terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Havia melhor

       A propósito do Óscar para melhor filme (não para mim): O Parasita

      Não discuto a nomeação. Todavia, a decisão final é estranha (e não entranha). A expectativa de ver um bom filme, até por já ter vivenciado experiências gratificantes (algumas de uma estética e sensibilidade poéticas marcantes da cinematografia oriental), não é completamente defraudada (por alguns momentos e aspetos conseguidos), mas não marca. Demasiado hollywoodesco ou ocidentalizado, para ser alternativo, diferente.
      A nota cómica inicial da intriga, que demonstra como o oportunismo joga com o parasitismo tecnológico, social, pessoal construído em diferentes campos - num aproveitamento de oportunidades propícias a inteligências nada virtuosas, tanto para pobres como para ricos -, evolui para uma ação mais densa, de uma violência cómico-trágica, numa leitura realista da condição social desesperançada:

Trailer do Óscar de Melhor Filme de Hollywood (Parasitas)

     Bong Joon-Ho, realizador sul-coreano, propõe bons planos, tonalidades diversas para a cor social contrastante, retratos de realidades bem distintas, reflexões acerca dos limites do oportunismo e dos jogos de essência e de aparência (perspetivados na exploração das metáforas das caves e das realidade visíveis no contraste das classes sociais). Máscaras múltiplas, mentiras e segredos são denunciados; a crítica a regimes políticos não deixa de estar presente (com a primeira governanta dos bem-sucedidos Park a explorar esse tópico, numa cena de reação e revolta à pretens(ios)a ascensão da família de Ki-Woo); a janela de oportunidades resulta numa visão muito difusa: da cave dos pobres para o mundo superior dos também desfavorecidos; do salão de uma mansão luxuosa para um jardim, onde a festa resulta em palco de tragédia. Depois, fica o terror que não o é, a "comedy of errors" que deixou de o ser, a liberdade adiada, o desejo de libertação que se vislumbra, mas está ameaçado (se não estiver condenado). Das personagens da história, pouco resta, não havendo nenhuma que tenha impacto, seja na atuação seja na caracterização. Parecem muitas máscaras para alguns rostos, dominadas por um percurso muito disfórico, no qual a hipocrisia, a mentira, a aparência, a ingenuidade, a revolta, a loucura saem como maiores protagonistas. Delas fica a imagem das que vivem presas a uma circunstância, mais para o definitivo do que para o transitório, aparentemente com algum sinal de recuperação / reversão; porém, este último resulta em breve instante inconsistente e inconsequente (se não for mais desfavorável do que o ponto inicial). Que o digam Ki-Woo, a mãe, o pai, ou mesmo os ricos sobreviventes, tão afetados pelo "cheiro" contínuo a pobreza, a decadência, a podridão ou doença humanas. Afinal, a vida acaba por comprometer os planos que se traçam e a que se aspira. Parece, contudo, que também a inexistência destes não propõe melhor resultado: redunda na quebra da ordem, em atos desesperados e na instauração do caos, da desgraça.
     Desigualdades e ironias de vida subsistem. Sugere-se uma liberdade, face a uma justiça que não a acompanha, mas que não deixa de aprisionar o ser humano. A expectativa de um tempo outro traduz-se numa comunicação virtual, em código morse ou outro, sem muita hipótese de vingar - fica-se pelo desejo, pela expressão de uma intemporalidade que não se compatibiliza com o Homem. A pedra da fortuna não deixa de ser pedra (para um ato agressivo) de uma fortuna, uma sorte, um destino com cores de desaire(s). O "Até um dia!" ameaça ser uma eternidade sem qualquer liberdade, apesar da nota de humanidade.

       Um mal-estar, em círculo fechado, num final tão próximo do início que desconcerta e parece não ter conserto. Desconforto, por certo. Preferia um "Joker" ou "Uma Vez em Hollywood", por mais que a diversidade com um sul-coreano seja expressão de outras oportunidades fílmicas (esperemos que não seja nenhum oportunismo de interesses da Academia da Sétima Arte).

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