sábado, 4 de janeiro de 2025

Um filme, um ator e uma mensagem fantásticos

      Percebe-se por que motivo é considerado um dos dez mais do ano (passado).

     Na linha dos filmes de espírito detetivesco, Conclave (2024), dirigido por Edward Berger e baseado num romance de Robert Harris (2016), revela-se uma película a descobrir praticamente até final da sessão. Do mistério inicial, a resolver, ao insólito final, convergente com vários sinais da película a lembrar o mito do eterno feminino no seio da igreja, há todo um enredo feito dos ingredientes da corrupção, do jogo de interesses e dos segredos na cúria papal, num contexto relacionado com a morte de um Papa e a consequente seclusão do colégio de cardeais para a eleição de um outro.
  Num micro-universo constituído essencialmente por homens poderosos, muitos são os sinais de como a presença feminina também funda o enredo, a resolução e o final da história, numa afirmação de que os "olhos" e os "ouvidos" discretos de quem não deixa de ser e estar presente são essenciais ao desenrolar de tudo.
    No papel do decano responsável pela organização do conclave, a personagem Thomas Lawrence (interpretada por um mais do que oscarizável Ralph Fiennes) enfrenta um jogo de forças que converge para um núcleo de ação, cruzando a função de uma alta instância supervisora do Vaticano; de um homem que assume a responsabilidade dos seus atos, mesmo quando não se vê talhado para tal; de pessoa marcada por desequilíbrios, dúvidas e incertezas e nisso vê a fonte e a força do próprio mistério divino e da própria fé. Entre candidatos mais moderados e outros mais fundamentalistas e tradicionais, move-se este peão apontado pelos seus pares também como potencial ocupante do trono de Pedro (na sequência da responsabilidade, da firmeza, do rigor e da confiança de atuação, a par das palavras que, numa das suas homilias, encorajam o colégio a abraçar a dúvida e a incerteza, e portanto, o traço de uma igreja humana, que muitos querem apagar em favor de uma força e de um poder muito questionáveis).

Filme protagonizado por Ralph Fiennes e dirigido por Edward Berger - Conclave (2024)

      A progressão dos atos eletivos até ao aparecimento do fumo branco, prenunciado pela imagem de um consenso sugerido pelos guarda-chuvas brancos dos cardeais que caminham para a decisão final, não tem na escolha do novo Papa Inocêncio (XIII, se não fosse ficção, protagonizado por Carlos Diehz, como cardeal Benitez) o seu fim. Há mais uma revelação derradeira a fazer: a que volta a colocar, por um lado, a afirmação do eterno feminino no seio da igreja e, por outro, citando Inocêncio, a aceitação da diferença, da tolerância, do conhecimento do vivido e do experienciado como fonte de autoridade e de confiança. O discurso do novo Papa, ainda antes de o ser, é revelador de como a guerra não pode ser alimentada com mais guerra; o ódio não pode gerar novos e mais ódios. A sua verdade, partilhada com o Decano, é a simplicidade de uma afirmação que faz todo o sentido da aceitação: "Eu sou tal como Deus me fez", com o sabido, o conhecido, o vivido, o desconhecido, os feitos e os defeitos (se o são!) e tudo o que não caiba nos cânones de uma igreja que, por vezes, se afastou da humanidade.

      A cena final do Decano a colocar a tartaruga no local natural subentende a mensagem da escolha certa no lugar certo - mesmo quando de um Papa diferente se trata (no que é, no que se dá a ver, no que tem e no que se identifica), para lá de qualquer binarismo de género a que o humano tende limitativamente a reduzir perante uma natureza tão diversa.

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Que Natal (é este), afinal?!

      Passados os 24 dias de dezembro, o que nasce?

      O inverno é certo; o frio, previsível; chuva, neve ou sol, venha o que Deus quiser.
      Tudo o resto, se não for de(o) bem, é escusado.

Do título ao texto
Composições natalinas ou natalícias,  tanto faz!

       Nasça a esperança de dias e noites melhores, para que a Humanidade acredite mais em si e no que de bom neles possa fazer. Com harmonia (rimada com alegria), compaixão (combinada com gratidão), caridade (concordada com generosidade), paz (dela seja o mundo capaz).

       Um bom Natal para todos.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Patrono à mesa

     Um jantar natalício com a presença de Laranjeira.

