segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Uma questão de 'dor' (sem ser a dor de pensar ou a do fingidor pessoano)

    Pedem-me comentário sobre a nova filosofia desportiva introduzida por Abel Xavier no futebol.

    Perguntam-me, ainda, se dor não é um sufixo agentivo, no meio de tanto pontapé na bola e no jogo de tanta dor. Direi, desde já, que sim e não só.
    Entre risos e comentários, relembrem-se as palavras do treinador (que foi... já não é..., porque treinos destes ninguém quer!):

Abel Xavier explica... 

    O homem, não sendo linguista, até procurou teorizar um pouco sobre a formação das palavras. Tudo ao lado (claro está!), uma vez que tratou palavras derivadas como se fossem compostas; viu uma palavra (dor) onde só poderia ver um afixo (sufixo). Confundiu, logo, composição com derivação. 
    O sufixo '-dor', etimologicamente, deriva do latino '-(t)or', o que, em muitos casos, redunda num simples caso de evolução fonética apoiada na sonorização de [t] para [d] em contexto intervocálico: 'administrātor,ōris' > administrador; 'computātor,ōris' > contador; 'gubernātor,ōris' > governador; 'imperātor,ōris' > imperador. 
     A produtividade deste sufixo, entretanto, é evidente, no Português, pela sua adjunção a bases verbais, de modo a formar:
. nomes agentivos (ex.: acusador, armador, corredor, descobridor, nadador, operador, pescador, pregador, restaurador, trabalhador, vendedor) ou que implicam causatividade e processos de aspeto durativo (ex.: adestrador, afinador, polidor);
. nomes transferidos da agentividade para a designação de instrumentos de ação relacionados com causatividade (ex.: agrafador, aquecedor, elevador, espanador, regador, ventilador);
. adjetivos que denotam agentividade e/ou causatividade (ex.: admirador, enriquecedor, norteador, pensador, prosador, seguidor, sofredor).
    Caso para dizer que, à moda (inconsistente) de Abel Xavier (e só para ele), o 'amador' torna-se masoquista; persegue-se o 'salvador', para não salvar o que ninguém quer; 'doador' e 'dador' estão condenados, por doarem ou darem o que não se deseja; 'criador' é entidade maléfica, por certo. Heróis seriam, portanto, o 'traidor' e o 'torturador'. 
      Está visto que, perante tal 'treinador', qualquer um preferiria ser 'perdedor'. Daí ser treinador sem futuro.

    É na base dessa filosofia que entendo a minha predileção (face a determinadas interpretações abusivas) por um instrumento da sala de aula como o 'apagador'.

2 comentários:

  1. Vitor,

    tenho de admitir que assim ultrapassaste as teses mais vibrantes com a dor... Muito acima, mesmo. E não era fácil... Apenas acho que para o caracterizar a ele, Abel Xavier, se aplica mesmo morfologicamente uma palavra composta: o maça-a-dor, de tanto rir(mos) com. Na terminologia do futebolês, dir-se-ia que assim conseguiu meter a cabeça onde alguns dos outros não se atrevem a pôr os pés. Numa espécie de guilhotina dos espetáculos de Alice Cooper, para continuarmos na música de peso.

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    1. Obrigado, Vitorino.
      As "teses mais vibrantes com a dor", à moda de Abel Xavier, ainda dão dor que vibra... Onde isto vai! É melhor ficarmos pela tua palavra composta 'maça-a-dor', para não ferir suscetibilidades e/ou não ter que acrescentar mais um exemplo nos "nomes transferidos da agentividade para a designação de instrumentos".
      E por falar em Alice Cooper, já que estamos "Schools out", aproveitemos o tempo em que nos autorizam ficar fora daquele nosso "bunker" arquitetónico, que está mais para frigorífico hospitalar do que para transmissão de saberes e preservação de vida colorida.
      Bom fim de semana.

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