De tanto me falarem dele, decidi vê-lo.
Refiro-me ao filme Meia-noite em Paris, uma comédia realizada por Woody Allen.
Trata-se de um verdadeiro postal de visita à cidade do amor e da sedução, com o qual o espectador é aliciado pela cor atrativa da beleza da manhã à magia da noite; pelo som nostálgico que, por mais ouvido, não deixa de ser composto de ilusão.
De ilusão também vive a personagem principal da história: um jovem guionista e roteirista de sucesso em Hollywood (Gil Pendler, interpretado por Owen Wilson) que ambiciona ficar na cidade parisiense, escrever o seu primeiro romance, cruzar-se com o(s) tempo(s) do passado no presente.
A suavidade com que se sai do filme é a mesma com que a película termina, na fantasia de um amor banhado a gotas de chuva e ruas molhadas (depois de um noivado acabado, com tudo o que de convencional tinha para poder dar certo, mas sem a magia que só uma paixão pode ter).
É um filme de balanço de vida; de reconhecimento do poder cultural da meia-noite, das badaladas, da década ouro na cultura francesa (1920). Reveem-se o 'Tanque de Nenúfares, de Monet; o 'Pensador' de Rodin; o cineasta francês Jean Cocteau; a animação musical de Cole Porter, a tocar piano e o 'Let's do it - Let´s fall in love'; as escritas, as vidas e os gostos de Scott e Zelda Fitzgerald, de Ernest Hemingway, de James Joyce, de T.S. Eliot; a sensualidade de Adriana, amante de Picasso e ex de Modigliani e Braque; os rinocerontes de Dalí e os filmes surrealistas de Luis Buñuel; esse cultivador de imagens que foi Man Ray.
Tudo isto se vê (e por vezes se antecipa) ao longo do tempo do filme; do tempo feito da ilusão cinéfila e daquela visão romântica que encara o passado como o bem perdido face ao incompreendido presente - ideia relativizada, e bem, no filme, para que se releve o instante de cada existência -; do tempo de uma história a cruzar referências culturais com sinais de contemporaneidade.
Um filme-viagem feito com os ingredientes da emoção e uma nota de revisão de experiência(s) de vida - da viagem que não é independente da vontade de ilusão; da viagem que se faz num presente e que também reflete muito de passado (pelo que o presente tem de reconhecível nas expectativas criadas e nos conhecimentos prévios que se querem recuperados ao calcorrear os tempos e lugares visitados).
Não foram necessárias pipocas, porque o filme bastou para prender. Quando um filme cheira e/ou sabe a pipocas ou a chocolate não se sente a emoção de Adriana, nem se antevê o que Woody Allen projetou. É como se o tempo pudesse ser por nós controlado (ainda que, em certa medida, o possa ser pelo que nele depositamos).
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