais há. Bom será que se chame a atenção para o cuidado a ter nos exemplos a trabalhar com os alunos.

      Já tive a oportunidade de abordar este problema em apontamento anterior. A mesma atenção é aqui requerida, para que não se veja sempre o grupo preposicional final da ativa ('por+X') como complemento de um agente (semanticamente ausente; sem o traço da intencionalidade e do cumprimento de uma situação verbal relacionada com uma ação ou um processo).

sábado, 15 de maio de 2021

As boas escolhas (que estão por acontecer)

      Serão sempre bem-vindas, quando feitas em consciência.

      Não é o que se passa quando se apresenta rodapés televisivos como o seguinte, tão comuns aos nossos olhos (na variedade polifacetada com que nos surgem):

Agende-se a vacina da língua (para quem já 'ESTEVE' e 'ESTÁ' infetado com o vírus da incorreção).
Jornal da Tarde, na RTP1. Hoje. À hora da foto. (Foto VO)

     Vai mal a utilização da língua em circuitos de comunicação responsáveis pela sua qualidade. Maltratá-la, com a frequência com que tem sido, impõe que se cumpra formação e informação - que deviam ser pressupostas -, a bem de quem a deve dominar na perfeição do "Bom Português". Contrariamente à versão que diz "À mulher de César não basta ser honesta; deve parecer honesta", este é um claro caso em que o parecer não chega. Deve primar pelo ser.
      Em consciência, deve assumir-se que alguém não só deve escolher o local de vacinação como também precisa de escolher bem a vacina urgente a tomar: a da língua e a da sua correção (tanto oral como escrita). Isto é no que dá falar com reduções, como a do verbo '(es)tar'. A um pequeno e breve passo se escreve 'teve' - ou outras variações correlatas em pessoa e número -, não a forma do verbo ter, mas a do 'tar' que alguém errada e afetadamente produz

         Por isso eu digo que se deve falar bem para se escrever melhor.

       Ora, conclua-se: quem está (ou fala de modo) afetado precisa de ser vacinado. Isto no dia da família da língua portuguesa. Era escusado!

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A propósito de 'decisões' (no plural ou no singular)

     Nem as decisões são necessariamente pacíficas nem sempre são seguidas da mesma função sintática (interna).

        Perguntam-me qual é a função e digo que tudo depende da expansão.

       Q: Olá, Vítor. O nome 'decisão' é acompanhado de 'complemento de nome' ou de 'modificador do nome'?

        R: Depende do que vier na expansão à direita.
        O nome 'decisão(ões)' associa-se ao verbo 'decidir', tipicamente de natureza transitiva (Alguém DECIDE alguma coisa). Se o verbo seleciona um complemento (direto), o mesmo sucede com o nome respetivo. Acontece que a estrutura argumental do verbo 'decidir' implica um agente (quem decide) e um tema (o que é decidido). Logo, caso o nome 'decisão(ões)' seja expandido à direita por esse agente e/ou tema, ter-se-á um complemento de nome, como se verifica em i, ii, iii:

(i) A decisão ministerial foi polémica. (< O Ministério decide algo.)

(ii) Os alunos respeitaram a decisão do professor. (< O professor decidiu algo.)

(iii) A decisão de libertação foi a adotada pelo juiz. (< O juiz decidiu libertar o prisioneiro.)

    Todavia, há expansões que não correspondem a tais papéis semânticos. Nestes casos, estaremos perante modificadores do nome. É o que se verifica em iv e v:

(iv) A decisão correta nem sempre é fácil de ser tomada.

(v) Não vou aceitar uma decisão injusta.

      Estes últimos sublinhados não correspondem aos papéis semânticos anteriores (são antes avaliações / apreciações relativas à 'decisão'), pelo que configuram modificadores do nome (no caso, restritivos).

     Concluindo, a bem da função, veja-se o que vem a seguir à decisão.      

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Não perceber patavina!

      Assim o dita a expressão, quando ninguém percebe nada de nada.

