terça-feira, 7 de abril de 2009

O Leitor (ou de como a leitura é voz... e não só).

     Fica o registo de um filme que, há cerca de um mês, tive a oportunidade de visionar, apreciar e elogiar - não propriamente pela interpretação que deu o Óscar a Kate Winslet nem pela qualidade de realização de Stephen Daldry; mais pela história, pela História, pelo encontro, desencontro e reencontro de duas personagens que me despertaram outro interesse: o de ler o livro.

     O prazer da leitura é feito de sentidos. Prova disso é o belo exemplo proposto por Alberto Mangüel na sua Uma história da leitura (Lisboa, Ed. Presença, [1996] 1998, pág. 83, na qual se cita Israel Abrahams, Jewish Life in the Middle Ages, Londres, 1896):

     "Na sociedade judaica medieval, por exemplo, o ritual de aprendizagem da leitura era explicitamente celebrado. Na Festa de Shavuot, que celebra o dia em que Moisés recebeu a Tora das mãos de Deus, o rapaz prestes a ser iniciado era envolvido num manto de oração e levado pelo seu pai ao professor. O professor sentava o menino ao colo e mostrava-lhe uma lousa onde se encontravam escritos o alfabeto hebraico, um excerto das Escrituras e as palavras «Que a Tora seja a tua ocupação». O professor lia em voz alta cada uma das palavras e a criança repetia-a. Em seguida, a lousa era coberta com mel, que a criança lambia, assimilando desta forma as palavras sagradas. Também eram escritos versículos da Bíblia em ovos cozidos descascados e em bolos de mel, que a criança comia depois de ter lido os versículos em voz alta ao professor."

      Talvez por isto, há uns anos, um cartaz de divulgação e promoção da Feira do Livro tenha aparecido com a figura de um livro dentado num dos ângulos da capa.

      Entre Michael e Hanna há sentidos de leitura mais plurais. Uns perdem-se no tempo da vida; outros ultrapassam o limite da própria morte. Restam o desafio e o segredo: tentar entender ("Estamos a tentar entender", como Michael Berg nos faz relembrar).



     O filme levou-me à descoberta do livro, de Bernhard Schlink, do qual transcrevo um brevíssimo diálogo:



"- Lê-me em voz alta!
- Lê tu mesma, eu trago-tos.
- Tens uma voz tão bonita, miúdo, gosto mais de te ouvir ler do que ser eu própria a ler."



    O acesso ao sentido por outro(s) sentido(s) e o(s) prazer(es) que deste(s) se retira são o sabor, a cor, o encontro para se poder ler o indizível, muitos silêncios, muitas mágoas; experiências e descobertas por revelar, com limites imprevisíveis.

    Ler o comportamento humano é tentar entender o que o livro da vida nos oferece: buscar um rumo e dar sentido a esta passagem, pelo que ela tem de belo e de dor.

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