domingo, 1 de novembro de 2015

Ai, Pessoa! Como nos desafias!

      Começa bem o mês que, no seu final, tem Pessoa bem marcado.

     Nada como principiar com o poeta da Geração de Orpheu. Na sequência do trabalho com um poema, impôs-se a dúvida:

      Q:  Pode tentar classificar-me a oração "Que eu fosse outro" em "Tivesse Quem criou / O mundo desejado / Que eu fosse outro que sou,”Dei um nó.

      R: Os versos pessoanos transcritos (in "Guia-me só a razão") fazem parte de uma composição poética pautada pela constatação ora da consciencialização dos limites e do exercício da racionalidade ora da afirmação do plano da transcendência.


       É na segunda quadra que eles podem ser lidos, numa construção sintática densamente complexa cheia de hipérbatos, de anástrofes e de elipses, Nesta sequência, interessa, pois, reconstruir a ordem típica das palavras e explicitar a lógica discursiva associada ao pensamento transmitido. Ter-se-ia, então, na ordem padronizada, a frase 'Quem criou o mundo ter-me-ia criado outro, (se) tivesse desejado que eu fosse outro (diferente do) que sou'. 
       "Que eu fosse outro", na reconstrução feita, corresponde a uma oração subordinada substantiva completiva (a funcionar como complemento direto, introduzido pela conjunção completiva ou integrante 'que'), relativamente ao verbo 'desejar' configurado no pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo ("tivesse... / ... desejado").

      No meio de tanta subordinação sucessiva (para a subordinante 'ter-me-ia criado outro'), há todo um processamento retórico e lógico-discursivo a complexificar a classificação de uma pequena palavra ("que") colocada no meio de um mar de complicações. Espero ter ajudado a desatar o nó.

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