Os últimos tempos têm sido pródigos no recurso à literatura em bocas ministeriais.
Houve já tempo em que um primeiro ministro foi elogiado pelo seu interesse pela literatura portuguesa e pela forma como discorria, junto ao Tejo e na companhia de um jornalista, sobre textos e autores portugueses - tudo isto mais na avaliação de alguns incautos do que propriamente daqueles que viam o país ir ao fundo numa "crónica de morte (mais do que) anunciada".
Hoje repete-se a cena (não vejo melhor termo, lembrando a expressão de alguns alunos meus, quando se referem a algo que os incomoda: "Que cena!"). Passos Coelho cita Camões, reportando-se ao canto V e aos versos que, na voz de um Vasco da Gama junto do rei de Melinde, lamentam o facto de não se achar "Nenhum sinal aqui da Índia", "Sem vermos nunca nova nem sinal / Da desejada parte Oriental". Viriam, depois, os ventos favoráveis que conduziriam os navegadores à terra ansiada.
Com tais sinais de cultura, na ânsia de uma Índia para estes nossos tempos, só espero que a Literatura não se torne exemplo para a realidade (tal como a querem fazer parecer). É que da Índia euforicamente desejada, no canto V, cedo o poeta passou à disforia com que se passou a ver o destino alcançado, no canto VIII:
"Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede immiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga."
Em terra dominada pelo "ouro", por esse vil metal "luzente e louro", a vida humana pouco vale - reflexão tão atual para estas terras tão lusitanas, mais atentas à economia e à finança mundial do que ao valor da pessoa humana. Caso para pedir ao Senhor Primeiro Ministro que leia Os Lusíadas na íntegra; que descubra que a Índia não foi o local onde se acolheu "um fraco humano", esse "bicho da terra tão pequeno". Perceberá, então, que não estamos tão interessados assim em lá chegar, onde por certo não se "terá segura a curta vida" por ser local que vê preterida a vida humana, troca-a pelo poder do dinheiro.
Certo é que, no regresso, os marinheiros "Entraram pela foz do Tejo ameno" e "houveram vista do terreno / Em que naceram, sempre desejado" - e só o fizeram porque (ainda) havia pátria.
Certo é que, no regresso, os marinheiros "Entraram pela foz do Tejo ameno" e "houveram vista do terreno / Em que naceram, sempre desejado" - e só o fizeram porque (ainda) havia pátria.
E, de novo, surgem as palavras e a reflexão quinhentistas tão adequadas ao nosso tempo presente: "Oh! Grandes e gravíssimos perigos, / Oh! Caminho de vida nunca certo, / Que aonde a gente põe sua esperança,/ Tenha a vida tão pouca segurança!".
Também ouvi o discurso e reparei na citação. O tom não parecia revelador de entusiasmo nem de grande conhecimento do que se estava a dizer. Quem escreveu o discurso deve ter pensado que sempre fica bem citar os nossos grandes poetas. Porém, se os lessem talvez a prestação fosse mais verdadeira e eficaz.
ResponderEliminarAbraço
Dolores
Decididamente, o homem, no que diz a palavras, não tem grande sorte; e quanto a atos, está a deixar imenso a desejar.
EliminarTristes de nós, com os exemplos políticos que temos!