quinta-feira, 19 de março de 2020

A sério?! (com e sem aspas)

      A concorrente não queria acreditar. Eu não acredito MESMO!

    A pergunta da incredulidade (com aspas, porque citada) é da concorrente, já que era crença sua o barroco ser anterior ao renascimento. 

A escolha errada no Joker, seguida  da explicação absurda (RTP1- emissão de hoje) 

      Lamento, mas creio ser de cultura geral que o último que mencionei é o primeiro de todos, abrindo portas para um período clássico tão extenso no tempo quanto nele caberem o classicismo propriamente dito, o barroco e, por fim, o neoclassicismo.
     Daí que, no diálogo com o condutor do programa - mal Vasco Palmeirim assume que o barroco é posterior -, a "stôra" (como ele a chamou) tenha demonstrado o seu desagrado. Pois é! Uns conhecimentos de literatura também ajudariam na decisão correta.
     Apetece-me dizer que esta até eu sabia.
    O pior, contudo, estava ainda para vir: diz o Vasco que o barroco é bastante posterior, "dos finais do século XVIII". Aí a concorrente lança a questão "A sério?!". E ele confirma.
     A sério?! - pergunto eu (sem aspas, mas tão incrédulo quanto a "stôra"). Insisto: a sério?!
    Resta-me infirmar uma "confirmação" dada, sem sentido nenhum. A culpa de quem constrói as respostas / as informações a dar (para não dizer que é falha dos comentários do locutor) reside, acima de tudo, em não se verificar, com alguns estudos, o que possa ser dito a propósito. Do barroco não se podia ter dito o que se disse.
      A circunstancialidade relativa do início de um movimento cultural, artístico não permite datas precisas ou rígidas, é certo; todavia, por exemplo, no caso da literatura, a crise do renascimento e o surgimento de tendências maneiristas (finais do século XVI) dão o sinal para o que virá a ser o barroco como núcleo de expressão artística e estética situada no século XVII. 
      A obra que mais marcou o barroco em Portugal intitulou-se Tratado de Agudeza y Arte de Ingenio (1642), de Baltazar Gracián - uma espécie de tratado sobre a poética, onde o autor chega a citar Camões (que poderá estar nalguma da génese barroca). É do primeiro quartel do século XVIII o tratado de teorização barroca português, de Francisco Leitão Ferreira, intitulado Nova arte de conceitos (1718-1721).
      Portanto, ou por influência espanhola ou por teorização nacional, temos o barroco português e peninsular situado, como núcleo, entre a primeira metade do século XVII e as primeiras décadas do seguinte. As compilações setecentistas da Fénix Renascida e Postilhão de Apolo são a expressão mais significativa do registo composições poéticas engenhosas seiscentistas.
        E mais não fosse, a teorização retórica sermonária ou da prédica de Padre António Vieira (1608-1697) é marca dessa estética que, tendo atingido o século XVIII, não se prolongou até ao final do mesmo (apesar do que é dito por alguns locutores), já dominado por algumas reações neoclássicas.

        Quando eu dizia que era bom que a RTP apostasse em linguistas, para abordar o bom uso da língua, talvez tivesse de assumir que é necessário abrir mais o leque, abarcando as humanidades em geral, para lá caberem referências de literatura, cultura, história que inviabilizem a comunicação de barbaridades.

2 comentários:

  1. Vejo muitas vezes este concurso, embora nem sempre tenha paciência de ver do princípio ao fim.
    Acho que o Vasco Palmeirim é bom comunicador, faz trocadilhos com bastante piada, conhece muita música (ou, então, sou eu que conheço pouca!), etc. Noutros domínios culturais, tal já não acontece, o que é natural, porque ninguém sabe (de) tudo.
    No entanto, um concurso de televisão implica rigor e seriedade. Para tal, e concordo contigo, a equipa que nele trabalha tem de ser diversificada e, sobretudo, informada - ou saber informar-se.
    O erro, que tão bem descreves, pode confundir muita gente, nomeadamente muitos alunos que analisam textos literários. E isto tem importância. Doutra forma, parece que tudo vai dar risonhamente ao mesmo. Os novos tempos exigem cada vez mais (in)formação e clareza nas múltiplas dimensões da nossa vida. É preciso que os senhores da televisão se lembrem disso e evitem vírus que, como demonstras, são bem visíveis e, por isso, fáceis de resolver.
    Um abraço e muita saúde
    Dolores

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    1. Plenamente de acordo. Fiquei tão irritado com a situação que a enderecei para o Provedor do Telespectador da RTP. Nós pagamos, nós merecemos qualidade e os alunos, principalmente, precisam de informação correta. Ainda por cima agora, com tanta valorização do ensino à distância e o recurso a múltiplas plataformas de conhecimento. A televisão será sempre uma delas e bom será que não descuide dessa função, com a transmissão de dados declaradamente errados.
      Obrigado pela mensagem.
      Beijinho e muita, muita saúde.
      E gosto muito de ti.
      VO

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