    As mesas estavam primorosamente decoradas, à espera dos convivas. Há cinquenta anos estava um edifício em construção, ainda com a designação de "Liceu Nacional de Espinho"; hoje, num edifício requalificado entre 2008-2011, há um patrono a marcar presença na Escola Básica e Secundária Dr. Manuel Laranjeira:

Laranjeira no Natal de 2024 do AEML (composição fotográfica VO)

     Rumo aos 50 anos de um tempo e de um espaço a celebrar (mais as pessoas que os viveram), o aroma do fruto (laranja) vem compor o paladar de um licor que tem na árvore (laranjeira) origem, estendendo-se, por jogo evocativo, ao patrono (Laranjeira). Da natureza ao nome próprio, há como que uma transmutação alquímica, sugerindo a criação do elixir da vida ou da imortalidade. Laranjeira, por lembrança e evocação, ganha vida eterna ou prolongada.
     Se, na língua portuguesa, "alquimia" vem do latim alkimia, por sua vez proveniente do árabe al-kimiya (significando "a química"), não será de esquecer que, no grego antigo, khemeía significava "fusão de líquidos".

     Nada como ver no licor de laranja o adocicado sabor que Laranjeira, na vida, não deixou de acidular. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Um arranjo de Natal especial

     Há gestos a dar cor à vida e a alimentar o espírito de Natal. E não só!

    São gestos de generosidade que só aumentam a gratidão que sempre terei para quem me acompanha no dia-a-dia (pode quase dizer-se da abertura ao fecho dele). 
   Marcam a sua presença também agora na minha mesa da sala, bem mais bonita, pelo recheio de cores e sabores da amizade e do carinho sentidos:

Uma mesa muito bem "arranjada" (Foto VO)

    A todos eles (... sabem bem quem são...) um Natal muito feliz, com umas melhores entradas no novo ano. Mais um para estarmos juntos.

   Desde sempre, até lá e depois da(s) festa(s), o contínuo reconhecimento e agradecimento pelo bem que fazem a muitos. E a mim, particularmente.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ubuntu: eu sou porque tu és.

      Uma palavra Nguni, do Afrikander, trazida para primeiro plano por Nelson Mandela e Desmond Tutu.

