segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

'O Substituto': desligado de si, preso ao mundo

     Título para um filme com tanto de realidade como de ficção.

     Do realizador Tony Kaye, 'O Substituto' conta com a participação do oscarizado Adrien Brody ('O Pianista') no papel de um professor substituto (Henry Barthes). 
     Em registo próximo da crónica e de apontamentos reflexivos assumidos (pelo prisma de um educador atento e crítico) face ao que foi todo o seu percurso biográfico e profissional, é apresentada a realidade americana de um professor substituto em contacto com estabelecimentos de ensino marcados por traços de frustração, desilusão e esgotamento; alunos de ambientes multiculturais e multiétnicos com vivências desestruturadas; profissionais saturados na vida e na função, excluindo aqueles que ainda vão tentando responder, com medidas excecionais, a situações também elas excecionais; interesses e discursos de ocasião, que caem à mínima avaliação de desajustamento; contextos adversos ao código de valores sociais dominante.
     A par de tudo isto, há também a vida do próprio professor, encarando a sua função como a de restabelecer a ordem e não a de ensinar (por, segundo ele, não haver condições temporais para o fazer); lidando com questões familiares e vivências de um passado mal resolvidas; procurando afastar-se de ligações que o envolvam afetivamente, pela contingência e pela efemeridade que pautam o seu exercício profissional. 


     Todavia, a visão que este docente tem dos conhecimentos vitais à sobrevivência acaba por resultar num elo de aproximação aos jovens que com ele interagem. Resulta daqui a descoberta, para o professor, de uma forte ligação emocional aos alunos (que lhe reconhecem a autoridade, o exemplo, o lado empático,a diferença), a colegas (que procuram entendê-lo, ainda que com dificuldades no desvelar de todo o seu mistério), a uma adolescente recolhida das ruas para o mundo muito personalizado do "substituto" - de vida e de morte, de crueldade, de algum desamor, mas com alguma nota de esperança.
    Num retrato contemporâneo de indivíduos que se isolam, mas acabam por sentir a necessidade de estabelecer ligações com outros, há as cores do desconcerto, do incómodo no retrato de um professor angustiado pela consciência do poder que tem sobre os seus alunos (por mais que o procure esbater); há uma postura, uma linguagem, um reconhecimento de que não se pode ser compreendido quando se eleva demasiado o referencial de valores e de códigos (que não são reconhecidos por quem se encontra muito distante daquilo que 'devia ser'); há um sentido do que é um peso institucional, social, impeditivos de alguma naturalidade nas coisas.
     O choque instala-se (inclusive pela semelhança com algumas vivências escolares tão próximas), para que (também) se possa dar importância a uma outra forma de (vi)ver o mundo.

    Não posso dizer que seja um filme que dê bem-estar. Tem, contudo, a vantagem de fazer pensar. E, para tal, a citação de Camus, no início do filme, não é algo que surja por acaso: "Quanto mais me sinto desgarrado de mim, mais fico preso ao mundo."

8 comentários:

  1. Incomodativo. Foi este o primeiro adjetivo que me ocorreu, quando o filme terminou.

    Não sei se por ter havido da minha parte uma certa identificação com o professor Barthes - também ele de língua materna, como eu! Também ele “timoneiro” de turmas que não têm fome de saber(es)… – ou se pela violência (verbal, física e psicológica) estar presente desde o princípio do filme.

    A solidão de cada personagem é também ela, à sua maneira, personagem voraz, que se vai apoderando das suas “presas”… E dificilmente se consegue escapar às suas garras. A morte surge como um caminho possível. Aliás, a morte aqui funciona não só como “espaço/tempo de libertação” mas também como agente potenciador de reconciliação. Veja-se o caso do avô do professor Barthes, que acaba por se reconciliar com parte do seu passado, envolvendo o neto num "faz de conta" aparentemente desconcertante (digo aparentemente, porque o concerto/conserto acabou por se impor).

    Dizer que não gostei deste “O Substituto” não seria honesto da minha parte. Mas que me incomodou, incomodou! Veio ao encontro de muito do que vivemos diariamente nas nossas escolas. Veio de encontro ao nosso “adormecimento” rotineiro, obrigando-nos a abrir os olhos e, à semelhança de Barthes, a revermo-nos ao espelho, questionando-nos…
    Pois, pensar incomoda e, neste caso, mais do que andar à chuva!

    Um beijinho e até ao próximo filme!
    IA

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    1. Gostei desse jogo 'ir ao encontro de' e 'ir de encontro a'...
      Atenção que a morte também surge, no filme, como saída para a dor, para a angústia e para a solidão.
      O peso institucional nas relações também tem destas coisas, quando não há a possibilidade de dar o que outros querem. Até nesse domínio tem que haver gestão nas relações.
      Creio que não é o avô que envolve o neto num faz de conta, mas sim o neto (esse professor tanto na escola como na vida) que simula a realidade que o avô pode entender, a bem deste mesmo (que sai mais apaziguado da vida).
      Depois deste filme só me apetece dizer: QUERO UMA COMÉDIA!
      Beijinho.

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  2. Bom dia, Vítor!
    Concordo contigo quando dizes que é o neto que envolve o avô num faz de conta, apesar de estimulado pelo estado senil deste último que o confunde, por momentos, com a filha.

    Quando falo em morte como espaço/tempo de libertação refiro-me a essa saída que tu referes, e bem, para a dor, para a angústia e para a solidão. Deveria ter sido mais explícita.

    De facto, o filme mexeu comigo e ainda hoje me incomoda, se, por momentos, penso nele. E, por isso, estou como tu: apetece-me uma comédia, mas parece-me que a oferta cinematográfica tão cedo não nos compensará!
    Assim sendo, vou dedicar-me aos testes dos meus alunos, que, pelo que já "espreitei", tenho respostas perante as quais não sei se chore ou se ria!

    beijinho e bom fim de semana!
    IA

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    1. Dizem que há uma expressão típica em França para dar conta de efeitos inesperados ou indesejados: "Perdi o comboio".
      Dizem que na Arábia acontece o mesmo, dizendo-se "O comboio perdeu-me".
      Conclusão: é uma questão de perspetiva.
      Entre o choro e o riso, escolhe. Por mais que haja razões para chorar, ri-te; ou, então, havendo razões para rir, chora por aqueles que não quiseram ver aquilo que lhes foi, por certo, ensinado.
      Por mim, não saberia o que fazer. Pudesse eu, ia passear,apanhar sol!

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  3. Vítor,

    Muito obrigada.
    Só agora abri o mail(nem imaginas como estou curiosa).
    "Adoro" apreciar o olhar dos outros sobre os objetos que me interessam.
    Bem haja
    Ab~
    Ercília

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    1. Olá.

      Espero que vá ao encontro do teu "olhar".
      Temos aqui material para próxima formação / discussão de experiências. Muitas "indisciplinas", com muitos focos e muitas inspirações.

      Abraço.

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  4. Pois é, pelo que vocês dizem, quero mesmo ver o filme. Se já não estiver no cinema, estará disponível, com certeza, para ser visto em casa.
    Gostei da ideia do "faz de conta", porque, em muitos casos, tal acontece, lá como cá.

    Um beijinho para o crítico e para as comentadoras.

    Dolores

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    1. Ainda está no circuito.
      De certeza que vais apreciar,ainda que muito tenha para incomodar.
      Beijinho.

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