sábado, 10 de abril de 2010

Como eu... melhor do que eu.

      Professor de Português: há 86 anos nascia um exemplo de atenção à vida (por mais curta que ela tivesse sido) e ao ensino (sobre o qual se lê alguns dos momentos vividos, num diário póstumo).

        "A aula começou pela algazarra do costume. Parece uma romaria depois dos primeiros copos. Eu entro e peço paz, suplico paz, imponho paz; o primeiro minuto tem de ser de paz imposta; o segundo é que já é paz provocada, paz devida ao interesse que a aula consegue ter (ou romaria novamente, devida ao desinteresse que a aula consegue ter...).
       Fez-se, imposto, uma espécie de silêncio; um silêncio cheio de resíduos de barulho... E comecei a ler."


      Um apontamento para muitos momentos repetíveis na "romaria", desejáveis num ritual de leitura que se constrói. Quando ler é voz, há como que o canto sedutor das sereias a dominar incautos marinheiros, sem que se lhes anuncie nenhum naufrágio (bem pelo contrário!).
       E, depois, há aquele outro registo que também recordo dos meus tempos de estágio, quando pela primeira vez me cruzei com a escrita de Sebastião da Gama. Nele lia o que teria gostado de ter sentido com alguns dos meus professores (e alguns certamente o conseguiram, a ponto de querer tornar-me um deles); nele pressentia algo a seguir, se queria que as minhas aulas tivessem alguns momentos de alegria e de felicidade (quer para mim quer para os que comigo iriam trabalhar) a par de algum esforço necessário ao saber.


     
     Entre 1924 e 1952 correu o tempo para a curta existência e a intensa vivência de um professor e poeta. 28 anos de um "insofrido anseio de se dar às coisas como aos seres"; existência que o Prof. Hernâni Cidade caracterizou no prefácio do Diário (1958) daquele seu aluno, na Faculdade de Letras de Lisboa, que se havia dado a conhecer em verso, com Serra-Mãe (1945).

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