     Seja por se tratar da posição mais fácil (dizer que nada se percebe) seja porque a inteligência nem sempre o permite imediatamente (daí não saber 'patavina'), o desconhecimento é zona de entendimento comum na expressão em causa. Também há quem não ligue 'patavina', tanto por não querer saber (nem ter raiva de quem saiba) como por não dar qualquer importância ao que seja.
    Da 'patavina' relacionada com o 'nada', alguns etimólogos defendem tratar-se de termo ligado à cidade romana de Patavium (atualmente conhecida por Pádua). O nosso Santo António (que também dizem ser do mesmo local) terá certamente escapado a esta acusação, mas dizem que os habitantes da zona eram maus falantes do latim. Entre muitos erros e deturpações, a par de algumas marcas de regionalismo, eram eles acusados de 'patavinitas'.
     Tito Lívio (59 a. C - 16 d. C), orador e historiador latino também natural de Pádua, escreveu uma obra que se caracteriza por estar incompleta - História Romana - e que alguns críticos da época acusavam de estar repleta das tais 'patavinitas', dificultando a compreensão generalizada dos textos. Ou seja, nada se percebia da história contada.
    Pelo século XIII, dizia-se também que Pádua era reconhecida por ter uma das mais importantes universidades europeias, particularmente no ensino do Direito, só ombreada pela de Bolonha. Na época medieval, desconhecer a ciência jurídica originária de Pádua – ou seja, "não saber (a escola) patavina" - era o mesmo que não saber nada em tal matéria. Isto é, neste caso, 'patavina(o)', por um lado, não deixava de ser sinónima(o) de tudo; por outro,  nome ou adjetivo relativo aos habitantes de Patavium. Ou seja, juntou-se o 'tudo' ao gentílico, mencionando-se aqueles que eram referência na escola ou no saber jurídicos.
     Nas Bocas do Mundo (2010), editada pela Planeta, é obra de Sérgio Luís de Carvalho que propõe, ainda, que alguns frades de Pádua — os designados 'patavinos' — visitavam Portugal frequentemente, no período medievo. Quando falavam na rua, o povo naturalmente não os percebia - logo, e numa extensão do significado da palavra gentílica, não percebia "patavina". Um raciocínio semelhante associa-se a uma história localizada em tempos mais próximos: por alturas dos séculos XVIII-XIX. Aquando da reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, conta-se que o marquês de Pombal convidou Domenico (ou Domingos) Vandelli para vir ensinar Química e História Natural, para Portugal. Natural de Pádua e falando o dialeto da sua cidade (o 'patavi'), o naturalista italiano não se fazia entender junto dos alunos, pelo que estes afirmavam que 'não sabiam patavina' (talvez porque também não ligassem). E, assim, o Diretor do Real Jardim Botânico e lente universitário acaba por, no muito que foi nos tempos de D. Maria I, reduzir-se a (quase) nada.

Imagem do livro setecentista de Domingos Vandelli, oferecido a D. Maria I

      O sentido de nada ou coisa alguma predomina, conforme se faz saber a bom entendedor. De resto, ficam várias histórias. Versões distintas da narrativa contada podem estar na base da expressão em causa; não há verdades absolutas na construção de idiomatismos ou expressões culturalmente marcadas, como são as expressões idiomáticas (a bem de quem não queira ser muito 'patavina').

       Na zona do Minho e das Beiras, há quem entenda o termo como sinónimo de pessoa apalermada, pateta ou idiota. Entre o nada e o insulto, venha o Diabo e escolha!

quarta-feira, 5 de maio de 2021

E, agora, o complemento do advérbio

         Já que perguntam, eu respondo. Espero que bem!

         Tudo a propósito da expansão (à direita) do advérbio.

        Q: Posso concluir que tudo o que vem à direita de um advérbio é o complemento do advérbio? Estas novidades...! Onde posso estudar isto?

         R: São novidades decorrentes de estudo e de aprofundamento, que merecem algumas distinções para não caber tudo no mesmo saco.
       À semelhança dos nomes e dos adjetivos, nem tudo o que surge à direita (por expansão) do advérbio é um complemento (de lembrar que grupos nominais ou grupos adjetivais também podem ser expandidos por modificadores do nome / do adjetivo). Só alguns tipos de nomes ou adjetivos (enquanto núcleos) requerem um complemento, conforme já se adiantou em apontamentos anteriores.
          Ora, no caso dos advérbios, consideram-se, entre os que selecionam complementos, os seguintes:

(i) os formados com '-mente' e que, a partir da base derivante, decorrem de adjetivos que também selecionam complemento, pela estrutura argumental (quer do adjetivo quer do advérbio)
ex. 1: o adjetivo 'independente' seleciona um complemento (independente de algo / alguém)
o advérbio 'independentemente' assume o mesmo comportamento sintático
Independentemente da tua opinião, já sei o que vou fazer.

ex. 2: o adjetivo 'relativo' implica ' ser relativo a algo / alguém' 
o advérbio 'relativamente' seleciona, de igual modo, um complemento
Relativamente ao assunto abordado, não concordo com o que foi dito. 

ex. 3: o adjetivo 'paralelo' implica uma relação com algo com que referencialmente concorre
o advérbio 'paralelamente' requer um complemento
Paralelamente à situação vivida, Bernardo Soares contrapõe a realidade sonhada. 

