Entre tantos animais na terra, fico-me pelo elefante...
Não o Dumbo, de orelhas inusitadas, que é o herói da criançada; não Ganeixa, cuja cabeça elefantina é marca de divindade hindu; não os de Alexandre, o Grande, nem os de Aníbal, o cartaginês, que ficaram famosos pelas batalhas travadas; não os brancos, aos quais a história e o saber popular rezam como sendo singulares e dispendiosos.
Fico-me por um elefante que só um escritor soube (re)ver, que faz a viagem por todos desejada: a viagem do espaço, do tempo, do uso, do poder, da realidade, da imaginação. Uma viagem que traz mudanças, que faz a diferença (na consciência de que, na linha da epígrafe, "Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam"). E esse pode sempre ser o lugar da língua e da linguagem.
Nas palavras do próprio autor, adivinha-se um livro cuja "viagem do elefante" se parece com a viagem, os percursos da própria língua, ao longo dos tempos e dos homens que a usam, bem como do acto de criação narrativa. É um gozo, uma brincadeira, em dezoito capítulos, com a própria língua, cada vez mais revista como convenção a violar e, quem sabe, como acto poético a (re)criar: "... não falta por aí quem diga que as fadas que presidiram ao meu nascimento não me fadaram para o exercício das letras, Nem tudo são letras no mundo, meu senhor, ir visitar o elefante salomão neste dia é, como talvez se venha a dizer no futuro, um acto poético, Que é um acto poético, perguntou o rei, Não se sabe, meu senhor, só damos por ele quando aconteceu,..." (I - págs. 18-19).
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Isto tudo para quem tenha memória de elefante ou para que ninguém esqueça, como diz o narrador, que "quem conta um conto não passa sem lhe acrescentar um ponto, e às vezes uma vírgula" (XIV - pág. 197).
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