quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Pior cego...

      Diz o provérbio que é aquele que não quer ver - porque há os que não querem ver -, entre os que não podem, porque não nasceram ensinados ou não têm tempo para aprender (mais).

     Nos últimos dias, têm sido partilhadas, entre colegas de profissão, evidências do que têm sido práticas tão surpreendentes quanto escusadas, em pontos diferentes do país.
     São múltiplos os casos:
     a) o pedido, a alunos de língua materna, de conjugação verbal obrigatoriamente com a pessoa 'vocês' em vez do 'vós' - porque, dizem, está em desuso; não está correto (mesmo que a situação ocorra numa das regiões do país onde há traços de evidente conservadorismo);
    b) a instrução para uma tarefa de escrita na qual se pede um registo autobiográfico ficcionado (exercício já desafiante, a vários níveis!), apoiado num quadro expressionista (melhor ainda!) e para o qual não se admitem leituras senão as que a/o docente queira (a cereja no topo do bolo, para a natureza autobiográfica!);
    c) a atribuição de zero pontos a uma composição que, no resultado da instrução anterior, tem o / a escrevente a colocar-se na posição de personagem de um quadro, assumindo-se na primeira pessoa e a tentar exprimir os sentimentos nele evocados (o problema é que não podia ser isto... tinha de ser qualquer coisa na ordem dos sentimentos pretendidos por quem fez o teste, experienciando-os numa situação de ordem factual);
     d) a questionação, para a interpretação textual (no ensino secundário), formulada com um "Parece-te que no texto se sugere X ou Y?" , sem nada mais (não anda longe de uma pergunta do tipo sim-não...; e que dizer de quem responder Y, se vier a ser X?);
   e) um exercício de verdadeiro-falso para se saber (?) alguma coisa da poética camoniana (tendo que se marcar como falsa a indicação de que Camões produziu poemas inspirados num retrato concreto e real da mulher!);
     f) o estudo da formação de palavras, num exercício de seleção ou cruz, para se pedir o processo no vocábulo "triângulo" (e a correção feita de que, espanto dos espantos!, se trata de uma palavra derivada por prefixação, quando o aluno vê indevidamente riscada a resposta correta da composição); 
   g) a indicação de que a palavra "parquímetro" é um exemplo de composição morfossintática (salvo seja! - e a "vogal de ligação", não diz nada?!)...
     Mais haveria para listar, dentro do sucedido só em situações de avaliação escrita de alunos.
     E só lamento que esteja a antever uma pequena gota de um oceano tão turbulento e presente, a agudizar-se no futuro e sem ninguém de responsabilidade a ver a necessidade de apostar na didática específica, na formação profissional orientada para o que ensinar / aprender, no trabalho de reflexão e de apreciação crítica, fundamentada das práticas.

    Quando se pode fazer isto? Agora que os professores se encontram assoberbados de trabalho(s) com uma carga letiva pesada, com o aumento do número de alunos / turmas, com uma componente não letiva cada vez mais reduzida na intervenção e nas dinâmicas de formação específica entre pares, com horários que só são completos entre escolas vizinhas (na melhor das hipóteses), ... Não sei. Sei apenas que já houve tempo(s) para isso e tive a oportunidade de aprender. E ainda mais teria, se houvesse tempo(s) para tal.

2 comentários:

  1. E grave, Vítor, também é pensarmos que estes casos aconteceram com familiares de colegas, que detetaram estes "vícios" e poderão, de alguma forma e o mais harmoniosa possível (porque de conflitos abertos estamos cheiinhos até aos cabelos), tentar resolver a questão, evitando situações semelhantes no futuro.
    Agora, e os outros, aqueles cujos pais, tios e afins não estão ligados ao ensino, que poderão eles fazer?
    Como tudo na vida, as nossas relações baseiam-se na confiança e na certeza de que aqueles que, de algum modo, têm uma ação direta e decisiva no nosso rumo o fazem com competência, rigor e honestidade. Quero acreditar que, aqui, houve falha na competência, porque ou não houve formação ou se usou material que não era o mais correto. Porque fazer testes de raiz dá muito trabalho e nem sempre temos tempo e, então, socorremo-nos do que temos lá por casa (que nem sempre prima pelo rigor…). Mas não quero pensar que seja má fé, ou que os enunciados e as correções em questão sejam consequência do facto de que “de modas estamos cheios e não estou para gastar o meu tempinho com modernices gramaticais!" Infelizmente, ainda há entre nós quem assim pense!
    Quanto ao futuro, será melhor não pensar muito, porque ele vem e não vale a pena sofrermos por antecipação, que é o primeiro significado da palavra “preocupar” (ocupar antes do tempo)!
    Um beijinho para ti e um ótimo dia para todos!
    IA

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    1. Nunca colocaria a questão em termos de má fé.
      Seja por falta de tempo seja por ausência de formação e consciencialização crítica e fundamentada das práticas, impõe-se abordar estas situações: quem tem responsabilidade na formação deve preocupar-se com estas questões; quem precisa dela tem de a procurar, porque, nas opções que faz, tem que haver maior grau de consciencialização profissional (nomeadamente nos conhecimentos que trabalha, ensina...).
      Bj

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