sábado, 26 de junho de 2010

Da poesia feita música... a descompasso

     No país em que tudo começa a ser possível, caem as referências que sempre foram necessárias e a dúvida instala-se.

     Q: Colega, que acha de uma quadra também poder ser quarteto? Nunca permiti que os meus alunos dissessem tal coisa nas aulas ou nos testes; agora, para a correcção de exames de 9º ano, dizem que devo aceitar. A ser possível, os manuais não deviam contemplar as duas hipóteses? Deixe de lado um pouco do seu cansaço, por favor, e esclareça-me nesta questão.

     R: Numa primeira reacção, diria que nada como consultar uma referência credível.
    Pegando no Tratado de versificação portuguesa, de Amorim de Carvalho, mais precisamente na Terceira Parte (Das Estrofes e dos Sistemas Estróficos), não encontrei a designação de 'quarteto'; só 'quadra'.
      Numa segunda referência, a do Dicionário de Literatura dirigido por Jacinto do Prado Coelho, aparecem duas entradas - 'Quadra' e 'Quarteto' -, ambas com o artigo seguinte: "Estância de quatro versos, ou estância de quatro versos de arte menor", para a primeira, "de arte maior", para a segunda. Ainda aí e em termos de remissão, aconselha-se a leitura da entrada "Estância", na qual se pode ler o seguinte parágrafo: "As estâncias de quatro versos, que, sem distinções, chamamos hoje quadras, encontram-se na poesia portuguesa desde as origens até aos nossos dias. A quadra adapta-se aos metros longos, tomando carácter culto, e aos metros curtos, tomando carácter mais caracteristicamente popular que nenhuma outra estância portuguesa. Alguns autores, como Filinto Elísio, reservam para a estância de quatro versos de arte maior a designação específica de quarteto que, em Espanha, é corrente neste emprego."
      Perante os destaques considerados (da minha responsabilidade), não creio que seja de vulgarizar uma designação que tem traços de especificidade. Se o texto para que o exame aponta obedecer à natureza versificatória da arte maior, não haverá problema em aceitar tal designação - por mais que entenda, a título pessoal, como uma especificidade que não faz muito sentido abordar ao nível de um ensino básico.
       Por essa natureza circunscrita da designação, vejo também razão para não se tornar comum, nos manuais, o 'quarteto', sob pena de, por generalização, o aluno ser inadvertidamente induzido a designar o dístico como 'dueto' (e, por certo, verá nisso regularidade, quando, ainda por cima, a seguir, chega o 'terceto').

      Caso para dizer que a música, agora, é outra, por mais que a poesia dela tenha vivido.

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