terça-feira, 13 de novembro de 2012

Coesão e outros termos que tais...

       Questões de coesão e termos associados. Vamos lá a isto.

     Q: Tenho andado às voltas com uma questão sobre coesão: não consigo encontrar forma de distinguir entre anáfora nominal, correferência não anafórica e coesão lexical. Será que me podes ajudar?

    R: A coesão é um processo de relação / articulação construído ao nível dos enunciados com variadíssimos mecanismos a considerar (repetição; substituição por sinonímia / antonímia, hiperonímia / hiponímia; holonímia / meronímia; associação e relação, entre outros mecanismos). Coesão é, portanto, um hiperónimo para todos os mecanismos-hipónimos mencionados.
     Quando esta se faz em termos de escolha de palavras (léxico), diz-se que a coesão é lexical (por contraste com a gramatical, mais da ordem da construção de referência com pronominalização, da articulação / conexão interfrásica e do jogo de correlação entre o tempo, modo e aspeto).
   Entende-se por anáfora nominal um dos mecanismos existentes na coesão dos enunciados e, como a própria designação o indica, assenta na base de uma retoma feita com um nome ou grupo nominal - neste caso, focaliza-se a constituição do próprio mecanismo.
      Considere-se o segmento (i):

(i) Os alunos responderam às questões do professor. O docente solicitava-os constantemente para um clima participativo na sala de aula.

     Nele, 'O docente' retoma o segmento 'o professor' e, por ser construído na base de um grupo nominal (Determinante+Nome), trata-se de uma anáfora nominal. Acumula-se, aqui, também, a noção de coesão lexical, uma vez que o mecanismo de coesão anafórica assenta na adoção de uma palavra sinónima.
    Quando duas ou mais expressões linguísticas se associam a um mesmo referente, diz-se que elas dependem umas das outras (daí a correferência dos termos). Acontece que nem sempre essa relação é diretamente apreendida e/ou apostada na retoma de discurso anterior (numa espécie de abordagem da memória discursiva). Precisa-se, nesses casos, de recorrer a um conhecimento extralinguístico que sustente a relação estabelecida. Dizer "O Zé trabalha na Citröen. O marido da Maria José tem carros da Citröen" pode levar a pressupor que 'o Zé' é 'O marido da Maria José' (e, assim, haver correferência entre o grupo nominal inicial e o segundo); contudo, nem todos os 'Zés' são maridos de Maria Josés, pelo que se constrói uma correferência não anafórica (ou seja, sem dependência direta dos termos, pois numa outra situação qualquer 'Zé' estará para um outro correferente). Já 'professor' e 'docente' serão vulgarmente encarados como termos marcados por equivalência (numa dependência sinonímica).
     Em síntese: coesão lexical é um processo de coesão geral, no qual se contemplam relações anafóricas (de retoma) apoiadas no léxico propriamente dito. Tais relações permitem construir cadeias de referência, nas quais os termos se revelam correferentes (anafóricos, se houver dependência direta entre os termos; não anafóricos, se não houver direta ou necessariamente relação dependente, pelo que a correferência se apoia no investimento de um conhecimento a partilhar, a explicitar; num conhecimento de mundo extralinguístico).

    Conjugação de termos, alguns já abordados em apontamentos anteriores (como é o caso da correferência), que pauta a coesão por um aglomerado de mecanismos capazes de marcar a textualidade (enquanto propriedade de identificação dos textos).


7 comentários:

  1. Vítor,
    Peço desculpa, mas hoje serei mais longa.

    Explorar as relações semânticas, principalmente quando são metáfora, descobrindo o sabor do texto, que é revelação de uma coesão muito mais profunda do que aquela que se anuncia à superfície das palavras, é uma estratégia possível na abordagem do texto poético.

    O poema de Albano Martins pode ilustrar o que aqui se afirma, se o virmos à luz da coesão lexical.

    “Como um
    livro
    Folheei o
    teu corpo como um livro
    à procura da tua alma:
    encontrei-a no índice.”

    Folheia-se um corpo como um livro (holónimo) à procura da alma (geralmente, perspetivada como antónimo de corpo. Será?), a qual se encontra no índice (merónimo de livro).
    Ora, partindo do princípio que índice remete para outro merónimo de livro – páginas! - a alma acaba também ela por ser merónimo de corpo, ou seja, a alma procurada encontra-se em todas as páginas do livro, que é o corpo folheado! Afinal, no poema, corpo e alma não são antónimos!

    Será assim? Ou é a minha vontade de ver no poema a alma que vive no (e define) o corpo que a veste?

