quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A nova velha... e as mudanças!

     Quando se anuncia a novidade de um documento que enformará a vida da escola,...

      ... é bom que o documento traga algo de novo (de novidade) e não algo de novo (outra vez). 
   Tudo a propósito de uma conferência a que assisti hoje e da divulgação do "Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória" (através do Despacho n.º 6478/2017, de 26 de julho), encarado como referência para as escolas e para a sua organização (bem como de todo o sistema educativo), visando a convergência e a articulação das decisões curriculares com as práticas docentes e as aprendizagens do futuro (próximo).
      Quando a anunciada mudança se compagina com um conjunto de valores e princípios - os do humanismo, da responsabilização, da liberdade e da autonomia, das áreas de competências e de integração de projetos -, poder-se-á perguntar onde reside a novidade. De Dewey aos fundamentos da pedagogia moderna explicitados por Carl Rogers, pode dizer-se que o novo já tem praticamente um século. Muita formação docente (inicial, contínua e continuada) se apoiou nessa abordagem / equação tão propagada, no mínimo (senão antes), desde os anos oitenta do século passado. 
      Que a gestão / organização das escolas deve ser outra para se compatibilizar com esses princípios, não há dúvida - dos espaços, tempos e recursos materiais à perspetivação dos profissionais que nelas trabalham. Mudanças substantivas, não episódicas ou conjunturais, são requeridas na forma como as escolas públicas e os sistemas escolares são concebidos e no modo como são geridos, na consciência de como o público  (jovem e adulto, ou com espírito sempre jovem) que os frequenta irá ter uma palavra a dizer no que deles quer, em termos de integração, partilha, utilização de recursos, colaboração e, nomeadamente, distribuição de poderes. Também isto não é novo, pelo menos na literatura especializada sobre a administração escolar e as estruturas de gestão / participação da vida escolar.
    Talvez passar das palavras aos atos seja o passo que muitos veem como gigante, para os pés ainda sentirem o chão ou para que os voos não se façam desasados. Não pode é entender-se tais posturas de reserva como a recusa do novo (que já não o é) nem justificar-se alguma desconfiança como sinónima da apologia de práticas rotineiras ou do passado, tomadas como gerais, assentes na mera reprodução acrítica, em tecnicismos prolixos ou em disposições não participativas ou não interativas. Como se todos os docentes não fizessem mais do que isto. Muitos dos constrangimentos para a mudança passam por condições que, frequentemente, nem externa nem internamente, são garantidas para que ela aconteça além da letra ou da orientação discursiva. Nem sempre o espírito do texto se compatibiliza com os investimentos (de vária ordem, não só financeiros) que se impõem. Desfasamentos entre as orientações para a ação e a ação propriamente dita sempre os houve e sempre haverá, não sendo um documento ou decreto que os fará desaparecer. Daí que o futuro não se construa apenas pelo que se dá a ler ou a saber.
     A disponibilidade e a motivação para a sua concretização passarão, por certo, pela articulação entre palavras e atos, focando uma maior integração e coerência (vertical e horizontal) dos documentos curriculares, programáticos e organizacionais, nomeadamente na estruturação das aprendizagens a desenvolver ao longo da escolaridade. Daí também a necessária promoção de uma gestão mais articulada e integradora, nomeadamente flexível no que à concretização do currículo diz respeito (contrariando, definitivamente, essa ideia que alguns ainda têm de que todos a fazer o mesmo, ao mesmo tempo e, se possível do mesmo modo faz ensinar / aprender melhor). Neste sentido, a atuação política e a das organizações escolares / educativas serão fulcrais para a orientação e concretização da ação docente, atualmente limitada pelos currícula, pelos programas e metas definidos, pela forma como os espaços e tempos são geridos pelas escolas, pela distribuição de serviço docente e pelo modo de constituir turmas. Não menos importantes são as formas de liderança nas escolas (mais ou menos centralizadoras), a formação docente (tanto a inicial como a contínua) e a construção de equipas educativas mais focadas na colaboração, partilha e conjugação para a construção e consecução de projetos.
     Das implicações apontadas e das orientações preconizadas se faz a mudança pretendida, talvez nova na ação; não tanto nos pressupostos teóricos do texto ou documento em divulgação. Impõe-se a sensibilização para a primeira, com os sinais necessários da ação política e da gestão das escolas, de forma a fazer perceber que ela seja possível, para que não se caia exatamente na posição oposta: a de que a mudança não é (foi) possível nem necessária. Cair-se-ia numa quase reprodução de um discurso que se vai ouvindo e que parece legitimar o que não faz (muito) sentido para lá das palavras:

Excerto do programa televisivo "Melhor do que falecer" (episódio 10), na TVI (2014)

      (Bom seria que o cómico deste sketch fosse um sintoma do ridículo do que é dito; por vezes, creio que se torna mais do que isso, pelo que se ouve de apologia, por vezes, do passado e de um sentido de liberdade em que alguém se [re]vê como não tendo "serventia para ela").

     Com um bom comunicador e um espírito interessante (não obstante algumas generalizações dispensáveis e redutoras), pode dizer-se que o momento da conferência inicial sobre "Biblioteca Escolar / Perfil do aluno do século XXI" permitiu esquecer alguns cansaços acumulados, embora a perspetiva do futuro preconizado não deixe de se revelar, por ora, incerta e nebulosa. A ver vamos se não será canseira a redundar em novo cansaço.

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