quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Porque é hoje o dia

     Cem anos depois do nascimento.

     Talvez o desmereça, mas foi o que quis fazer, recuperando temas, títulos, versos, ideias. Trazê-lo à vida, ao hoje (porque do presente se fez, sem querer pensar muito no amanhã), com um sorriso.

FOSTE...

Disseste
que há palavras interditas;
palavras que nos beijam;
algumas, um cristal;
outras, um punhal.

Saíste da moldura,
foste com as aves
e viste na poesia
a música que sempre teve:
um acorde perfeito.

Rejeitaste a pureza.
Nas viagens que fizeste,
juraste ver a luz tornar-se pedra.
Nascido em inverno,
aspiraste às tardes de setembro.
Buscaste o campo e o silêncio.
Quiseste falar das oliveiras, 
de uma cerejeira em flor,
da figueira e do trigo maduro.
Preferiste as mãos e os frutos.

Afirmaste a urgência do amor,
de um barco no mar;
e quando perguntaste
"Que diremos ainda?",
mergulhaste na água;
escreveste na terra;
entregaste-te ao fogo;
levitaste no ar
e puseste no céu a lua.

Voltaste à fonte, ao rio, ao mar...
Molhado pelo orvalho,
deixaste-o escorrer no corpo.
Bebeste-o como lágrima,
quebrando a dor, a secura.
Suaste no trabalho da sílaba,
da palavra, dos versos.

Nas perdas, 
alimentaste o isolamento.
Entre brutalidade e ternura,
o rigor, o rumor, o corpo habitado,
sentiste o peso da sombra
e desejaste ser árvore.

À hora da despedida,
no tempo em que se morre,
um rio te esperou.
Ficaste na memória,
como a canção de Laga.

Tens um nome.
És lido aqui, neste país, agora.

Estarás em paz entre os anjos.
                                                  Espinho, VO

      Ao jeito de palimpsesto e de intertexto, fica uma combinação que soa a dedicatória a um grande da criação e da expressão poética lusa. Ao funcionário público que se tornou poeta. A um mestre que deu grande lição.

      Ao Eugénio que foi José e que do Fontinhas se fez Andrade.

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