terça-feira, 16 de julho de 2013

Português e Matemática (e não só!) nas ruas da amargura

     Publicados hoje os resultados dos exames do 3º Ciclo, as notícias confirmam-se.

    47 % é a média nacional para Língua Portuguesa; também abaixo de 45% fica Matemática.
  Na semana passada, o panorama de resultados para o 12º ano não foi melhor: 8,2 foi considerado o pior resultado dos últimos sete anos para Matemática; 8,9, para Português, não é muito melhor prestação.
   Perante o balanço francamente negativo, e circunscrevendo-me ao domínio do Português, penso que devem ser consideradas algumas notas desde já:

i) não me espantam os resultados do 3º Ciclo, atendendo ao que já aqui escrevi a propósito, e nos termos aí formulados sem me identificar demasiado com o que a Associação de Professores de Português (APP) alega como razões dominantes do insucesso (subjetividade e critérios de correção);

ii) reconheço que as condições de trabalho, tanto para Português (12º ano) como para Língua Portuguesa (3º Ciclo), têm progressivamente piorado, não obstante a atribuição de mais 45 minutos letivos, a concorrer com o que é o elevado número generalizado de alunos por turma (acima de vinte e seis, mesmo em contextos de alunos com necessidades educativas especiais), sem condições de desdobramento de horários / turmas, à semelhança da distribuição de serviço de disciplinas das áreas das ciências e das línguas estrangeiras;

iii) são extensos os mandatos programáticos, que convivem com orientações complementares que atrofiam e comprometem, cada vez mais, o trabalho desejável (assente em abordagens sistemáticas de conhecimentos / competências estruturantes para a aprendizagem, as quais requerem trabalho de carácter eminentemente prático, como oficinas de escrita, laboratórios gramaticais, orientados para processualidades, operações de manipulação, demonstração e explicitação; para a consciencialização de técnicas e de testagens capazes de propiciar apreensão / aquisição sustentadas, em dinâmicas de acompanhamento mais próximo e/ou de ativação de subcompetências em pequenos grupos de trabalho);

iv) vejo os resultados de ambos os níveis de escolaridade como o reflexo de um desajustamento e de um desequilíbrio notórios: desajustamento face ao público que, entre uma representação média abstrata feita em gabinete e o conhecimento efetivo do trabalho no terreno, não se coaduna com a complexidade de competências requeridas em exame (nomeadamente no caso do 9º ano); desequilíbrio relativamente à elaboração de provas, ora entre domínios cognitivos que partem do patamar da relacionação (veja-se que a primeira questão da prova de 12º ano é logo dessa ordem) ora com foco em questões críticas que só poderão interessar a algum estudo de caso que se queira estatisticamente comprovado (como se pode verificar nalguns exercícios do 9º ano);

v) apresentam-se provas elaboradas numa concentração de conteúdos que desmerece o equilíbrio programático e a planificação que os professores fazem para todo um ano, para não falar nalguma diversidade que os alunos, por vezes, assumem como investimento no trabalho de estudo final - isto é, o exame do 12º ano, na sua primeira chamada, limitava-se ao trabalho do texto literário da heteronímia pessoana (um período letivo para os professores, grosso modo; um só assunto para os alunos, no seio das várias obras a ler e a estudar), à semelhança do acontecido em ano letivo transato, com a escolha a recair exclusivamente em Os Lusíadas;

vi) não refletem os resultados publicados o pior que algumas reapreciações poderão denunciar: resultados inferiores, mas que, sensatamente e como reação a provas bastante fracas, alguns professores procuraram aproximar de uma classificação que não comprometesse aprovações de alunos.

    É a avaliação externa uma modalidade, uma peça de todo um processo avaliativo, não podendo os responsáveis por ela escapar da responsabilidade que têm nos resultados obtidos, nesse amargo de boca para pais, alunos e professores, para não dizer escolas. E, no caso de comprometerem o trabalho feito no terreno, nas salas de aula, devem ser responsabilizados por isso. Espero, assim, que não se venha pedir a quem não elaborou esta avaliação que se justifique pelo que não fez. 

