quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Bartolomeu de Gusmão... talvez sim, talvez não.

       Dizem que hoje foi o dia na provável data de morte do "Padre Voador", em 1724.

      Talvez sim. Segundo Memorial do Convento (1982) não é isso certo, chegando a apontar-se o dia dezanove. Também não é indubitável a causa da morte. Verdade é que Bartolomeu Lourenço de Gusmão morreu em Toledo, aos 38 anos, conforme o anuncia o músico Scarlatti ao casal Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas:

Baltasar, Blimunda e Bartolomeu (pela Éter-Produção Cultural)
      "Domenico Scarlatti pedira licença ao rei para ir ver as obras do convento. Recebeu-o o visconde em sua casa, não porque fosse excessivo o seu gosto pela música, mas, sendo o italiano mestre da capela real e professor da infanta D. Maria Bárbara, figurava, por assim dizer, uma emanação corpórea do paço. (...)
     Saiu o músico a visitar o convento e viu Blimunda, disfarçou um o outro disfarçou, que em Mafra não haveria morador que não estranhasse, e estranhando não fizesse logo seus juízos muito duvidosos, ver a mulher do Sete-Sóis conversando de igual com o músico que está em casa do visconde, que terá ele vindo cá fazer, ora veio ver as obras do convento, para quê se não é pedreiro nem arquitecto, para organista ainda o órgão nos falta, isso a razão há-de ser outra, Vim-te dizer, e a Baltasar, que o padre Bartolomeu de Gusmão morreu em Toledo, que é em Espanha, para onde tinha fugido, dizem que louco, e como não se falava de ti nem de Baltasar, resolvi vir a Mafra saber se estavam vivos. Blimunda juntou as mãos, não como se rezasse, mas como quem estrangula os próprios dedos, Morreu, Foi essa a notícia que chegou a Lisboa, Na noite em que a máquina caiu na serra, o padre Bartolomeu Lourenço fugiu de nós e nunca mais voltou, E a máquina, Lá continua, que faremos com ela, Defendam-na, cuidem-na, pode ser que um dia volte a voar Quando foi que morreu o padre Bartolomeu Lourenço, Diz-se que foi no dia dezanove de Novembro, por sinal que nessa data houve em Lisboa uma grande tempestade, se o padre Bartolomeu de Gusmão fosse santo seria um sinal do céu, Que é ser santo, senhor Escarlate, Que é ser santo, Blimunda.

    Santo ou não, foi sacerdote secular e cientista português. Nascido no Brasil, é reconhecido como o inventor do primeiro aeróstato operacio-nal (“passarola” – mais conhecida na versão atual como balão de ar quente). O invento, comenta-do na Europa e apresentado em es-tampas fantasiosas como uma barca na forma de pássaro, foi polémico. Das tentativas mal sucedidas com pequenos balões ao grande aparelho que voou sem tripulação, há registos e testemunhos a atestar o acontecimento- tão inovador para a época como causador de intrigas, a ponto de Bartolomeu de Gusmão ter sido vítima da Inquisição, acusado de simpatizar com cristãos-novos. 
    De novo, entre o dizer e o ser há uma distância aqui e ali contrariada. Ora porque abraçou o judaísmo ora porque, à hora da morte, se confessou e recebeu a comunhão católica, este padre nasce e tem os restos mortais no Brasil (desde 2004, encontra-se na Catedral Metropolitana de São Paulo).

    Louco, talvez; mas, como diria Pessoa, o que é o ser humano sem a loucura sadia que o faz evoluir? Mantém-se na vida como cadáver adiado que procria. E isto Bartolomeu Lourenço de Gusmão por certo não foi.

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