segunda-feira, 6 de maio de 2013

Está na TV e parece novela

     É por isto que eu gosto do telejornal (na RTP1)...

     Primeiro: logo a abrir e com aquela música apelativa que nos prende a atenção, a nota de rodapé, para os títulos em destaque, apresenta o termo "Indemenização" (o sublinhado é meu) - dando a mais, na escrita, quando o governo quer a menos, no funcionalismo público (isto a propósito da negociação - e que rico negócio! - na rescisão, cessação amigável -que linda amizade! - de contratos). Depois, é verdade, alguém deve ter descoberto o erro (dado a "olhos vistos") e lá apareceu, mais para diante (mais vale tarde do que nunca), a forma correta. Registe-se: "INDEMNIZAÇÃO" . 
     Segundo: os exames de Português para os alunos do quarto ano são abordados com um pequeno excerto de reportagem, mostrando-se uma professora de um colégio a explicar o que é um campo lexical. Cito: "O campo lexical é tudo o que envolve a palavra". Quem é que aprende tal noção com esta definição (ou mesmo quem é que aprende, seja o que for, por definições)? Pensemos lá então: uma sílaba está envolvida na palavra; então "pá" faz parte do campo lexical de 'pássaro', não? E se uma palavra envolve uma letra, não será o caso de 'r' fazer parte do campo lexical do passarito? E o som, não é algo que a palavra envolve? Logo, o [s] grafado com 'ss' também está no passaroco! Fantástico! (Não, prezado leitor, pássaro, passarinho e passaroco até podem estar envolvidos uns com os outros, mas não constituem um campo lexical, porque fazem parte de uma mesma família de palavras - um conceito distinto). E não vá o diabo tecê-las, ainda se vai pensar que passarinho tem flexão de género e vai sair palavra a envolver uma outra, no feminino, o que duvido que resulte em ave (Deus meu, para onde isto vai)! No meio de tudo isto ainda vão dizer que campo lexical é tudo o que anda à volta de uma palavra (correção: não vão dizer, porque já disseram, tal como estes ouvidinhos - que a terra também há de comer - já o escutaram, para mal dos pecados seus). Até me podem dizer que é consequência da adaptação (nunca da adequação!) da linguagem a um público tão jovem, incapaz de entender que se trata do conjunto de palavras relacionado com uma ideia, área da realidade ou zona de significados associados; todavia, seguramente não é assim que o discurso didático se constrói (enfim: o cão anda à volta da árvore; logo, deve pertencer ao campo lexical de árvore, certo? Santa paciência!). Podem ainda dizer-me que foi um segmento mal escolhido ou truncado na reportagem. Concordo! E é com ele que a televisão projeta para a massa anónima de espectadores (qual serviço público!) o belíssimo exemplo do que nunca deve ser dito, muito menos ao preparar alunos para exame. Não havia necessidade (diria o diácono Remédios). 
     Terceiro: ainda os exames e fala-se de uma declaração que os alunos terão de assinar, julgo, para se consciencializarem (bom propósito!) de que não podem ter consigo o telemóvel. Grande ideia do Ministério da Educação, para se "educar" comportamentos - obviamente os socialmente válidos, sérios e mais ajustados às condições de avaliação formal (como se ao longo do ano, e durante as aulas, os alunos não fossem educados para tal ou como se não houvesse outro tipo de posturas que também comprometem o sucesso de qualquer prova). Grande sentido e propósito de ação, sim senhor! É verdade que as várias aulas não têm a importância de um exame (até porque este último obriga algumas crianças a terem de se deslocar a uma escola diferente, a serem vigiadas por quem nunca viram); isto para não dizer que os professores, por norma, devem autorizar o uso de tal aparelho (que mais poderia motivar tamanho cuidado do Ministério?! E assim se começa a construir o rigor e a seriedade da situação!) Qualquer dia também vão lembrar-se de me dizer que, no início de cada aula, os alunos também terão de produzir um documento no qual se comprometem a não trazer telemóvel para a aula ou para os dias de teste (sim... vai ter que ser assim, porque parece que não tenho competência, direito ou legitimidade para o fazer, enquanto responsável por algumas condições do meu trabalho de educador; no caso de ser eu a vigiar, nem me ia lembrar de tal coisa! Ainda bem que o Ministério existe para mo recordar)!
      
       Lindo serviço (público), belo exemplo e viva os exames!
     (E pagamos nós por - ou para - isto tudo! Como diria La Féria: grande noite!)

2 comentários:

  1. Ora muito boa noite, Dr. Vítor!

    Eu pensei que este era um blogue sério, digno de qualquer família portuguesa que se preze! E afinal o senhor apresenta apenas três membros da família do pobre pássaro!...
    Não se faz!
    Então e a passarada, o passarão, o passaredo, a passarinhada, a pássara (está no dicionário da Porto Editora, na 6ª edição!), passaritar, passarinhar, passarinheiro e outras tantas, já para não falar das palavras compostas que pertencem à mesma família? Que foi feito de todas estas palavrinhas, hem?! E por que não a passarinha, que, por acaso, segundo o mesmo dicionário, nem sequer é o feminino de passarinho?
    Parece-me negligência, discriminação!
    Bem, mas para repor a justiça e a seriedade desta carruagem, deixo aqui um poema que fala de pássaros, mas que se desenvolve com base no campo lexical de árvore!

    "Algumas proposições com pássaros e árvores"

    As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
    Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
    Os pássaros começam onde as árvores acabam
    Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
    Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
    Como pássaros poisam as folhas na terra
    Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
    Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
    Mas deixo essa forma de dizer ao romancista
    É complicada e não se dá bem na poesia
    Não foi ainda isolada da filosofia
    Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
    Quem é que lá os pendura nos ramos?
    De quem é a mão a inúmera mão?
    Eu passo e muda-se-me o coração

    Ruy Belo, Todos os Poemas. Lisboa: Assírio Alvim, 2000.

    Bonito poema! Não?!
    Vamos então ao campo lexical de "árvore". O 'Dicionário Terminológico' não restringe, na definição, o inventário a uma determinada classe de palavra, mas sigo o critério dos exemplos que apresenta e destaco do poema de Ruy Belo os seguintes vocábulos: fruto, folhas, terra, campos, ramos... São todos nomes.
    Penso que assim a senhora professora da tal reportagem poderá "envolver" melhor as palavras no respetivo campo lexical!

    Um beijinho e continuação de bom trabalho!

    IA

    PS: Será que também tenho, aqui, que assinar alguma declaração?

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  2. Boa noite, Doutora Amiga.

    Está liberta da prerrogativa documental. Nesta carruagem, nem bilhete há! Às vezes, surge alguma (coisa pouca) ironia com algum toque de malícia.
    Condimentos para as dissonâncias deste mundo.
    Beijinho.

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