    Beijinho
    IA

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    1. Zá,

      ainda que possa ser ténue a fronteira da coesão e da coerência, a dimensão interpretativa que exerceste está mais para a segunda do que a primeira. É certo que alguns teóricos resolvem a questão chamando coerência microestrutural à coesão e coerência macroestrutural à coerência, até pelas relações que ambas mantêm entre si. Mas o certo é que a linha interpretativa, a relação do texto com o leitor e a procura que este faça na descodificação daquele são indicadores dessa procura de uma semântica global, da construção de sentido(s).
      Recorreste a mecanismos lexicais (coesivos) para sustentar a tua linha interpretativa (coerente). Nas redes do texto encontraste, por certo, resposta às tuas questões. Contudo, não te esqueças de que a antonímia nem sempre, definitivamente, é opositiva ou binária; pode haver complementaridade associada, como duas faces de uma mesma moeda. Estarão aí o corpo e a alma, para bem do todo humano e humanizador que possa existir.
      E nesse todo tem mesmo de existir vontade... muita (mesmo que esta possa não ser a suficiente para o que se quer).
      Bem... isto levar-me-ia longe, mas não me apetece sair do casulo. Teria de ser ainda mais longo do que tu (se é que já não o fui) e não me apetece a estas horas da noite.
      ;)
      Beijinho.
      VO

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  2. Obrigada, Vítor, pela paciência e sapiência!
    Fiquei bem mais esclarecida! E penso que este belo e pequeno poema de Albano Martins (mais parece um Haiku, na forma)também ganhou com estes pequenos, longos contributos!
    beijinho
    Za

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  3. Não sei!
    Talvez venha...
    Mas será certamente dum "sapo-príncipe"... :)
    Ui, isto podia ser ponto de partida para uma bela história.

    Era uma vez um sapo que vivia em Portugal, numa pequeno charco, conhecido, após a visita de uma Angela qualquer-coisa-em-alemão,
    por Bocado (às vezes, “ Ao Bocado”).

    O belo sapo lia, todas as manhãs, o jornal e consultava com desmedida atenção as páginas dos classificados, à procura de um emprego digno da sua casta e das suas habilitações.
    Mas parece que não havia!
    Contudo o nosso protagonista insistia.
    Insistia… Insistia…
    Era preciso não desistir, pois só uma atividade profissional dessa natureza lhe possibilitaria o desenvolvimento de todas as suas capacidades, podendo, em breve, se beijado por humana, ascender ao estatuto humano no seu melhor: príncipe.
    E a história continuaria, terminando com o sapo, já príncipe, porque beijado pela amada, que ele entretanto conhecera no país para onde foi forçado a emigrar.
    Parece que também há um coelho nesta história!

    Bjinho e desculpa qualquer coisinha!
    Za

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  4. O meu nome é Dina Ferreira, leciono na Esc. Sec. Pinheiro e Rosa, em Faro, e gostaria de apresentar uma dúvida em relação ao modo como a coesão textual foi tratada na maioria dos manuais, incluindo os que adotamos da ASA:
    1- no DT, a coesão textual pode sustentar-se na coesão interfrásica, lexical e temporal-aspetual.
    2 - na gramática, nomeadamente na "Gramática Prática de Português", Lisboa Editora, 2009, esta área foi tratada de igual modo.
    3 - nos manuais, a questão aparece expandida, ou seja, surge a coesão frásica e a questão referencial.
    4 - quanto à coesão frásica, dá a ideia de que surge para colmatar a falha do DT que não incluiu mecanismos de concordância, de regência, etc.
    5 - a minha dúvida relaciona-se apenas com a chamada coesão referencial pois nem a entendo como distinta da lexical (bem como das outras uma vez que todos esses mecanismos requerem sempre um referente) nem é contemplada dessa forma da parte dos enunciados dos exames nacionais.
    6 - tanto assim é que, nos manuais, a questão da pronominalização vem exposta quer na coesão lexical quer na coesão referencial, como não podia deixar de ser.
    Assim, lanço a questão: por que razão aparece a coesão referencial se é apenas um mecanismo e não um processo?

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    1. Cara colega,

      Agradeço, desde já, o contacto, a dúvida exposta e a questão formulada.
      Dada a importância do que questiona, farei um novo apontamento autónomo, pelo que agradeço que vá passando por esta "carruagem" para aceder à informação, em "post" mais atualizado.
      Renovado agradecimento e votos de bom trabalho.
      Cumprimentos.

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