     Representa uma filosofia social sublinhando o ser, o saber e o agir assentes numa liderança servidora; uma pedagogia educativa visando a paz, a amizade, a solidariedade, a fraternidade, valores que sublinham a dignidade do ser humano e aspiram a um ideal de sociedade empático, fraterno e visionário, com figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala na incorporação do lema “Eu Sou porque tu És”, pela valorização da interação, comunicação, comunhão, interdependência e solidariedade. Focada no desenvolvimento e na promoção de competências pessoais, sociais e cívicas dos participantes, contribui para a transformação destes enquanto agentes de mudança ao serviço da comunidade, ajudando na construção de uma cidade mais inclusiva, equitativa, justa.
  Convidado a partici-par numa mesa-redonda da Ubuntu Fest promovida pelo Instituto Padre António Vieira e com a colaboração da Câmara Municipal de Espinho, fui dignamente acom-panhado pela presença da Senhora Presidente da Câmara (Maria Manuel Cruz), dos Presidentes das Juntas de Freguesia de Paramos (Manuel Dias) e de Anta-Guetim (Nuno Almeida), bem como do Diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Gomes de Almeida (José Ilídio Sá). Uma assistência de alunos e professores / educadores compôs um auditório de onde foram lançadas algumas questões. Perguntas a que tive(mos) oportunidade de responder, numa alargada partilha de ideias, pensamentos e ações de líderes servidores que, de algum modo, todos acabamos por ser nas múltiplas funções exercidas.
     À primeira questão, sobre situações em que já tivesse duvidado da minha liderança, diria que foi tudo o que um líder não gosta de admitir publicamente: a sua condição frágil perante ameaças, perigos, dificuldades que a vida coloca a qualquer um. Por certo, nenhum líder aprecia lidar com conflitos que não são seus, mas que tem de gerir; constatar desarticulações entre níveis de liderança ou princípios orientadores para a ação e a ação propriamente dita; consciencializar fatores de desequilíbrio pessoal e profissional que convergem para a afirmação de cansaços, de ausência de força própria ou dos outros capaz de comprometer objetivos, metas, projetos; deixar-se invadir por desilusões que não sejam encaradas como oportunidades ou desafios para seguir em frente. Momentos há em que a tomada de decisão, por mais participada e partilhada que seja, acaba por ser um ato individual, solitário, o que pode causar algumas ansiedades, angústias, mal-estar, particularmente quando o estilo de liderança e de serviço é pensado / encarado de forma participada, democrática e conjunta, apostada mais no coletivo do que no individualismo e no individualizador (tendente para o egocentrismo, o narcisismo e a idolatria). Ser capaz de ver na liderança servidora um meio de ultrapassar estas disfunções, de encarar a resistência e a resiliência como estratégias de superação é o caminho a traçar, sempre que a dúvida, a indecisão, os dilemas se instalam. Transformar o negativo ou instável em foco de ação e conquista para o sentido oposto é o desiderato de quem se pôs a jeito e se propôs liderar em qualquer escala (pouco ou muito) / abrangência (poucos ou muitos) / nível de ação (topo, intermédio, base). De forma mais ou menos planificada, interessa que a dúvida dê lugar a uma construção, mais ou menos participada, mais ou menos partilhada, para que algum bem comum se vislumbre.
     Sim, já passei por tudo isto, a par de uma constatação de limites e limitações que me surgem, mas que procuro relativizar, aprender a resolver, fazendo de cada dia um passo nesse percurso que também outros fazem comigo, quer como diretor quer como professor,... acima de tudo, como pessoa. Liderar, servindo.
    Surgiu, então, a segunda questão: que conselhos dar a jovens que desejem ser líderes servidores. Apetecia-me devolver a questão: o que estão predispostos a fazer para bem do(s) outro(s) e do próprio? Que pontes construir para unir margens, voltadas para o fluir das águas como símbolo dos tempos; para a mudança das pessoas em termos de crescimento, desenvolvimento, empoderamento?
   Ser, conhecer, agir implica construir aprendizagens, estudar, aprender, ler muito para ter conhecimento de mundo, alargar horizontes e ajuizar com sentido crítico e fundamentado; para sustentar valores que interessa apreender, em detrimento dos que não dignificam nunca a pessoa. Está aqui um primeiro conselho, para quem particularmente frequenta a escola ou qualquer organização educativa.
   Procurar descobrir um sentido de bem, mais orientado para o coletivo, descentrado de "egos" narcísicos e focado na ética do cuidar (a significar tanto pensar como acompanhar, tomar conta) do outro; colocado na posição do outro e não no umbiguismo vitimizador ou idólatra.
    Testemunhar / dar o testemunho do e no que se quer do outro ("Eu sou o que tu és"), valorizando a pessoa, a sua dignidade, pela aproximação e inclusão, pela interação, pela comunicação e comunhão de valores, ideais.
  Desconfiar de imediatismos e facilitismos, que não contribuem para o que seja estruturante e estruturador; antes para o contingencial, para o acrítico, para populismos, agitações, arruaças que não engrandecem ninguém.
    Questionar a liderança e o serviço (quem / a quem, o quê / qual, como), atentando nos meios a usar, nos fins a atingir e nos valores a adotar conscientemente (líderes sempre os houve, alguns mais consensuais do que outros, uns mais validados e legitimados, num relativismo histórico que, contemporaneamente, não nos leva a aceitar o exemplo de alguns que já o foram e de outros que o são ou estão brevemente para ser).
    Cinco conselhos para os jovens se tornarem verdadeiros e legítimos "influencers", no bom sentido da palavra.
    
    Uma tarde no Multimeios de Espinho, com líderes servidores e com jovens que podem ser agentes de mudança numa sociedade que, sendo bairro, escola, cidade, país, tem esperança nos tempos vindouros (mesmo quando os sinais de perigo parecem invadir a vida, a sobrevivência e a paz de muitos).

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Apanharam(-me) o olhar

   Tudo a bem de uma sensibilização e de uma causa de todos, com todos e para todos.

   O Departamento de Educação Especial do Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira (AEML), no âmbito do Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3 de dezembro) e em articulação com o Curso Profissional de Multimédia, promove um concurso fotográfico com o propósito de sensibilizar a comunidade escolar; mobilizar a sua capacidade de observação e promover uma reflexão sobre a diversidade e o respeito pela diferença, em articulação com o legado humanista do patrono do agrupamento.
    E, assim, foi captado o meu olhar:

Somebody is not watching you! Just looking at the camera. 