4 comentários:


  1. Concordo completamente com a tua análise.

    Se se reconhece que a disciplina de Português é transversal, terá de ser dado mais tempo para o trabalho prático e individualizado.
    Se as salas se enchem de alunos - de saberes e hábitos tão diversos - os resultados não tenderão a melhorar.
    Quem faz as provas de exame - cujo rosto se desconhece - deveria também responder pelo trabalho produzido. Se o faz, muitas vezes não parece!

    Beijinho
    M.

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    1. Obrigado, amiga.
      Acima de tudo, quem faz as provas deveria estar a dar aulas, para ajustar referenciais à realidade dominante (pelos vistos a que se ficou pela avaliação negativa a título nacional).
      O resto temos que ser nós a apontar o dedo, para que quem se reduz ao trabalho de gabinete acorde para o mundo real e não se deixe levar apenas pelo dos papéis.
      Beijinho.
      VO

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  2. Muito boa análise tua e da Dolores, sobre a (des)concentração programática.

    Só não concordo plenamente com o que deixaste em vi. Explicito: concordo, na qualidade de classificador de 12º Ano de Português, via António Nobre, pois fiz emergir do naufrágio um 9,4 e um 9,1, num total de 59 provas. Mas vi a um de meus alunos do ensino artístico especializado, em que a nota do Exame é a única/final, ser atribuído um 9,2, por exemplo, classificando o colega corretor, na parte da estruturação temática e discursiva da Composição, tal prova, com 21 pontos (ponto intermédio, como sabes, admitindo pontos do nível superior de 24), quando se o fizesse no nível entre parêntesis, aprovaria o aluno. Acresce, colocar sempre a palavra «depois» entre vírgulas no meio de uma frase, deduzindo duas décimas.

    Só para dizer que certamente os que revemos o teste de um aluno com a classificação final entre 9 e 9,4 seremos a regra. E às vezes nada podemos fazer... Mas haverá sempre quem faça excepção, sobrecarregado pelo peso das quase 60 provas.

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    1. Obrigado, Vitorino.
      O meu apontamento vi) prendeu-se com a realidade de classificador que fui e a consciência que assumi de não penalizar (mais) os alunos que resolveram os exames da primeira fase: ora lidas as composições, beneficiar o mais que pudesse na lógica dos níveis de desempenho delineados; ora somadas as cotações e chegados à décima 2, arredondar sempre para 5.
      Admito que qualquer uma das provas que corrigi, numa reapreciação, daria lugar a resultado inferior, movido que fui pela deceção de ver alguém a elaborar exames que estão desfasados do que é um trabalho consciente e atento à realidade de trabalho da globalidade dos alunos.
      Quer se queira quer não, a avaliação tem enviesamentos que ninguém pode controlar e no que toca à modalidade da avaliação externa pouco poderá ser feito nesse sentido - só o GAVE para ainda crer que a formação de professores-corretores permite controlar o incontrolável. E pior, ainda quando o faz nos piores moldes (cf.http://carruagem23.blogspot.pt/2013/04/reflexoes-para-sobre-uma-formacao.html).
      A avaliação externa vale o que vale e só é lamentável que possa determinar o percurso dos alunos no ensino superior. De resto, é o que é: EXTERNA. Quem não tem a sensatez de, na pretensa objetividade, minimizar efeitos desnecessários / desprezíveis torna, por certo, a situação mais crítica. Por isso, socorro-me, sempre que necessário, de 'amigos críticos' que me ajudem a encontrar, na intersubjetividade, as orientações que me fazem dormir melhor.
      Basta de um sistema "cego", que assim se quer, mas que felizmente é feito também de pessoas que sabem que estão a trabalhar com a vida de outras pessoas e delas também dependem.
      Cumprimentos.
      VO

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