(ii) advérbios como fora, dentro, perto, longe, acima, abaixo que implicam uma coordenada ou referência local / espacial ou afim
ex. 1: os advérbios mencionados implicam 'perto / longe de X', 'fora / dentro de X' 
Ele permaneceu dentro da sala quando todos saíram.
Conheço muita gente que gosta de viver perto do mar.

(iii) advérbios como depois, antes expandidos por uma coordenada ou referência temporal que com eles concorrem
ex. 1: os advérbios mencionados implicam 'antes / depois de X' 
Depois da aula, foram todos conviver.
Antes do inverno, o outono também tinha sido rigoroso.

(iv) construções com advérbios de modalidade apreciativa / avaliativa que selecionam um complemento (de tipo oracional) 
Felizmente que a situação não ficou mais complicada!
Certamente que não vais fugir ao assunto!

(v) construções com advérbios como mais, menos, configurando enunciados de lógica comparativa
Ele estudou muito, mais do que os restantes alunos da turma!
Ela anda a comer muito pouco, menos do que o que deve.

(vi) construções com alguns advérbios que integram locuções conjuncionais subordinativas adverbiais (seguidas de um complemento de tipo oracional)
Sempre que chove, os guarda-chuvas saem à rua.
Ele é muito veloz, tão célere que fico cansado só de ver.

      Com os sublinhados a assumirem-se como complementos do advérbio, apresentam-se os exemplos típicos de uma função sintática interna ao grupo adverbial (que tem o advérbio como núcleo). Destacam-se, ainda, as preposições que abrem a expansão do núcleo adverbial.
     Atendendo às Aprendizagens Essenciais consideradas para o ensino secundário, ao nível do 12º ano estão contempladas (na gramática) atividades de análise sintática com explicitação de funções sintáticas internas à frase, ao grupo verbal, ao grupo nominal, ao grupo adjetival e ao grupo adverbial. É neste último grupo que deve ser abordado o complemento do advérbio, quando de tal se trata (e não do modificador do advérbio).
    Na base do acima exposto e na distinção de expansões do núcleo adverbial que não sejam complementos, pode a exercitação deste conteúdo ocorrer com tipologias de exercícios diversificadas:

a) reconhecimento da função sintática interna em exercícios de seleção (escolha múltipla)
ex. 1
Assinale a frase cujo sublinhado assume a função interna do complemento do advérbio.
a) Hoje de manhã o céu não estava nada amistoso.
b) Naturalmente, quero a chuva longe de mim.
c) O trabalho ficou concluído ontem pela noitinha.
d) Todos se portaram impecavelmente naquele dia

b) identificação da função sintática interna em exercícios de seleção (associação) distintiva (face a outros complementos e aos modificadores correspondentes)
ex. 2

c) construção compositiva da função sintática por transformação da frase ou um seu segmento
ex. 3
Reconstrua as frases propostas, substituindo os sublinhados por um advérbio seguido do seu complemento.
a) Com o calor sentido, todos ficaram no exterior da casa.
b) Graças a Deus que a turma toda se portou espetacularmente no museu.
c) Ao contrário do desfecho esperado, o final da história até foi feliz.
d) Vou tirar umas férias em conjunto com a minha família.

       Depois das propostas formuladas, interessa dizer que, para estudar esta função sintática interna, as fontes mais acessíveis são as Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (vol. II, pp. 1583-1590), e Gramática da Língua Portuguesa, da Caminho (pp. 419-432).

    Novidades a trabalhar, por certo, mas com a sustentação que os mais recentes contributos da linguística trazem para uma categoria bastante heterogénea e complexa, pela versatilidade de posição na frase, pela variabilidade de modificação de constituintes (não só dos verbos) e pela derivação/composição do termo nuclear.