terça-feira, 7 de setembro de 2010

De um poeta cuja poesia tem arte de música

    Cento e quarenta e três anos depois de ter vindo ao mundo (1867-1926).

     De Camilo Pessanha ainda pouco se disse, além dos seus dados biográficos e da vivência errante com que muitos poetas se fazem (ou deles são feitos ou, ainda, que dizem deles ser feitos).
     No cruzamento de referências com Verlaine ("de la musique avant toute chose"), pela musicalidade; com Baudelaire mais Mallarmé, pelo simbolismo poético; com Pessoa e os do Orpheu, que tanto o admiraram e quiseram divulgar, fica um compositor de versos, sons, palavras e símbolos à espera do que o leitor encontre nas imagens evocadas.

           Imagens que passais pela retina
           Dos meus olhos, porque não vos fixais?
           Que passais como a água cristalina
           Por uma fonte para nunca mais!...

           Ou para o lago escuro onde termina
           Vosso curso, silente de juncais,
           E o vago medo angustioso domina,
           - Porque ides sem mim, não me levais?

           Sem vós o que são os meus olhos abertos?
           - O espelho inútil, meus olhos pagãos!
           Aridez de sucessivos desertos...

           Fica sequer, sombra das minhas mãos,
           Flexão casual de meus dedos incertos,
           - Estranha sombra em movimentos vãos.

in Clepsidra (1920)

    Um tempo para lembrar o soneto que mais me impressionou nos tempos dessa adolescência que teimava chegar à maioridade. Passagem, tempo que flui congregados em imagens de água, de olhos, de sombra, de espelhos em que o 'eu' se dissipa e que, a cada instante, se revê num relógio de água feito de transitoriedade.

1 comentário:

  1. Para mim sempre foi o poeta da musicalidade! E por falar em música, já observaste bem a fotografia? Não é que, assim de repente, me lembrou aquele olhar em tom de desafio do António Variações!

    beijinhos e um bom ano lectivo para todos!
    IA

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