      Junto com alguns outros mais, foi preparado um "teaser" a anunciar uma iniciativa focada na diversidade e na inclusão:

Vídeo - Olhares: A Escola que Abraça a Diferença (Curso Profissional de Multimédia do AEML)

   Encontra-se, portanto, aberto o concurso que dará a conhecer fotografias explorando o tema “Olhares: A Escola que Abraça a Diferença” e destacando práticas educativas de respeito, empatia e valorização da diversidade e inclusão no ambiente escolar. É possível incorporar a figura ou o legado do Dr. Manuel Laranjeira, alinhando o trabalho segundo um dos três eixos do projeto educativo do agrupamento: Identidade(s), Cultura(s) e Ambiente(s).
    Até ao dia 28 de março do próximo ano, a participação está assegurada, assim o determine a vontade dos alunos. Seguir-se-á uma exposição com os trabalhos submetidos, numa continuidade de construção ao corredor da "Inclusão", o qual pode já ser observado por todos à entrada da escola.


Algumas fotos no Corredor da Inclusão do AEML - Olhares: A Escola que Abraça a Diferença

   Desta forma também se afirma a inclusão, a cada dia.

sábado, 9 de novembro de 2024

A propósito do Muro de Berlim

      Mais de sete anos passados, vi o muro cuja queda (de há trinta e cinco anos) é hoje celebrada.

   O "Berliner Mauer" foi a barreira física erguida pela República Democrática Alemã (Alemanha Oriental - socialista) durante a Guerra Fria. Circundava toda a Berlim Ocidental (capitalista), separando-a da Alemanha Oriental (socialista), incluindo Berlim Oriental. Além da divisão da cidade ao meio, simbolizava dois blocos e duas visões políticas do mundo: a da República Federal da Alemanha (RFA), constituída pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos da América; a da República Democrática Alemã (RDA), composta pelos países socialistas sob o regime soviético. 
     Iniciada a construção na madrugada de 13 de agosto de 1961, veio a ser derrubado a 9 de novembro de 1989. Em diversos pontos de Berlim pode ver-se, no chão, trilhas com placas de ferro e a inscrição “Berliner Mauer 1961-1989”. 

Placas da trilha do "Berliner Mauer" (Foto VO)

       Marca-se, desta forma, o percurso por onde o muro passava e dá-se visibilidade a uma iniciativa que visa, com o passar do tempo, lembrar uma época que ninguém deve esquecer, no que a motivou e no que representou.
       Por abril de 2017, a par das gruas e dos tubos de drenagem que denotavam as múltiplas construções na cidade, o que restava do Muro de Berlim apresentava, em Kreuzberg, mais de cem pinturas de artistas de todo o mundo, iniciadas em 1990 no lado leste do muro de Berlim. 

Um muro gradeado numa capital em obras (Foto VO)

      Assim vê o turista a designada "East Side Gallery", uma galeria de arte ao ar livre situada junto à margem do rio Spree (no lado leste do antigo muro), fundada após a bem sucedida fusão de duas associações de artistas alemães: a VBK e a BBK. Os membros fundadores foram Bodo Sperling, Barbara Greul Aschanta, Jörg Kubitzki e David Monti. 

O "Beijo Fraterno" ao meio (entre o presidente russo Brejnev e o chefe oriental alemão Honecker),
a simbolizar o fim da cortina de ferro, segundo pintura do russo Dmitri Vrubel
(Foto VO)

      O trecho mais famoso do que resta do muro fica na Mühlenstraße, ao longo do rio Spree, entre a Ostbahnhof e a ponte Oberbaumbrücke.
     Isto de apanhar o muro de Berlim com gradeamento não está com nada, mas foi o que se pôde arranjar. Valeu ter encontrado o "Porto Pirata", escrito ao fundo (em cor azul, claro está!):

A presença de uma grande cidade no muro de uma capital europeia (Foto VO)

       Não esquecer, também, aquele conhecimento que não deixa de ser inspirador no seio de um pensamento que, no mínimo, se revela revolucionário e inconformista:

E esta, hein?! Igualdade e inclusão em múltiplos sentidos, no seu melhor. (Foto VO)

       Das boas lembranças (e boa companhia) de uma viagem à memória histórica de um tempo que passa e hoje se revê com outros muros, não menos segregacionistas (também a derrubar... a bem da arte e da humanidade).