sábado, 14 de maio de 2016

Desconcerto(s) do(s) tempo(s)

     Camões tratou o tema do desconcerto do mundo na sua poesia. E lá teria as suas razões para o fazer.

      Talvez muito pouco tenha mudado desde aí, no que ao tema diz respeito.
     Continuam os "bons" a passar "grandes tormentos"; os outros a viver um mar de contentamentos. Nada de extraordinário, por certo, pois, na cadência da vida, sempre houve quem quis marcar um ritmo - desarmónico - e compor sinfonias - patéticas, por certo, porque a destempo, sem sentido e causadoras de algum sofrimento (para os ouvidos, e não só). Para mim, a música é outra, sempre mais voltada para o prazer melodioso que a cantiga do tempo me possa dar.
   Escreve o nosso poeta quinhentista que "Correm turvas as águas deste rio", metaforicamente sugerindo o curso da própria vida. E eis senão quando, ao ler o verso "Passou o verão, passou o ardente estio", uma nota explicativa de um manual de Português aponta para o significado de "estio" como sendo a primavera!!!!! Querem ver que a época estival passou a ser primaveril?! Espantoso!
  Muito recentemente, num programa televisivo, também houve quem quisesse mudar o sentido e a forma da palavra, paronimicamente associando 'estio' a 'estilo' e recriando um provérbio - que deixava de ser 'Dezembro frio, calor no estio' para passar a ter mais... estilo (* "Dezembro frio, calor no estilo"). Ora, agora, confronto-me com o manual a assumir que 'estio' é primavera. Consultando um dicionário (o Dicionário de Português da Priberam, por exemplo), lê-se que se trata da estação do ano intermédia à primavera e ao outono; noutro (Dicionário Online de Português), refere-se o verão, o tempo quente e seco ou, figurativamente, a idade madura (o estio da vida); um outro ainda (Infopédia - Dicionários Porto Editora), indica-se o verão e o calor. Fico-me pelos mais imediatamente acessíveis, sem desconsiderar a aprendizagem que há muitos anos recebi (na denominada 'escola primária', dos meus tempos). Ainda, assim, perante o insólito, fui confirmar o já sabido. É sempre preferível a deixar-me levar por certezas infundadas. Conclusão: era melhor que não se fizessem notas explicativas aos textos, quando particularmente elas induzem em erro e, portanto, nada esclarecem.
    Voltando ao citado texto camoniano, "Tem o tempo sua ordem já sabida; /o mundo, não". Concordo com o poeta quanto ao mundo. Do tempo, nem sei que diga, ainda que Camões não devesse saber que há quem queira, nestes tempos, ensinar a desordem do próprio tempo. Lá (não) terá (as suas) razão (ões) para tal!

       Em tempos de primavera a anunciar um estio, ora com dias de sol ora com a ameaçadora chuva, nem a primeira parece já o que foi; nem o segundo já querem que o seja.
       

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